quarta-feira, 10 de outubro de 2012

LIRA DOS VINTE ANOS - poemas escritos entre 20 e 30 anos

por Tádzio Nanan

INSPIRADO EM UMA BELA ANJINHA DE BRONZE
Apaixonei-me por ti, sôfrega e desassossegadamente.
Foi veloz e certeiro, uma ensolarada invasão do Amor.
(Culpo tua placidez angelical, suavidade e pundonor...)
A contrição que ocultas é paixão, meu coração pressente!

Dirão que estou louco, mas o amor não tem medida.
Desejo o teu bronze, e sonhas mergulhar no meu espírito.
E realizaremos mágica e inefavelmente este amor onírico.
E descerás à Terra, e ao Céu encetarei subida!

Dirão que é impossível, mas a paixão é imaginativa.
Vou ensinar-te o verbo, e me mostrarás o mundo do alto.
E morrerão de inveja, ao descobrirem, num sobressalto,
Que teu corpo é meu, e minha alma de ti ficou cativa!

E num infinito de realidades paralelas, filhos teremos.
Que formarão nova raça de nobres e valentes guerreiros,
A fundar outras civilizações com seus ideais altaneiros...
É o esplendor deste amor qu'eu sonhei, e que ousaremos!


POEMETO PARA A NORMINHA
Em agradecimento ao enorme bem que ela faz a esta família
Feliz aniversário – 8 de maio
Feliz Dia das Mães – 13 de maio


Com a benigna luz do teu olhar
Desabrolha minha vida em flor
É uma flor mais bela se regada com teu olhar!
É uma flor maior se regada com teu amor!

Com o fulgor do teu sorriso – imortal lar
Ponho-me a relembrar da minha afetuosa infância...
Mãe! Nosso primeiro e derradeiro lar!
Mãe! Nossa primeira e derradeira ânsia!

Guardiã, zelas por teu sobrenome e o nome da tua Casa
Artemisa suave, porém sempre em guarda e alerta
Teus rebentos, teu amor, escondes sob as asas
E se um malfeitor ousa invadir tua casa
No torso do bandido certeiras flechas acertas!

No carnaval da vida, tigresa machucando os corações varonis
Beleza superior: rosto clássico, corpo violão; charme e carisma
Que nalguns provocou paixões, noutros invídias e ciúmes vis
E que toda noite faz o romeu Luiz morder sempre a mesma isca!



FRAGMENTOS POÉTICOS


O tempo passa e nos leva aos pedaços: um pouquinho do corpo, um pouquinho da mente, um pouquinho da alma

O tempo passa e nos leva aos pedaços: um pouquinho dos músculos, um pouquinho do coração, um pouquinho da memória

O tempo passa e nos leva aos pedaços: a criança, a lembrança, a esperança, também a coragem

A cada dia, a cada esquina, a cada susto o tempo passa e nos leva; no fim, somos poeira cósmica

A cada noite, no sofá da sala, no jantar com a família o tempo passa e nos leva; somos sombras fugidias

O tempo passa...
Não, ele corre!

O tempo corre com sua disposição atlética, com seu espírito olímpico, deixando-nos para trás, exaustos, com o coração saindo pela boca

O tempo corre com suas pernas titânicas, espalhando luzes e trevas no seu rastro, envolvendo-nos em seu implacável jogo de renovação e morte

O tempo corre...
Não, ele voa!

O tempo voa, mas somos nós quem caímos das alturas, caímos na real: é, o tempo voa, e nós, no máximo, corremos

É, o tempo voa, enquanto caímos na real: caímos nos braços do esquecimento, nos braços do sono, nos braços da noite, cujas vozes é o silêncio, íntimo companheiro de tudo que sonha

Ah, o tempo...
Se passasse mais devagar...
Ou se a gente vivesse mais e melhor...
Ou se a gente aprendesse mais rapidamente a viver, se a gente aprendesse mais rapidamente sobre o tempo, sobre os tempos da vida...

Ou se
Ao menos
A gente aprendesse a passar, a passar simplesmente
Como o tempo...

**

a moça apaixonou-se pela pessoa errada
e vivia a chorar estrelas com seus olhos noturnos
(outros orientavam-se no escuro com as estrelas que ela chorava, mas ela não se apercebia disso...)

falava sozinha imaginando seu amor abandonado ao sofá da sala, num comuníssimo domingo, lendo o jornal, a ouvi-la tagarelar e a rir-se dela; e compartilhava com este ser imaginário seus cotidianos dramas e alegrias, suas modestas aspirações e inspirações...

antes de dormir, tocava-se com lânguida sensualidade e despia-se num jogo erótico ilusório, sonhando o amante materializado em sua cama, viril mas delicado, a observá-la com paixão: mágica do amor romântico e da imaginação concupiscente...

a moça estava faminta de um corpo
a moça estava sedenta de uma alma
e foi assim que se deixou levar pelas metáforas de um jovem poeta – um poetaço, por quem se apaixonara, perdidamente, sem esperar ou querer, e esperou e quis e quis e esperou e esperou e quis, tudo baldadamente...

sóis e luas vieram e se foram
esperanças cresceram e minguaram
sazões dormiram e acordaram
e nada!

iludiu-se com os mal-entendidos da linguagem
iludiu-se com as miragens dos devaneios
iludiu-se com os calafrios dos desejos

até que, enfim, ela decidiu-se por não esperar mais a pessoa certa e se fez pessoa certa para alguém, e adorou fazer alguém feliz, e foi feliz também

às vezes, as coisas fazem mais sentido quando você desiste delas...


**


cortaram as árvores de dar sombra
sombras de dormir muito e gostosamente
e sonhar sonhos doces e frutíferos

cortaram as árvores de papear debaixo da copa
e filosofar axiomas, paradoxos, sofismas, quando a turma pensando pensa que é esperta só porque pensa, enquanto adora Baco e fala alto e se confunde

cortaram as árvores de marcar no tronco o nome da namorada: a real, a imaginada
cortaram as árvores de ouvir passarinho e fazer serenata

cortaram as árvores...

por outro lado, agora vejo melhor a vastidão do céu: céu de imaginar-se alado, céu de mergulhar nas nuvens, céu de sonhar com as estrelas, com outros mundos e o Paraíso, céu de Deus, de deuses e titãs, e também céu de me situar no mundo: somos tão pequenininhos...

a luz irradia-se mais livremente, o calor propaga-se, e restaura-se a saúde do sistema corpo-mente-espírito: remédio gratuito e efetivo

a luz do sol me acalma entrando no meu quarto
e o calor faz a gente se sentir mais vivo

perdi as árvores, mas me dourou o sol
perdi as árvores, mas me ampliou o céu
perdi as árvores, mas me curou a luz

muitas vezes, quando a gente perde é quando a gente mais ganha



MEDITABUNDO


Antes, quando o Homem era potência
Secreto devaneio do esfíngico autor
Do espaço/tempo, do ousado criador
Da matéria, da entropia, da consciência...

Antes, quando o Homem não sonhava
Quando a idéia da idéia tremeluzia
E a obra do braço humano adormecia
Déspota solitário, Ele imperava...

Antes, quando era silêncio a palavra
Quando nada fabricava a humana lavra
Ele, a absoluta razão do universo
Toda a explicação: verso, anverso...

