terça-feira, 29 de janeiro de 2013

UM CONTO INUSITADO, por Tádzio Nanan




“O Paulo era um sujeito ótimo, engraçado, de bem com a vida, cheio do
dinheiro, apesar de ninguém saber da procedência dele, do dinheiro, e
aliás, nem da do Paulo também. Apareceu do nada e foi ficando. Mas
ninguém dava a mínima porque como eu disse o Paulo era ótimo,
piadista, vivia rindo e fazendo rir, pagava a conta de todo mundo, o
que todo mundo gostava, claro.
Certo dia eu me encontrei com ele, e tivemos um papo mais sério. O
cara era experto em filosofia, religião, mitologia grega, o diabo a
quatro, além da formação em física. O sujeito tinha cérebro, sem
dúvida. Cérebro e bolso! Pois bem, um dos cacoetes de físico que ele
tinha era ficar repetindo a frase: ...isso em condições normais de
temperatura e pressão... Memorizei esse pormenor na terceira vez que
ele usou a tal expressão.
Uma semana depois, estava eu absorvendo uns tragos com os amigos
quando chega o Henrique com um baita mulherão, de 1,80, um corpanzil
daqueles, longilínea, parecia jogadora de vôlei. Todo mundo se
perguntou como é que o Henrique tinha conseguido aquilo tudo, até porque, na boca miúda, Henrique era miúdo, vocês entendem, né?, e nem era muito chegado à coisa. Ele se aproximou e elucidou o caso: não estava com ela não, era amiga do Paulo, do qual acabei de falar. Ela sentou-se com a gente, bebeu mais que o Betão, um dos maiores bebuns das redondezas, palestrou sobre futebol com expertise, parecia extremamente à vontade.
Foi aí que percebi um lance desagradável: ela tinha um “vício” que a desmerecia, e não é machismo meu não: vez em quando ela dava uma coçadinha na virilha, de leve, muito rapidamente, mas eu que estava ao lado dela, a vi fazer isso pelo menos quatro vezes, e maldei logo: claro, estava bichada.
Uns dias depois, encontrei-me com o Paulo no banco fazendo uns
pagamentos e ele me convidou para almoçar. Vou encurtar o assunto: o
Paulo não parou de coçar a virilha, não conseguia nem se controlar, aí
não teve jeito, saquei logo que ele e a morenaça, Débora o nome dela,
ele e a Débora estavam tendo um caso.
Um mês depois, após nossa peladinha sagrada do fim de semana, a
gente vai beber no Alfredo e a Débora se materializa lá, do nada. E
acontece o incrível: aquela deusa cor de jambo, aquele monumento
curvilíneo à la Niemeyer, que reforça nossa crença em Deus, e no Diabo
também, claro, começa a dar em cima de mim. Eu que não sou besta nem
nada, levo ela pra casa e traço a morena com toda a virilidade e
macheza dos meus 27 anos. Depois do ato, percebi uma manchinha de
nascença que ela tinha um pouco acima do umbigo. Achei lindo demais,
fiquei de pau duro e fui pro segundo tempo da partida mais antiga do
mundo.
Depois disso, fiquei me encontrando com a Débora por um tempo, até que
ela me trocou pelo Carlão, que dava dois de mim. Um dia, com eles
dois, numa mesa de bar, jogando conversa fora, percebi a Débora
repetindo: ...isso em condições normais de temperatura e pressão..., e
saquei que a danada ainda estava vendo o Paulo, que por sinal andava
sumido: será que ela matou o infeliz e ficou com a grana dele? Pode
ser, afinal, nada mais obscuro que o passado da Débora. Afinal de
contas, o que era que se sabia da Débora?
No outro dia, coincidentemente, me liga o Paulo. Estava procurando um
apartamento novo, e me escolhera como corretor. Fui lá, no apartamento
dele, conversar sobre isso. Ele estava sem blusa, exibindo o corpão
atlético, cor de jambo, e, espera aí, uma mancha de nascença acima do
umbigo? Mas quem tinha essa mancha era a Débora, idêntica, igualzinha!
Fiquei confuso, mas levei-o para ver uns apartamentos. À noite, em
casa, fiquei matutando sobre o assunto. Só podiam ser irmãos. Mas por
que não teriam falado sobre isso? Será que transavam? Nossa, a coisa
estava ficando feia. Resolvi tirar tudo a limpo.
Fiquei de tocaia no apartamento do Paulo, para ver se a Débora
aparecia por lá. Mas nada, só o Paulo entrando e saindo. Mas fazer
tocaia pela manhã e à tarde não adiantava nada, eu tinha que passar a
madrugada. Então fui no apartamento em frente ao dele, ofereci mil dinheiros pro vovozinho deixar eu passar a noite, disse que era uma tocaia para um caso de traição, com minha mulher envolvida. Às cinco da manhã o Paulo acorda e entra no banheiro. Passa meia-hora lá, e aí, aí senhores, aí acontece o inacreditável: quem sai do banheiro? A
Débora! Sim senhores, entrou o Paulo e saiu a Débora. Eu não entendi,
no começo, como os senhores não estão entendendo nada, mas logo depois
eu visualizei o quadro todo, eu enxerguei a verdade escondida por
detrás das brumas. Senhores, ouçam bem: eles já estão entre nós! Estão
misturados e confundidos à gente. Quem são eles, eu não sei:
extraterrestres, mutantes metamorfos, o passo seguinte da evolução,
mas senhores, ouçam bem: eles já estão entre nós!

(confusão geral entre os ouvintes, balbúrdia e falatório)

Espera aí, pessoal, espera aí, deixa eu falar o saldo da história... O pior não foi isso, não, senhores, isso já era de se esperar, pra mais cedo ou pra mais tarde, já estava previsto pela ciência e pela literatura. O pior mesmo foi eu, macho convicto, ter perdido o cabaço de homem, sim!, porque se eu cruzei com a Débora cruzei também com o Paulo, né não, porra?”

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