quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

DOIS POEMAS TRISTES, por Tádzio Nanan


 

a vida aconteceu
enquanto cultivava a arte
a vida aconteceu
agora, já vai caindo a tarde
e eu não sou mais eu: não sou mais todo, sou parte

a vida aconteceu
enquanto cultivava o riso
a vida aconteceu
no mais caótico improviso
e eu não sou mais eu, destarte

a vida aconteceu
               levou
               o amor que não pude dar-te

a vida aconteceu
               secou
               os mares de singrar-te
 


a vida aconteceu
enquanto cultivava flores
a vida aconteceu
agora, só vicejam as dores
e eu não sou mais eu: sou metade de um homem

a vida aconteceu
enquanto cultivava sonhos
a vida aconteceu
cerrando meus olhos tristonhos

e eu não sou mais eu, sou ontem

a vida aconteceu
               doeu
               agora a vida me consome

a vida aconteceu
               não sou mais eu
               sou o que não tem nome






*




Amanheci do meu mistério

Agora me compreendo

Não significa que me goste

Compreendo-me apenas



Não tenho nada a ensinar a ninguém

Não tenho nada a dizer a ninguém

Não tenho nada a aprender com ninguém

Não tenho nada a ouvir de ninguém



A poça é rasa

A água está parada

No limo, infestações proliferam



Eu matei a charada, que não significava nada

Eu nunca fui culpado, mas nunca serei inocente



Tudo é absurdo, vão, escuro, sujo, feio e fede insuportavelmente...



Amanheci do meu mistério

Que pena

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

UM TEXTO INSÓLITO, por Tádzio Nanan




tomo deliciosa chuveirada, saio cheiroso, apetecível
entro no recinto, me aconchego todo, mas estou em dúvida
fico olhando pra ele, ele fica olhando pra mim
insisto na paquera, ele flerta também, olhando interrogativamente
a coisa evolui: ele pisca, pisco de volta
ele pisca mais uma vez, outras tantas vezes, despudoradamente – eu
idem, ambos com a ansiedade dos que estão loucos de vontade de
“interagir”
depois de um tempo, dá tédio, me levanto, vou ao banheiro,
converso com um, com outro
na volta, cheio de curiosidade, estou disposto a aprofundar nossa
relação, vou mergulhar de cabeça em nós
mas aí me dá nervoso, as mãos começam a suar: o safado parece estar me
esnobando com aquele ar frígido, indiferente
batuco os dedos na mesa, cantarolo, assobio, faço charminho, olho ao
redor – nada de interessante, e ele com ar blasé de “tô nem aí”
me desespero, não aguento mais a situação, vou cair matando,
perguntar-lhe tudo o que quero saber
continuo na dele, olho-o fixamente, tentando ver algo por detrás daquele semblante enigmático
eu amo esse cara, mas e ele, sente o que por mim?
todo mundo já percebeu o quanto gosto dele, sei que comentam e riem
baixinho, mas e daí?, a vida é assim mesmo, tem de tudo...
eu e o G., agora eu sei, é amor pra toda vida! Vou tatuar o nome dele
no peito envolto num coraçãozinho...
(...)
só depois - tarde demais, quando entreguei meu corpo e alma, é que fui
descobrir o quão promíscuo é o safado! todo mundo passou, passa ou vai
passar por ele, e eu achando que era o único, que era especial, que
apenas eu podia ir descobrindo-o!
mesmo assim, eu te amo, G., nosso caso de amor é para sempre!
amo teus algoritmos infalíveis!
te amo GOOGLE!