Agora, o Homem, invertendo tudo
Faz Deus, meditabundo, ficar mudo



APOCALIPSE


Depois, o silêncio reinou outra vez
Depois das paixões, o esquecimento
Depois da razão, a frigidez
De um universo triste, sem argumento
Depois da dúvida hamletiana
Que confrangia o homem
E da sentença descartiana
Apenas sono, apenas ontem
Só, Ele revê a tudo, sem saudade
O quanto fizera, apaixonadamente
Sonhando a filosofia, a arte, a ciência
Mas, num lapso, criara a iniquidade
Consumindo tudo, obstinadamente
E quis pôr fim à Sua imprevidência...



PAIXÃO!

Louco, marchava sobre os abismos da paixão!
Ah, imortais ardentes madrugadas de outrora
Quando o tempo só marcava a mesma hora
E, chamejantes, acendíamos a própria escuridão...

Possuía-te com afagos, e com sevícias!
Amava-te com desprezo, e com esmero!
Lançava-te às chamas, como um Nero
Àquelas das bacânticas delícias...

Afligi-me ainda este desejo incontrastável
E ainda morro de sede ao ver-te, meu Kalahari
Rendido, a teus liames me ataste, vil Mata-Hari
Refém de uma paixão inconfessável...

Quanta aflição germina e grassa no meu peito!
Se mais te desejo, é tua falta que hei-de aspirar
Meu amor é só desespero, diz querendo calar
Quer nunca mais te ver, e ver-te nua no leito...



ESFINGE - II


Gente vulgar, meu ser pacifica-se no caos
Num tropel de emoções, num viajar-se em naus
Imortais, rumo ao fim e ao limiar de tudo
Sorvendo a existência num divagar mudo

Nasço, morro, renasço... Vivo em outra esfera
Sou lírio e sou hera, todo o amálgama que contém
Nossa natureza, e hoje sei que o conforto da certeza
Não engendra o traço original que tem a beleza

Minha humanidade quer expandir-se ao infinito
Na dubiedade das horas, ser o silêncio e o grito
É fogo que arde e na própria chama se extingue
É a loucura do algoz que ao próprio corpo cinde

Mentes timoratas prenunciam: perderás a alma!
Vendi-a ao nascer. Noite, tu és quem me acalma!
Nos abismos sem luz, sonho o inconsciente coletivo
E só e em silêncio é que me sinto vivo

A vida é um sonho com reflexos de realidade
É ir esgotando o círio de uma fugaz identidade
Mas, cientes de que adiante, outra vez, acordaremos
E maiores, mais puros, mais livres, prosseguiremos...



ESFINGE - I


Coração há que olvide tua beleza?
De rosa a desvirginar a primavera
De sol a inaugurar uma outra era
De novos sonhos e mais delicadeza

E alma há indiferente à tua tristeza?
Que confere ao teu olhar larga gravidade,
Como se lá houvesse sorumbática cidade
Onde reinasse noctívaga princesa

Teu olhar horrendo, de outra Medusa
Vai refazendo os corações humanos em pedra
E em tua plástica beleza só o malefício medra
Volúpia estéril, cristalizada na recusa

E teus gestos, que engendram sombras delirantes
Ora parecem pesadas: as memórias doídas?
Ora parecem abatidas: as paixões perdidas?
Malditas sombras, que te arrastam a vãos distantes

Bebe, triste e bela infanta de longínqua esfera
Um gole do Letes, sim, o esquecimento...
Antes que morras do tétrico sofrimento
Bebe um gole! Foge do mal que te lacera!



PARA SEMPRE NA MEMÓRIA DO TEMPO...


Para sempre na memória do tempo ficará escrito
Esse amor: sublime paixão de juventude
Que aguardou por teu gesto, mas tua atitude,
Soberba, indiferente, fê-lo ser proscrito...

Foste para onde não mais posso tocar-te ou ver-te:
Plaga distante, pátria de gênios, de bravos, de belas
Nesse altar, onde te adoro, só, rodeado de velas,
Tudo são ilusões de beijar-te e envolver-te...

Distante, embora estejas, ainda te sinto perto:
Sem te olhar te vejo, sem dizeres te escuto,
Se digo teu nome, choro desfeito em luto
Nessa paixão inútil que é viver deserto...

Incauto e otimista fui! Ah, fiquei sonhando o céu:
O paraíso recôndito que floresce em teu olhar,
Onde tudo esqueceria de simplesmente amar
Teu corpo palpitante sobre mim, lácteo véu...

Agridoce miragem no ermo da minha solidão!
Pudesse repousar o fio dos meus pensamentos
Outra vez em teu colo, encher-me de alentos
Perto de quem seria sereno e imortal guardião...



ROSA DO MAINZ

Verão imortal, de ardente temperatura
És sol a pino, e também o mar e suave brisa...
Tua paisagem minha memória escraviza
E lança a rede do amor que a captura

Teu corpo – Deus, teu corpo, um cataclismo
Derribando os alicerces da minha razão
Indefeso, caio infinitamente em tua mão
Nutrindo este amor que obsessivamente cismo

Como te amo, minha princesa germânica!
Mais que o sol ama o azul no qual flutua
Mais que a estrela ama o infinito em que atua
Amo tua singela beleza, balsâmica

Rosa do Mainz, pudesse regar-te a formosura
Com o orvalho do meu amor primaveril
Intemerato, sincero, glorioso, febril
Em ti encontrar o elixir da minha cura...



LUZ


Irrefreavelmente vem galgando os espaços
Semeando a verdade, com seus lavradores braços

Nada se lhe subtrairá, porque é força onividente
Revelando e traduzindo o que se inferia ausente

Com fulgurantes poderes e infalíveis laços
Captura, com suave brandura, o negror dos cansaços

De tudo que é vivo, restaurando sua força imanente
Enquanto desvela a miríade de formas à gente

Vem curar-nos da fúria fratricida do aço
Ensinando a bem-aventurança e fortalecendo o abraço

Apaziguando o coração tumultuado de ódios ingentes
Propondo um porvir em comum e conciliações urgentes

Com ligeireza avança, de pezinhos descalços
Diafanamente, despida das sombras, nos ignotos terraços

Das vastas amplidões que nos habitam a mente
E nos secretos jardins da casa do Onisciente

PRECE

O homem, refém de uma lógica consumista
Desfere golpes matricidas contra a Terra
Persegue excessos megalomaníacos e erra
Ao eleger o iníquo paradigma capitalista

Violentada, a natureza adoece, sangra, berra
Contra esse modus vivendi pródigo, materialista
(que nos tem degenerado em cegueira a vista)
De destrutiva avidez, que nos sevicia e aferra

Vamos juntos, em silêncio, dar-nos as mãos
E redescobrir o sagrado elo que nos irmana
Homem e Terra. Vencer a doença, viver sãos

Para estarmos aqui como um só, como irmãos
Esquecidos de que um dia levamos esta vida insana
Baseada na força bruta, na força do ouro e da grana



NIILISMO


Nazareno redivivo, arquétipo da virtude
Fúlgida fortaleza do amor, da compaixão
Abraço conciliador, o perdão, a beatitude
Mas é alerta que ouço à sua pregação...

A pureza em divinal talhe, inabalável
Convertendo em abundância a escassez humana
Iluminada, é santa, sublime, imaculável
Mas seu condoído olhar já não me engana...

Certa vez, defrontei-me com a decantada verdade
Mas era uma profusão de mentiras a transviar o covarde
Com a miragem tragicômica dos ideais absolutos...

Deus? Mas somos falsos profetas consagrados ao vício!
Paz, justiça? Não é nossa miséria moral que faz este hospício?
A Revelação é que estamos sós e somos corruptos!



