sábado, 21 de novembro de 2015

COTIDIANO, por tádzio nanan


Cotidianamente cercado pela má-fé; mais grave ainda: pela mentira. Mas sempre estarei protegido contra as maquinações dos Iagos e dos Macbeths com o mágico escudo da minha lira! 

Cotidianamente acossado pelo desejo; mais grave ainda: pela avidez. Quero tudo, e quero pra ontem; um insaciável Alexandre, condenado a sempre repetir o mesmo intento: conquistar, possuir, desfrutar, destruir. E começar tudo outra vez!

Cotidianamente tentado pelo diabo; mais grave ainda: pelo ego. Tenho me fartado de mim, me intoxicado de mim, me embriagado de mim; me tragado, me injetado, me fumado; de mim mesmo apenas tenho me cercado, delirante e cego!

Cotidianamente castigado pela apatia; mais grave ainda: pela descrença. Meu ideal foi vencido pelos fatos, meu amor trocado por dinheiro, meu corpo se atrofia, não sinto esperança ou alegria, e há tempos minha existência jaz suspensa!

Cotidianamente sufocado por exigências; mais grave ainda: por (pre)julgamentos. Mas tenha sempre em mente, sonhático poetinha, que a roda da fortuna gira, gira; tudo, tudo são voláteis momentos. As circunstâncias da vida mudam, pois muda a direção dos ventos!

Cotidianamente aviltado pelo desvio; mais grave ainda: pelo despudor. Estou me tornando cínico, perdendo a inteligência de acreditar, a coragem de agir, a força de enfrentar; me acostumei com as contradições do mundo e cumplicemente aceitei o horror!

Cotidianamente assolado pela tristeza; mais grave ainda: pela depressão. No fundo do poço vemos murchar nossos sentidos, nossa ambição; nossa capacidade de lutar, de querer; nossa faculdade de sonhar, de empreender; deixamos de mirar o céu e fixamos o olhar no chão!

Cotidianamente atado a certezas de conveniência; mais grave ainda: ao preconceito. Cobardemente, abandonei a dúvida metódica, o pesar e ponderar os argumentos, os crivos da razão, da inteligência, para não contraditar, para não me rebelar, para ser benquisto e aceito!

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