sábado, 31 de maio de 2014

RUA J.B, 1897, por Tádzio Nanan


No jardim, ecos de conversações passadas
De tempos de mais sossego e inocência
Discussões, jogos, pileques, cantadas
O despertar dos corações e das consciências

Foi porto recebendo estrangeiros e viajantes
Portal para novas dimensões e energias
Um tugúrio para tímidos virginais amantes
Um refúgio para as artes e filosofias

Foi um forte protegido por afeto e delicadeza
Anos a perder de vista, até que o ciclo encerrou-se
O ar ficou carregado de estupor, de tristeza
Aquela atmosfera alegre e suave esgotou-se

Foi o próprio destino que quis assim
Os dias passavam dormentes, sombrios
Parecia que já estava decretado o fim:
A casa dos olhares e corações frios!

A sala foi ficando mais escura e vazia
As horas, melancólicas, todas iguais
Tão tristes estações, tão longos dias
O silêncio das ausências e a dor dos ais

Mas outra vez o destino age em nossa história
Um perfume no ar anuncia outra primavera
O vento traz um assobio de plenitude, de vitória
A glória de outra idílica e inolvidável era!

sábado, 24 de maio de 2014

MEIO-DIA!, por Tádzio Nanan


Meio-dia! Luz e calor em toda parte. Mas, contraditoriamente, algo em mim se recolhe, algo em mim de mim se ausenta, escapa, se esvai, como se fosse tarde, bem mais tarde, como se fosse a hora das melancolias e saudades. Mas é meio-dia ainda, a hora em que as sombras não nos perseguem! Caminhos e possibilidades infinitas, infinitas vidas a viver, inventar, mas parte de mim se paralisa, permanece, estanca, parte de mim renega a lei fundamental da vida: o movimento, e no auge da jornada se petrifica, se faz árvore, uma árvore outonal, sem copa, sem frutos, parte de mim cala-se e deita-se, esperando... O quê? E assim convida perigosamente as brumas das altas horas a se manifestarem, elas que estão sempre no aguardo, sorrateiras...
Meio-dia! Hora da colheita! E eu plantei tantas coisas; frutificarão? Será que o sonho que sonhei não era meu? Será que o sonho que sonhei era vão? Será que tais coisas sonhadas, docemente acalentadas, anos a fio, não tinham meu rosto, meu sobrenome? Terei ficado com o ônus do esforço, sem o bônus da recompensa: o pensamento, a arte, a beleza? Talvez o destino me tenha reservado uma seca implacável, seca de gente, de êxito, de arrebatamento, seca que abre sulcos no meu rosto, faz evaporar minha coragem, torna estéreis as sementes plantadas. Talvez seja como o destino me queira: árido, infértil, pedregoso, sem nada conceber...
Meio-dia! Tempo de erigir os palácios, as pontes, as catedrais da vida. O que tenho erigido nestes trinta e tantos anos? Será que se sustentarão os alicerces da minha arquitetura? Também é a hora das definições! E ainda tenho tanta coisa a definir, a decifrar, a entender, a aceitar... Faz alguns anos a solidão bateu à minha porta e eu, desavisado, deixei-a entrar. Ela ainda está por aqui, seu vulto cheio de desassossego! Também o medo apossou-se do meu coração e a dúvida vem sussurrando palavras pequenas em meus ouvidos. É um meio-dia bem cinzento, para falar a verdade, de nuvens carregadas, e, aliás, de corações carregados também...
Mas há esperanças! Se há luz e calor, há esperanças! Se as sombras dormem preguiçosas, há esperanças! Vou conseguir colocar-me no exato caminho, o caminho das flores, das alegrias, das transformações, dos resultados. Também posso fazer do caminho que percorro o exato caminho, o tão sonhado e sempre aguardado caminho das liberdades, conquistas e afetos, agindo com coragem, cultivando o talento, rompendo o casulo, oferecendo-me ao mundo na forma de palavras e pensamentos. O que frutificar, irei colher, alegremente agradecido; encherei de risos o silêncio, preencherei com abraços a solidão, partirei as correntes do medo, expurgarei as feridas que a dúvida engendra e farei com que se ouça as agradáveis melodias que componho no delirantemente onírico dia-a-dia da minha vida, a vida com a qual sonhei e sempre quis construir, a vida que quero deixar de legado para o mundo e às gerações futuras, cuja mensagem é: outras formas de viver são possíveis!
Meio-dia! Luz e calor em toda parte! Hora das iluminações!

sexta-feira, 16 de maio de 2014

OCASO, por Tádzio Nanan



O mesmo berço, o mesmo idílico passado...
Agora, o fogo cruzado; ódios ingentes, viscerais
Tão atormentados, sem Deus, sem luz, sem paz
O presente é desonroso e o futuro, assombrado!

Surdos uns aos outros, com suas vãs certezas...
Amesquinharam a palavra, que se tornou improdutiva
Espalhando rancores, desavenças as mais destrutivas
E pérfidos sentimentos, a sufocar delicadezas!

A reconciliação fracassou; a treva cai fulminante
Sobre a memória, a honra, a tradição da família
Cada um está só, cada um transformado em ilha
Cercados por inimigos, o socorro jaz distante!

A irmandade, a lealdade, o afeto, tudo olvidado!
O amor definha ao que a ignomínia se agiganta
Nada mais neste sobrenome cativa ou encanta
E pensar que tiveram tudo, tanto amor e cuidado!

segunda-feira, 12 de maio de 2014

SOBRE A VIDA, por Tádzio Nanan


Como são paradoxais os caminhos que a vida toma...
Às vezes, precisamos cair para reerguer-nos alados
E se subtraem algo a nós, a nós algo também se soma!

A vida e suas oposições, encruzilhadas, precipícios...
A dúvida ou o fundamentalismo? O cotidiano ou o extraordinário? A palavra ou o silêncio? O sentido ou o absurdo?
Encontrar a nós mesmos nas virtudes, ou nos perder nos vícios?

A vida e suas charadas esfíngicas, jogadas imprevistas, más surpresas...
Pegam-nos num telefonema, numa esquina, num fim de tarde, num agosto quaisquer
E nos põem de joelhos, a chorar e rogar diante de velas acesas...

A vida, tão docemente rude, tão claramente indefinida...
Qual seu sentido? A felicidade? Ou a felicidade é uma acomodação covarde?
Por quais caminhos seguir, de quais desistir, para receber o afago e evitar a ferida?

Como são contraditórios os caminhos que a vida nos propõe...
Quando calamos, (nos) revelamos, quando assumimos (nos) enganamos
Se desistimos, ela nos convida; se a confrontamos ela nos impõe!

Como é imprevisível a vida, nem sempre avança, às vezes, se detém...
E vivemos amargurados com o acre gosto do passado na boca
Uns com tanto amor, tanta luz, tanta vida, outros tantos sem!