O ESFORÇO É O SAGRADO RITO
DA MINHA RELIGIÃO...


O esforço é o sagrado rito da minha religião
Quando se me revelam a divindade e a virtude
Sereno santuário em que revigoro a convicção
De dirimir a sede na taça da plenitude

O esforço é o campo onde semeio a vida
Para vê-la brotar numa flor transcendente
Ser-me-á leve grilhão a árdua lida
Se somar um pouco mais ao existente

O esforço é minha inspiração; mítica nau
Deslizando à fonte da minha esperança
Para que a imperfeição se redescubra cabal
E do Pai eu seja imagem e semelhança

Seja o esforço toda a ciência que conheça
Minha matemática, jurisprudência, filosofia
Com suas mãos alcançarei o que mereça
Tendo realizado a maior e a mais cara utopia

O esforço é clamor divino por superação
É desejo viril de superação da natureza
Vontade de re-fundar o mundo pela ação
E negando tudo, inventar outra certeza

O emprego da força física, corpórea e mental
É a gênese do progresso, motor da história
Ato que transforma em realidade o remoto ideal
E nos estimula com os ósculos da vitória



SERVIDÃO!


Existo?
Existo conscientemente?

Sou verdadeiramente consequência da minha vontade?
Ou sou a sombra, o reflexo de uma outra coisa?
Ou sou a vontade de uma outra coisa?

Sinto que algo perpassa minha existência, existindo em mim, sem ser eu mesmo
Este algo alimenta-se de mim, como um parasita
Este algo me tem, mas eu não o tenho, nem sei sobre ele
E se este algo me deixa acreditar que existo, que tenho consciência, isto é, que faço escolhas, que quero isto, não quero aquilo, que amo este e odeio aquele, que concordo com isto e discordo daquilo, que sou filosoficamente livre?
Que algo seria este?

Escrevo esta reflexão porque quero?
Fui eu quem decidiu fazê-lo, realmente? Ou miríade de fatores misturam-se para que, enfim, eu sentisse esta reflexão, eu pensasse esta reflexão, eu fizesse esta reflexão?
Mas sou eu mesmo o seu autor?

Escrevo, leio, vivo, amo, mato, morro, porque quero, ou querem por mim, porque decido, ou decidem por mim? Mas quem quer por mim, quem decide por mim?
O que quer de mim, tal demônio?

Talvez eu seja uma simples fachada, veú encobrindo o verdadeiro espetáculo, onde tudo se dá, onde todas as decisões são efetivamente tomadas...
A abscôndita realidade do mundo...
A abscôndita verdade dos fatos...

E se a verdade estiver para além de mim mesmo, da máscara do meu rosto, da capa perecível do meu corpo, e se estiver mesmo além das elucubrações da minha mente, que se julgava livre e autônoma para pensar e refletir, mas que, na verdade, não é?

Há algo de errado...
O quê?
Aonde?

Uma fissura no bloco monolítico da Grande Mentira (a Vida), da Grande Ilusão (a Consciência), deixa escapar a verdade última das coisas, terrível verdade:
há sérias dúvidas sobre sermos livres, autônomos, auto-determinados

Minhas escolhas refletem o livre-arbítrio da minha ética pessoal?
E se as minhas escolhas, todas elas, todas elas, apenas refletirem a bioquímica cerebral, e nunca meus cálculos racionais, meus sentimentos mais profundos, que são meus desejos e minhas aspirações?

E se eu não sentir o que sinto?
E se eu não pensar o que penso?
E se eu não existir autonomamente?

E se não sentirmos o que sentimos?
E se não pensarmos o que pensamos?
E se não existirmos autonomamente?

E se o livre-arbítrio for a mais cara ilusão do Homem?

O Homem, que já se achou o centro do universo...
O Homem, que já se pensou filho dileto de um Deus criador do universo...
O Homem, que já se acreditou livre e auto-determinado, senhor de si...

Quão tolo pode ser o Homem...

Assim, a liberdade não é mais que um sofisma
Em nossa essência há um escravo resignado com sua condição vegetativa e que inventa belas histórias para si mesmo na tentativa desesperada de tornar sua obscura existência menos sombria e miserável...

Mas a verdade é que um totalitarismo invisível nos governa a todos
e semeia em nossas mentes a falaciosa idéia de que somos livres
Mas não somos!

O que sou?
Animal-máquina sem alma, passível de programação e condicionamento, escravizado por laços que eu próprio desconheço, mero fantoche, autômato, títere, sempre a consequência e nunca a causa?

Mas consequência de que causa?
A química cerebral?
As atividades neurônicas?
O intercâmbio entre sinapses nervosas?

Agora, façamos um exercício lógico: se não decidi, autônoma e conscientemente, ser o que sou, quem eu sou, é razoável pensar que ser mudarmos tal ou qual variável (que obviamente não conheço, muito menos controlo) eu seria outro totalmente diverso de mim mesmo, poderia ser tudo o que não sou, sentir tudo o que não sinto, pensar tudo o que não penso, se apenas mudassem estas tais e quais variáveis... O CAOS! Mudanças infinitesimais gerando complexidades crescentes, até outros Big-Bangs...

Se eu poderia ser outro qualquer, e outro qualquer poderia ser o que sou, eu não sou eu, nem este outro qualquer é ele

Concluindo
Tudo que existe é arbítrio, condicionamento, escravidão

Assim, meus enganados, iludidos, traídos leitores, nada escolhemos
Somos uma completa fraude; cada um e todos nós
O que somos é pura química, pura biologia, animais sem alma e sem vontade própria
Não existe escolha. Só destino
Não existe escolha. SÓ SERVIDÃO!



EXTINÇÃO II


Biologicamente, somos coveiros
Da própria linhagem. Deter-nos-á
Justamente a inteligência, ao despertar
Nossa super-raça imanente de guerreiros,

Que do espelho transporá a margem.
Desfeito o grilhão, arrebatar-nos-á o trono;
Então, sucumbiremos no inescrutável sono
Da extinção: derradeira humana viagem

E tatuagem apenas no corpo da história,
Que se desvanecerá, outrossim, como tudo
Que é grito selvagem a matéria, mas surdo

E a frigidez inorgânica seu zênite e glória!
(É um Cavalo de Tróia o conhecimento
Grávido da morte e do esquecimento...)



EXTINÇÃO I


O desejo humano de se sobrepor à natureza
Revigora-se com o beijo ambíguo da tecnologia:
Divindade pós-moderna, de obscura teologia
Cujo evangelho professa temerária certeza...

Porque traz como potência corte evolucionário
Semeando os futuros possíveis com rupturas
Abrindo feridas que não mais terão suturas
Apagando o verbete Humano do universal dicionário...

Subliminarmente, nossa inteligência visa a auto-extinção
Na iminência de ascenção de um novo paradigma genético
Alheio às noções do Bem e do Mal, imortal, cibernético...

Antifilosófica, antiestética, amoral, outra civilização
Surgirá. Patifaria humana, a religião também ruirá
Tudo que é sólido, disseram, se desmancha no ar...



RETORNO


Da abscôndita noite oceânica a vida veio
Grávida do propósito evolutivo: a consciência
Que é benção e castigo, liberdade e penitência
A verter o acre-doce leite do seu seio...

O desígnio do nosso universo é a civilização humana
Ainda que a golpeemos com a pesada mão fratricida
Mas haverá a hora de evitarmos o caminho suicida
E à refulgente vereda seguirmos, que irmana...