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

UM CONTO INUSITADO, por Tádzio Nanan




“O Paulo era um sujeito ótimo, engraçado, de bem com a vida, cheio do
dinheiro, apesar de ninguém saber da procedência dele, do dinheiro, e
aliás, nem da do Paulo também. Apareceu do nada e foi ficando. Mas
ninguém dava a mínima porque como eu disse o Paulo era ótimo,
piadista, vivia rindo e fazendo rir, pagava a conta de todo mundo, o
que todo mundo gostava, claro.
Certo dia eu me encontrei com ele, e tivemos um papo mais sério. O
cara era experto em filosofia, religião, mitologia grega, o diabo a
quatro, além da formação em física. O sujeito tinha cérebro, sem
dúvida. Cérebro e bolso! Pois bem, um dos cacoetes de físico que ele
tinha era ficar repetindo a frase: ...isso em condições normais de
temperatura e pressão... Memorizei esse pormenor na terceira vez que
ele usou a tal expressão.
Uma semana depois, estava eu absorvendo uns tragos com os amigos
quando chega o Henrique com um baita mulherão, de 1,80, um corpanzil
daqueles, longilínea, parecia jogadora de vôlei. Todo mundo se
perguntou como é que o Henrique tinha conseguido aquilo tudo, até porque, na boca miúda, Henrique era miúdo, vocês entendem, né?, e nem era muito chegado à coisa. Ele se aproximou e elucidou o caso: não estava com ela não, era amiga do Paulo, do qual acabei de falar. Ela sentou-se com a gente, bebeu mais que o Betão, um dos maiores bebuns das redondezas, palestrou sobre futebol com expertise, parecia extremamente à vontade.
Foi aí que percebi um lance desagradável: ela tinha um “vício” que a desmerecia, e não é machismo meu não: vez em quando ela dava uma coçadinha na virilha, de leve, muito rapidamente, mas eu que estava ao lado dela, a vi fazer isso pelo menos quatro vezes, e maldei logo: claro, estava bichada.
Uns dias depois, encontrei-me com o Paulo no banco fazendo uns
pagamentos e ele me convidou para almoçar. Vou encurtar o assunto: o
Paulo não parou de coçar a virilha, não conseguia nem se controlar, aí
não teve jeito, saquei logo que ele e a morenaça, Débora o nome dela,
ele e a Débora estavam tendo um caso.
Um mês depois, após nossa peladinha sagrada do fim de semana, a
gente vai beber no Alfredo e a Débora se materializa lá, do nada. E
acontece o incrível: aquela deusa cor de jambo, aquele monumento
curvilíneo à la Niemeyer, que reforça nossa crença em Deus, e no Diabo
também, claro, começa a dar em cima de mim. Eu que não sou besta nem
nada, levo ela pra casa e traço a morena com toda a virilidade e
macheza dos meus 27 anos. Depois do ato, percebi uma manchinha de
nascença que ela tinha um pouco acima do umbigo. Achei lindo demais,
fiquei de pau duro e fui pro segundo tempo da partida mais antiga do
mundo.
Depois disso, fiquei me encontrando com a Débora por um tempo, até que
ela me trocou pelo Carlão, que dava dois de mim. Um dia, com eles
dois, numa mesa de bar, jogando conversa fora, percebi a Débora
repetindo: ...isso em condições normais de temperatura e pressão..., e
saquei que a danada ainda estava vendo o Paulo, que por sinal andava
sumido: será que ela matou o infeliz e ficou com a grana dele? Pode
ser, afinal, nada mais obscuro que o passado da Débora. Afinal de
contas, o que era que se sabia da Débora?
No outro dia, coincidentemente, me liga o Paulo. Estava procurando um
apartamento novo, e me escolhera como corretor. Fui lá, no apartamento
dele, conversar sobre isso. Ele estava sem blusa, exibindo o corpão
atlético, cor de jambo, e, espera aí, uma mancha de nascença acima do
umbigo? Mas quem tinha essa mancha era a Débora, idêntica, igualzinha!
Fiquei confuso, mas levei-o para ver uns apartamentos. À noite, em
casa, fiquei matutando sobre o assunto. Só podiam ser irmãos. Mas por
que não teriam falado sobre isso? Será que transavam? Nossa, a coisa
estava ficando feia. Resolvi tirar tudo a limpo.
Fiquei de tocaia no apartamento do Paulo, para ver se a Débora
aparecia por lá. Mas nada, só o Paulo entrando e saindo. Mas fazer
tocaia pela manhã e à tarde não adiantava nada, eu tinha que passar a
madrugada. Então fui no apartamento em frente ao dele, ofereci mil dinheiros pro vovozinho deixar eu passar a noite, disse que era uma tocaia para um caso de traição, com minha mulher envolvida. Às cinco da manhã o Paulo acorda e entra no banheiro. Passa meia-hora lá, e aí, aí senhores, aí acontece o inacreditável: quem sai do banheiro? A
Débora! Sim senhores, entrou o Paulo e saiu a Débora. Eu não entendi,
no começo, como os senhores não estão entendendo nada, mas logo depois
eu visualizei o quadro todo, eu enxerguei a verdade escondida por
detrás das brumas. Senhores, ouçam bem: eles já estão entre nós! Estão
misturados e confundidos à gente. Quem são eles, eu não sei:
extraterrestres, mutantes metamorfos, o passo seguinte da evolução,
mas senhores, ouçam bem: eles já estão entre nós!

(confusão geral entre os ouvintes, balbúrdia e falatório)

Espera aí, pessoal, espera aí, deixa eu falar o saldo da história... O pior não foi isso, não, senhores, isso já era de se esperar, pra mais cedo ou pra mais tarde, já estava previsto pela ciência e pela literatura. O pior mesmo foi eu, macho convicto, ter perdido o cabaço de homem, sim!, porque se eu cruzei com a Débora cruzei também com o Paulo, né não, porra?”

sábado, 26 de janeiro de 2013

PARA ANA CAROLINA NANAN, AMAZONA DELICADA (e sua irmã ALESSANDRA ALENCAR), por Tádzio Nanan



Tenho uma irmã (aliás, duas) que é guerreira
As procelas da vida enfrenta-as com sorriso aberto
Não teme nada – o perigoso, o difícil, o incerto
Domando o alazão Vida como amazona altaneira


Tenho uma irmã (aliás, duas) que transborda galhardia
Em Deus, no Homem, em si mesma cultiva fé inabalável
Enquanto outros se curvam e se calam ante o indefensável
É doce promessa de um novo e resplandecente dia

Tenho uma irmã (aliás, duas) brava e valente
No turbilhão mantem-se calma, para o certeiro foco inferir
Por todas e tantas conquistas é honoris causa em existir
Enfrenta os Elementos, os maus elementos, de frente

Tenho uma irmã (aliás, duas) que transborda fortaleza
Se o chão se abre e tudo afunda, ela, como o Desperto, flutua
No palco da vida, com amor, coragem e esperança atua
Revolucionando o mundo com paixões, ideais, delicadeza




Do irmão, fã e discípulo, Tádzio Nanan
em 26 de janeiro de 2013