Na intuitiva antevisão do porvir, somos completos
Nossos corpos e mentes transbordam, repletos
Auge primaveril da evolução, reflexo do perfeito...

Não obstante a glória (desejo ardente, a divindade
Nem por isso existe: é horror do escuro, é vaidade)
À noite tornamos: íntimo e sepulcral leito...



A HORA DO LOBO


Vício, há tempo nos dedicamos ao ilícito hediondo
E nos precipícios noturnos saltamos, alienados
Sucumbindo em opiáceos delírios, paralisados
Mil horrores cortinas de sombras nos impondo...

Morte, sei que me cobiça tua mórbida luxúria
Que maquinas com o Tempo, velhaco libertino
Meu fim – que qualquer um é teu desde menino
Mas, como Sísifo, hei de enganar-te a fúria...

E os gentis amigos Mal-Estar, Necessidade, Desespero
Arautos do ocaso, acolhem-me em recanto hospitaleiro
- amizades verdadeiras e luminares esperanças de futuro...

Ah, o completo desperdício de sonhos, ideias, ideais...
Entre brutos, ser bruto! Sobrevenham disposições infernais
Lobo uivando à selva humana, e sedento: eu auguro!



O GRANDE IRMÃO NEGRO
EM SUA SOBERBA ARROGANTE ...

O grande irmão negro em sua soberba arrogante!
É a sua civilização: excessos luxuriosos, imorais...
Onde tiranamente legisla, segundo lógica infante
Que assola a Terra com a ilusão de sempre querer mais...
Enquanto a diáfana irmã escasseia; ela, a geratriz da vida!
Poluem suas fontes com industriais resíduos radioativos
E todos os dias a morte salta das sombras e nos convida
A aceitar severa aridez como a sina dos seres vivos...
Essa engrenagem voraz, o capitalismo hodierno
Não se sabe bem: representação do céu ou do inferno?
Onde o exagero burlesco é evidente sintoma de falta...
Na insustentavelmente atroz e insidiosa guerra pelo lucro
A extinção de toda riqueza natural aí tem seu fulcro;
mas a consciência crítica germinará na mente incauta!



URGE


Urge regar a luz
para que desabroche em áureos dias
que trarão amplos céus azuis
e outras divinais alegrias

Urge cultivar a esperança
para que se realize num vasto pomar
com frutos até onde a vista alcança:
paz, amor, sonhos, lar

Urge deter do medo
o discurso receoso e infame
ferozmente, pôr em riste o dedo
na cara da senil e fatal Madame

Em uníssono, urge afiar o grito
dilacerando o cinismo dos abastados
fazendo do contestar um novo rito
que nos faça lembrar dos deserdados

Urge com fúria levantar o braço
como se avisando: haverá guerra
e propagar o retinir do aço
para depurar dos maus a Terra

Urge da dúvida escarnecer
acovardar-se só intimamente
e deixar irremovível certeza romper
os limites, esgarçando-os tenazmente

Urge ouvir cantar a manhã
sobre o silêncio que gera a noite
libertando os filhos do amanhã
da vil miséria, do vil açoite

DESENCANTO


Sonhos a perder de vista... Ilusões já perdidas!
As máscaras da vida, desfeitas, uma a uma...
E seu rosto é informe, sem esperança alguma
Tais as tragédias que nele podem ser lidas

Tanto sonhei com a paz perpétua e o bem
Que éramos capazes de expelir o ódio do peito
E a vaidade – afago do demônio, sem atrativo e efeito
Esvairia ante uma filosofia que nos conduzisse além...

Ah, os dias de ventura, de primaveris pensamentos
Que se revelavam em nobres ações de fé e coragem
Mas o inverno irrompeu, vindo com ele a voragem
Dum fatal desencanto: somos feitos dos vis elementos!

A triste verdada... não liberta, nem é bela ou boa
Espelho refletindo o cruel inimigo: a gente próprio
Como ir superando o vício se nosso sangue é o ópio
Que nos embriaga, macula, transvia, atordoa?!



DUAS ESTÓRIAS DE AMOR INDELÉVEL


Qualquer instante guarda a eternidade em si
Porque nele sussurram as vozes das infinitas coisas existentes
Decorrentes de outras infinitas coisas já extintas (na verdade, não extintas, mas que se transformaram, apenas)
E fonte das outras coisas que haverão de existir ainda, numa interminável, irrefreável e inter-relacionada cadeia de causa e efeito, que se retro-alimenta, a maior de todas as belezas físicas

Todo instante marca indelevelmente a memória do tempo, o corpo do espaço, que são o verdadeiro Deus a venerar
Um dia saberemos acessá-los: tempo, espaço, Deus, e todas as verdades, enfim, nos serão reveladas, dentre as quais, o Absoluto, que, ou se redescobrirá relativo ou nós nos redescobriremos absolutos

A eternidade, portanto, são infinitas ondas de eternidades que se complementam, ondas passageiras e evanescentes, como o instante, que é eterno e infinito, porque encerra tudo: todo o antes, todo o depois

Que amantes apaixonados a eternidade e o instante!

*

O pensamento é infinito

E quanto mais o pensamento percorre os labirintos cerebrais, mais e mais alarga todas as fronteiras, inventando outros universos; igual à luz, quando se espalha, revelando tesouros de cores e formas

Mas é só fátuo lampejo o pensamento quando o pomos em modelos, vulgares arquiteturas de números e palavras, porque o pensamento só é infinito na mente, porque esta é infinita, integrada à pura energia universal, e dela à linguagem quase tudo se perde, irremediavelmente, ou torna-se sofisma ou poesia medíocre

Quanto maior é o pensamento mais ele
Repousa nos olhos
Silencia nos lábios
Arde no peito dos que o concebem (e, reciprocamente, são concebidos por ele)

O maior pensamento, o pensamento infinito não pode ser traduzido porque é um tipo de “sentimento”, só podendo ser (com)partilhado entre almas, espíritos

Que amantes apaixonados espírito, mente e pensamento!



POEMATRIZ - II
(ou PROGRESSÃO)


Minha mente é um software contaminado

Minha mente é um software contaminadp
Minha mente é um software contaminaep
Minha mente é um software contaminbep
Minha mente é um software contamiobep
Minha mente é um software contamjobep
Minha mente é um software contanjobep
Minha mente é um software contbnjobep
Minha mente é um software cooubnjobep
Minha mente é um software cpoubnjobep
Minha mente é um software dpoubnjobep
Minha mente é um softwarf dpoubnjobep
Minha mente é um softwasf dpoubnjobep
Minha mente é um softwbsf dpoubnjobep
Minha mente é um softybsf dpoubnjobep
Minha mente é um sofuybsf dpoubnjobep
Minha mente é um soguybsf dpoubnjobep
Minha mente é um spguybsf dpoubnjobep
Minha mente é um tpguybsf dpoubnjobep
Minha mente é un tpguybsf dpoubnjobep
Minha mente é vn tpguybsf dpoubnjobep
Minha mente f vn tpguybsf dpoubnjobep
Minha mentf f vn tpguybsf dpoubnjobep
Minha menuf f vn tpguybsf dpoubnjobep
Minha meouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
Minha mfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
Minha nfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
Minhb nfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
Minib nfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
Mioib nfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
Mjoib nfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep

Njoib nfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep




POEMATRIZ - I

O SENTIDO POSSÍVEL É AQUELE...

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N ãoháqualquersentidoinerenteàvidahuman a


...QUE EMPRESTAMOS À VIDA COTIDIANAMENTE




MEDITAÇÕES NOTURNAS

sou uma fração de segundo do tempo da humanidade
que é uma fração de segundo do tempo da vida
que é um pedaço do tempo da Terra
que é um pedaço do tempo do universo
que veio de uma coisa que não tem nome
embora muitos o chamem medrosamente de big-bang
mas que prefiro chamar de Mistério

sou nada face à história, face à natureza, face à vida: tudo existiu e existirá sem mim
mas sou tudo, pois vivo e tenho minha estória e minhas interpretações da história e possuo um universo maior que o universo ardendo nas entranhas (explodindo infinita e recorrentemente) e sem mim não saberia da vida, da natureza, da história, nem do universo
sem mim ignoraria tudo
sem mim estaria desabrigado, seria nada
mas comigo eu sou
comigo eu sou
eu sou

deus é nada
e deus é tudo
para os que acreditam e os que não acreditam nele
e todas as verdades são nada e são tudo – embora a verdade seja uma idéia volúvel vagando na mente de cada homem...
o tempo é um instituto que dá sentido à vida, mas existi?
o amor, a paz, as idéias e os ideais, a própria civilização, são o quê? ilusões dos sentidos, vibrações de partículas subatômicas na caótica dança do universo (alguns dirão que é ordenada, e não caótica a dança do universo; mas não se engane: o universo é um péssimo bailarino)

pequenas mentiras dão um feitio racional à vida, são imprescindíveis
pequenas mentiras repetidas tornam-se verdades absolutas, sobretudo aquelas que nos agradam, e nos ajudam a suportar a vida, e a carregar a cruz de viver – demasiadamente pesada para alguns, e tornam a vida precisa e certa, embora estejam erradas, porque a vida é mesmo imprecisa, incerta; a vida é mesmo suja e louca, e não me venha dizer o contrário

haverá sempre a natureza?
(outras naturezas artificiais ainda serão inventadas em nosso porvir cibernético?)
haverá sempre mulheres prenhes e corações idealistas?
mas todas estas coisas existem agora e é isso que importa
porque o tempo importa no exato instante que passa, e só tem importância porque passa
a vida só tem valor porque acaba
o amor só tem valor porque acaba
o amor grande, o amor infinito, é o que é fugaz
o que deixará de ser só deixará de ser porque foi
o que será nada já foi tudo (e quiçá volte a sê-lo, ainda que diferentemente, posto que tudo é energia, que é imortal)
o que gemeu e amou e lutou e bradou só calará porque bradou e lutou e amou e gemeu
mas o silêncio também é parte essencial da música
mas o silêncio também é parte essencial da música

e ser cônscio desse tudo (ou desse nada)
apazigua minha alma e me basta!



NO REDEMOINHO DA MEMÓRIA TUDO DESVANECE...

No redemoinho da memória tudo desvanece
Recordações ficam senis, moribundas
Sufocando em meio a escuridões profundas
Entre os abismos que o passar do tempo tece

Porque nas retinas o mundo descolore e evapora
E são fugazes delírios imagéticos o momento
O poeta vai cerzindo versos cheios de lamento
Sobre o insustentável desejo que nos devora

Desejo de reter o sabor que se dissolve
Ou degustar nova sensação, vária experiência
Sucedendo as que decaíram na consciência:
Recorrente drama que a gente não resolve!

Nessa busca impossível, delirante, inútil
- cão mordendo o rabo, esfaimado e louco
Quanto mais tem, almeja mais um pouco
E aferra-se à ilusão e cobiça o fútil!



LEÃO!

Agita-se em tua alma viva intuição
Pensas com lucidez, ages com presteza
Superar desafios para ti é uma certeza
Forjado que foste com o ímpeto da ação

A férrea vontade é a tua fortaleza
Incontrastáveis tua fé e obstinação
Que atiçam teu voraz apetite de leão:
Num gesto açambarcas toda a natureza!

Enfrentas e pões ao chão o obstáculo
- quem crê não cansa ou se engana
E faz da vida um multifário espetáculo

O livre-arbítrio da condição humana
É teu evangelho, que ensina a fé inabalável:
Sim, todo sonho é possível e realizável!



ENCONTRO


hoje é dia de morrer!
m o r r e r! m o r r e r! m o r r e r!
o irremediável, inapelável dia da nossa morte
(não será maldito também o dia do nosso aniversário: o dia em que nascemos para a morte, a nossa própria, a dos nossos, e a de todas as ideias e ideais em que, talvez tola ou hipocritamente, acreditamos?)

todo santo dia, dia de morrer: esvair-se, sufocar-se, desmembrar-se, extinguir-se, ser inescapavelmente desfeito em nada, em noite, em silêncio, em cinzas, poeira estelar...
ó como dói a consciência, meu deus, ante a inexorabilidade do fato, tragicomicamente o único que é indubitável na vida...

no entanto, morrer é realmente necessário! é realmente preciso morrer! repito: é realmente preciso morrer! viver não é preciso

a morte é sempre uma revolução: a chance de que tudo continue, diferentemente

que tudo morra, então!
que morramos todos (e que vá na frente os piores de nós...)
nada é realmente fundamental que não mereça a morte;
a morte, ela sim, fundamental, gloriosa, soberba!

você merece morrer, eu mereço morrer, a civilização humana, deus, e as demais quinquilharias que criamos para nos entreter, porque só a energia deve permanecer (apenas a energia é perenal, de uma constância inconsciente)

todo momento é o derradeiro para alguém: eu? você? nós dois?
você acorda feliz, sai esperançoso, cheio de paixão, dobra a esquina a sorrir, está com a mente transbordando sonhos e desejos, e eis que se depara com a morte, com a pálida face da morte, com o bafo quente da morte, com a mão pesada da morte, que ficou ali se fingindo de morta, todo esse tempo, a esperar justo você, que se achava merecedor de tantas coisas sublimes... e que não era!

mas morrer nada tem a ver com justiça, humana ou divina; tem a ver com... morrer!! Afinal, tudo que é vivo, perece, e merece tal sorte, porquanto para que tudo possa evoluir, tudo deve extinguir-se

todo dia é o dia perfeito para encontrar-se com a morte, tomar um chá com a morte, comer bolachas com a morte, papear futilidades com a morte...
com quem será o encontro hoje?



A MARIANE, DEUSA DA LIBERDADE
(inspirado na tela “A Liberdade conduzindo o povo”, de Eugene Delacroix)


Contra variados óbices inimigos, Mariane avança
Intimorata, desponta onde a peleja é fremente
Mas não há ferro que fira, voragem que enfrente
Seu olhar resoluto, seu braço cheio de pujança

Pressente que o perigo lhe espreita, e passa rente
Pois se esquiva do golpe, ágil, vívida de esperança
É a mais sublime sua missão; sabe e não descansa
É o último baluarte quanto tudo parece ser poente

Ostentando o lábaro, quando o risco é iminente!
(Quer ser o exemplo: valiosa e inolvidável herança)
Empunhando inoxidável lança, por amor à gente!

(...)

Depois, volve aos Céus, com a pureza de uma criança
Emergindo ao olhar a ternura que o coração sente
Semeando a paz com estes olhos que a tudo alcança



OCORRE A MUITOS ALIMENTAR...


Ocorre a muitos alimentar
Doridos rancores que os consomem
O que a tal liturgia s'entregar
Nunca se lhe resgatará o Homem:

Sanguinolenta fera subterrânea
Brandindo seu ódio como se fosse aço
Pregando uma guerra extemporânea
Até que a trôpega civilização perca o passo


Muitos acabam por concordar
Com os falsos profetas que nos dividem
E com perfídias infectam o ar
No olhar imprimem a vertigem:

Almas aviltadas, na mendicância
Da divindade imanente apartadas
No noctífero templo da ignorância
Louvando ao engano, com suas fés compradas


Muitos se ocupam de perpetrar
Nefastos crimes contra o mundo
Fratricidas, sedentos de sangrar
A inocência com golpear furibundo:

Escravos da cobiça e da rapina
Com uma fome de ouro insaciável
Que mitigam com a ânsia assassina
De acumular tesouro inumerável


Muitos se ocupam de investir
O desprezo que nutrem contra as gentes;
Com seus capitães tramam impedir
Das multidões as reações urgentes:

Plutocracia célere ao decretar
A ambiguidade da condição humana
Mas, irmanados haveremos de provar
Que tal sofisma já não engana!



NOVA ROMA (Democracia a la EUA)

A nova Roma avança sobre o mundo
Espalhando o veneno da sua moral falaciosa:
Condena a guerra, mas faz uma guerra odiosa
Catequizando para um deus iracundo...

A nova Roma avança sobre a liberdade
Sob o falso argumento de defendê-la:
Torturam a verdade, até invertê-la
Para que seus crimes tenham a feição de santidade...

Nas horas, entanto, o tempo elabora a mudança
Muda o curso das eras, como o do vento
Nada detém uma idéia quando avança:

A de que nada impedirá o nosso intento
Haveremos de alcançar o que buscamos,
Pois impérios se desfazem ao que sonhamos!



A UM GUERREIRO NA CRUZ

Devora-o a morte; o corpo grita-lhe, desfeito, machucado
O guerreiro à cruz abandona-se. “Pai, que sorte maldita...”
Chora; o perdão e o silêncio suplica; olvidar a desdita:
A memória do sangue, o gládio, e seu coração torturado...

E a multidão nem cogita que é também ela ali castigada
Não vê que a dor deste homem é igual a sua, cotidiana
E que levantou-se por ela, com fé, esperança e gana
Mas estranha a si mesma olha e não se vê justiçada...

O moribundo já ele pressente que ali morrem milhões
Legiões de soldados que marchariam, mas vão transigir
Que o medo em seus corações indolentes os fará desisitir...

Deserto e mudo morre nosso herói, distante das canções
D'aurora. Esquecido de que livre nasceu, sonhou, foi feliz
Até que a vida se lhe marcasse na carne como brutal cicatriz!



BELEZA!

A beleza, mistério profundo, tem uma face dividida:
Encantaria o mundo com perfeição magnífica, celestial;
É, no entanto, controvertido e contra-intuitivo seu ideal;
Aviva como sol, e mata como mal-curada ferida!

Nela acomodam-se as partes de uma contraditória unidade.
Uma idéia singela raiz de mil interpretações dissonantes:
A flama dos prazeres carnais nas ígneas bocas amantes
E os excessos burlescos sonhados por nossa fútil vaidade!

Belezar maior: a condição humana; ascenção e queda conjugadas
Nosso sonho de eternidade, que desvanece a olhos vistos;
A sublime glória e o atroz suplício de cotidianos Cristos!

E fatalmente belo é o desespero das utopias mutiladas...
Ecoam melodias inebriantes dos sentimentos mais nefastos:
A vingança, o ódio, o vício, os delírios de cotidianos Faustos!



POETA EMBRIAGADO
(letra de música)
acordes: D Bm G C F Bb Am


Preciso ser mais o profeta
O poeta embriagado
De vida e de morte (2x)
Óraculo da nossa sorte (2x)

Íntimo das procelas
Das celas atrozes
Dos bichos ferozes (2x)
Anoitecendo, às vezes (2x)

Mas desfraldar novas bandeiras
Amanhecer das bebedeiras
Ser a ponte entre os mundos
Ser o grito dos mudos
Força do meu tempo (2x)

Preciso navegar esse rio feroz
Que responde por vida
E ser o verbo dessa gente sem voz
Mas que insiste em sua lida

Perseguir nossos nortes
Nossos sonhos ardentes
Ser o poeta do sol (2x)
Do nascente ao poente (2x)

Preciso ser mais o profeta
Poeta do profano e do divino
E inventar novos hinos (2x)
Bêbado delirante
Genuflexo diante
À enormidade das horas!



AMOR
(letra de música)



Vê-la bastou para eu cego não ver
As que coisas existentes no mundo?
Tal fora o amor encantamento profundo:
Suaves êxtases de anoitecer...

Era o tempo de se exaurir no calor
De colher a mulher, o fruto celeste
Em seu corpo ter a cura da peste
E a bacântica florescência do Amor...

Se ela falava, eu me entregava
Ao som da sua voz: melodia divina
Se ela calava, eu me afogava
Em seu casto pudor
E sem dizer falava à minha sina

Se ela dançava, eu me encantava
Com sua volúpia e pudor, de mulher e menina
Se ela deitava, ajoelhava
Agradecendo o amor
E sem saber ela mudava a minha sina



JESUS!
(poemeto musicado)
acordes: F7 E7 Am (primeiro e terceiro quartetos);
acordes: B7 Bb7 D#m7 (segundo e quarto quartetos)


Jesus há de me estender Seu braço
E me conduzir ao Seu templo de luz
Onde esquecerei o peso da cruz
Que me castigou passo a passo

Jesus, meu Salvador, estou aqui aos pés do Senhor

Jesus há de me curar o câncer do rancor
Com Suas infinitas glória e humildade
Que fundam a paz e o amor na humanidade
Antídotos ao desespero e à dor

Jesus, meu Salvador, estou aqui aos pés do Senhor

Jesus há de me salvar, novamente
Eu que blasfemei contra Ele impropérios
E corrompi-me aos mundanos impérios
Até meu coração rebentar doente...

Jesus, meu Salvador, estou aqui aos pés do Senhor

Porque descera dos Céus não para julgar
Mas redimir os pecadores das faltas
E lhes nutrir com as Verdades mais altas
Ofertando-lhes Seu coração como lar!

Jesus, meu Salvador, estou aqui aos pés do Senhor



NÍNIVE
(poema musicado)
acordes: A A4 F#m E D C#m B Am7 G


Tens o mistério de uma antiga cidade. Nele me perco
Porque teus olhares são como os becos de um labirinto
Onde se tento me encontrar só mais perdido me sinto
Ébrio de teu beijo, preso em tuas mãos, que é meu cerco

Serei conduzido à loucura em teu calor de estio
Tudo destruo e crio nas asas desse desejo onipotente
Mas se corres a abraçar o mundo, este de mim fica ausente
Tela sem traço e sem cor, lançado num imenso vazio

Eu quis um dia saber como era, morrer de amor
Pois são teus olhos, duas luas negras, que me matam
Mas teus lábios, sensuais, ardentes, me resgatam

Quero ser passarinho para espalhar o pólen da tua flor
Possuir-te inteira, e ser mais feliz, sobrepujando abrolhos
Mas só me queres não mais que escravo destes teus olhos



SONHO ROUBADO
(poema musicado)
acordes:
E B C#m
F C Dm


O céu a pequena mira
Que diverso lhe parece
Com medo, faz uma prece
E cai! Porque tudo gira

Estranhos pássaros de aço
Roubam-lhe o céu, qu'era azul
Também os viram lá em Cabul
Lançando estrelas no espaço:

Estrelas de aço, cadentes
Pobrezinha, tão triste e pouca
Mataram-lhe o pai, mamãe está louca...

Estrelas de aço, candentes
Uma lógica irracional seguindo
Ai, e o sonho da pequena é findo!
IMPÉRIO DOS SONHOS
(Poema musicado)


Quem é o estranho no espelho que ao meu rosto assume?
Fantasticamente, numa infernal amnésia, há dias me desconheço:
Minha mente exilada num corpo estrangeiro, no qual envelheço,
E se mais me persigno mais distante me acho do lume...

É de uma descomunal ausência de mim o mal que padeço
Como se este que sou cotidianamente tivesse outro aspecto
Mas num mercado de corpos tivesse comprado este infecto
E numa rejeição total da matéria, na idéia apenas me reconheço

É como se, ao mirar-me no reverso do espelho, me não pertencesse
E após contemplar-me, me fugisse o meu rosto e eu me esquecesse
Existindo em outro lugar, mas nunca naquele em que posto

E desfaço-me neste labirinto de ilusões que me é tragicamente imposto
Como se, pioneiramente, houvessem gravado minha mente noutro ser
Ou, sonhando-se livre, não mais desejasse um corpo a que pertencer!



Acordes: Gm (2x) D (2x) - Quartetos
F E A - última frase


Bm C#m Bm C#m - Tercetos
F E A - última frase



REINVENTAR-SE
(poema musicado)
acordes: Bm F#m E F#m;
G D C D


Caem as cortinas de uma era
Os paradigmas estão todos exauridos
E reinventar-se é a vontade mais sincera
Pro porvir não repetir os tempos idos

Fecham-se os portões desse museu
Que guardou tantos anos de dores e alegrias
De uma miríade de trajetos que sou eu:
Horas, desoras; acertos e arriscadas vias...

Vedam-se as câmaras desse mausoléu
Separando o que é vida e o que é morte
As estrelas de outrora não brilham mais no céu
Só as sementes do amanhã serão meu norte

É-me impossível permanecer cristalizado
Nesses grilhões de oníricas imagens de antanho
Sonho com as luzes da manhã viver casado
Sonho a vida ardente, e sem tamanho

Quero a vida na forma dos meus devaneios
Esgarçando limites, rompendo estruturas
Explodindo no âmago, e por todos os meios
De amplos espaços e portas sem fechaduras

Anseio pelo corpo da vida, já!
Sobre o meu deitado, ou justaposto
Para juntos nos encontrarmos lá
Onde se torna uno o composto!





PARADOXO IMPÕE-SE À MENTE ESCLARECIDA...


Paradoxo impõe-se à mente esclarecida:
Afligi-se, insatisfeita, porque mais almeja
A inépcia aceita entanto contra o que peleja
Cabal só o Mistério, que admira embevecida

Dá pela escassez dos meios que anseia
E que lhe embarga lida, estro, potência
Mas o que pode acalma-lhe a consciência
- um sopro leva a primavera e a semeia!

Percepção contraditória latente no pensador
Em sua busca irrefreável (gáudio e perdição):
Esforço ambicioso e humílimo louvor...

Castigo de Tântalo que assume em louvação:
Geômetra do Tempo-Espaço, bendigo a ânsia
E os óbices que me impões com tal constância!



LA PIETÀ

Castigado, a Verdade expirando no colo da Virtude
Ressurgirá, entanto: promessa aos corações fatigados
Ele, o santo caminho (a miséria não mais nos aturde)
Inexpugnável refúgio dos sofredores e desgarrados
Paz eterna: suas essências, a suave brisa da infinitude
Serenando inúteis fogueiras, paixões, ideais conspurcados
Reencontro inefável: mãe e filho na imortal quietude
Dos que engendrados na Luz foram à Luz consagrados
Sentimento inexcedível levando-nos à celestial altitude
Onde quedamos em êxtase com seus semblantes mitigados
Tão puros que nenhuma visão do mal jamais nos ilude
Maria, perpétuo e fúlgido dia de verões abençoados
Acalentando nosso intemerato sol; que Ele nos ajude
A plantar e colher virtudes, sonhar e viver irmanados


P E R F E I Ç Ã O

O afã por perfeição, o desejo pela idéia absoluta,
Fascina, intriga a razão, põe-na refém e mais culta.
Vai-nos envolvendo, feito teia, feito canto de sereia,
Se ingenuamente cremos na falácia que a permeia...

Busca atroz, colérica, inextinguível
Revelando-se quase sempre inexeqüível:
A diferença entre a potência e o ato
Entre o onipotente sonho e o fato...

Indômita idéia, fugidia, cigana,
Desdenhando da condição humana,
Repleta de uma natural lassidão...

Sopro divino acalentando o coração.
Esforço sem par sonhando a delicadeza.
Rosa de chumbo!! Hedionda beleza!!



M U L H E R

Encontrar no teu corpo o homem refém da criança
Com teus braços cultivar e colher a flor da esperança
No teu olhar viver a Paz e no gesto e no sorriso de menina
Que resgatam o transviado até e lhe transformam a sina

Penélope, Atena, Joana, Tereza, Maria
Infinitos o caos e a noite sem tua magia
Teu exemplo semeia virtudes e esparge luz
Na sombria face que ao Masculino seduz

No coração, relicário de emoções, guardas tudo
Até o rancor, que se revela em teu olhar doído e mudo
Mas é a compaixão, divina herança, tua fortaleza

Teu corpo é bálsamo, glória da natureza
A beleza universal resumida num só ponto
Ao qual tudo converge: inefável encontro



A GUERRA

a guerra paira no ar
com seu pútrido odor de
corpos cravejados pela insensatez humana

a guerra e nossos desejos assassinados
a guerra e nossas plenitudes esvaziadas
a guerra e nossas saudades não vividas

a guerra paira no ar
aqui, alhures
ontem, hoje
sempre??

a guerra:
flecha no peito do Tempo
cicatriz no corpo da História
constante da Civilização
idéia fixa do Humano??

a guerra:
periclitante espada sobre nossas consciências
sombra de apetite voraz...
nossa sombra??

como evitar seu abraço mortal se quando nos pomos em marcha ela mais velozmente viaja e aos nossos calcanhares se agarra e nos freia e nos lembra da contradição humana imanente: nossa fenda psíquica
“o homem não é senhor nem mesmo em sua própria casa”...

“Decifra-me ou devoro-te”
avisa a vetusta cantadeira...
a voz dela será a nossa??
somos a imagem refletida em seu espelho??

ah que bom seria o meio-dia, quando dormem as sombras
ah um sempiterno meio-dia...



SUBVERSÃO

A unidade da contradição
A superfície do abismo
A comicidade do terrorismo
E da privação

O método da divagação
O cânone do ateísmo
A saciedade do consumismo
E da especulação

O esforço da inspiração
A eficácia do vandalismo
A ascese do hedonismo
E da perversão

A dúvida da conclusão
E do fundamentalismo
O livre-arbítrio do fatalismo
E da alienação

O cálculo da compulsão
A tara do moralismo
A fé do comunismo
A face da multidão



HOUVE NOITES QUENTES COMO O DIA...

Houve noites quentes como o dia...
Amei tão mais que Romeu ousara
Ao possuir-te, flor que nunca se entregara
Que te fiz meu mundo, tudo o que via

E vivi no paroxismo da fantasia
Faminto de tua sensualíssima graça
A beber-te o sangue numa taça
A devorar-te a carne na orgia

Mas amar é render-se ao que nos mata
Tu te foste. Preso fiquei em teu encanto
E me afogo nas vagas do meu pranto

Desespero: a presença de uma falta!
No teu corpo plantei minha saudade
Cujo pomo é este amargor que me invade



A VIDA: SUCESSÃO DE ACASOS...

A vida: sucessão de acasos...
A vida: equilíbrios tênues...
A carga do elétron fosse uma diferente
A força gravitacional diferente fosse
E nada existiria:
Nada de História
De Civilização
De Cultura
Nada de gente
E suas gloríolas
E pantomimas
E patéticos dramas e ambições inúteis e contradições latentes...

Mudanças infinitesimais e só o nada existiria
Engano-me!
Tudo existiria ainda
Essas imensidões universais, escuras, silentes, frias, vazias
O que não existiria: a sofrida consciência de que existem tais coisas
Estas coisas que só existem nas consciências...


O C A P I T A L

O Capital avança sobre nosso código genético e nossas mentes
É a última fronteira. Sua finalidade é consagrar-se um deus, eterno
E catequizar com seu evangelho: dinheiro! Seu Céu, o nosso Inferno:
Alienação, fetichismo, tirania e outros pecados impenitentes

O Capital almeja nossa intimidade. Conhecer para conquistar
E explorar: corpos, almas, culpas, desejos, sentimentos, aspirações
Calará quem se lhe contrastar! Inculcará medos, impingirá aflições
E dividirá para que seus exércitos e os nossos jamais possam se conflagrar

O Capital e seus valores psicopáticos: egoísmo, força, cobiça, eficiência
Estamos loucos! Cegos de olhar sem ver, surdos ao clamor da igualdade
Consumidos por falsos ídolos e sofismas que destroem nossa identidade

O Capital e seu esboço pueril de felicidade: vaidade e concupiscência
Sequiosos de poder, dinheiro, sucesso – devoradores de sonhos,
Seguimos céleres ao abismo, à perdição e aos pesadelos medonhos



O VELHO

Cada velho, na forma de estrela, aos céus ascende
Quando passa. Palpita luz nas constelações infinitas
Seu coração, no vazio silente, ressoa verdades tão bonitas
E sua memória, na escuridão universal, é vela que se acende

Cada velho é um diamante pelas mãos do tempo lapidado
Cujos quilates são decênios de aprendizado e experiência
É uma biblioteca de livros raros, cheios de dor e sapiência
É sorriso e pranto, sonho e realidade, tudo amalgamado

Delirante, entre as temporais esferas, ele vigia
A chegada do sétimo dia, quando irá descansar
Tudo viveu, gerou, cuidou... Não, não temeria...

Já morreu tantas vezes (e renasceu o quanto queria)
A que virá, apenas passagem: mergulho num mar
Que a inefáveis plagas, tempos e sonhos o levará



É POSSÍVEL

Tantos heróis e heroínas anônimos
Sem máscaras, rostos limpos, límpidos
Poderes só de gente comum
Tecendo suas obras
Num silêncio humilde

Homens e mulheres consagrados
Às grandes esperanças coletivas:
Paz, amor ao próximo, justiça, compaixão, verdade, perdão
E às pequenas causas cotidianas:
Amar e cuidar dos seus, cuidar de tudo que é vivo, honrar a Deus, fazer o bem

Tantos Cristos anônimos
Cruz sobre as espaldas
Numa Via Dolorosa que poucos vêem ou fingem não ver
Ninguém lhes estende a mão quando caem
Mas eles se erguem sozinhos
Ungidos por Deus com fé inelutável e translúcida
Seus calvários em nobre silêncio suportam
E se choram, choram por que é de verdade e é justo
Choram para depurar o corpo e a mente de todo mal

Estes heróis e heroínas cotidianos, Cordeiros de Deus,
Paladinos da Humanidade, são o Sal da Terra
Esperança de outro porvir, cuja semente está lá plantada no coração de cada um: regue-a, convide-a a desenvolver-se

Enquanto estes homens e mulheres permanecerem alheios ao Mal que nos obsidia e confunde, intemeratos entre transviados, intimoratos entre cobardes, corações e almas plenos em meio ao esvaziamento do Espírito
Enquanto estes homens e mulheres estiverem espargindo primaveras em pleno outono, pincelando auroras quando a noite é alta, semeando virtudes em terrenos áridos, socorrendo mesmo o imigo, oferecendo sua face, seu lar, seu pão e vinho

Eu vou continuar sonhando
Sonhando que outro mundo é possível



R E V E L A Ç Ã O

A morte desceu de sua atmosfera fantástica
Lasciva, hedionda, fatal, ela já me escolhera
Trouxe-me visões infernais que no Hades colhera
Arrebatando-me sua lívida beleza cáustica

Fizemos amor, eu e seu corpo infinito
No findar-se de uma e alvorecer de outra era
Prenúncio de uma voraz e ignota esfera
Mas com dor e com medo lancei um grito

Que varou os espaços inauditos sem resposta
E a cruel revelação foi nesse silêncio exposta:
Um universo moral, sustentáculo da Salvação

Fora assim, sempre, nossa mais cara ilusão
E ali em meus olhos deixou-se plantar o esquecimento
Dormiu o fogo e o maniqueísmo de todo conhecimento



AMADA IMORTAL ou Anti-Poema de Amor

Amada imortal, em qual séptico e bárbaro leito
Te entregaste à magia do sexo, violenta e doce?
Que inculto varão acendeu a chama do teu peito
E te possuiu com primitiva rudeza, agridoce?

Outrora, tão reticente! Acorrentada ao pudor...
Agora é um macular os lençóis em abjetas orgias
Prostrando este teu pretendente, que maldisse o amor,
E louco fugiu para ver se a teu rosto esquecia...

Mas não pôde jamais! Do teu lascivo regaço, ó voraz gana!
Não posso esquecer-me de ti, ninfa impura e profana
De tuas maneiras lúbricas, de teus vícios delirantes

Vulgívaga sorvendo o bacântico sentido da vida!
Pago-te em ouro, mas me deita em tua cama bandida
E me dá o efêmero prazer das paixões fumegantes



AVESSO

Prisioneiro, libertava
Ausente, convivia
São, contemplava
O que outro olhar via

Crente, duvidava
Estéril, concebia
Alienado, asseverava
O quanto não sabia

Consagrado, pregava
Ira, infâmia e orgia
Imberbe, desfolhava

Asceta, consumia
Iluminado, inventava
A superação do dia



POLIMORFIA

Minha personalidade ciclotímica
Fixamente inconstante
Ousando vôo periclitante
Refém de insidiosa química

Minha personalidade grandiloqüente
Tudo diz quando cala
Ouve o que não se fala
E diz a verdade, mas mente

Minha personalidade Hollywoodiana
Dúbia personagem em cena
Nenhum roteiro a coordena
Teatralmente insana

Minha personalidade mitológica
Fênix, renascendo
Sendo, não sendo
Em sua meta-lógica

Minha personalidade cibernética
Tende a equilibrar-se no Caos
Corrigi-se auscultando os maus
É apostolicamente cética

Minha personalidade barroca
Quer ser os extremos do fio
Quer ser a castidade do cio
Repleta de tudo, mas oca



G E R M I N A L

Serei conseqüência e causa da minha vontade,
Para que, preso, possa libertar-me, num grito.
Contemporizem, ao que promovo o conflito,
Para, ao calar, ter já exaurido o que arde.

Retrato fiel da própria verdade, eu serei EU.
No silêncio da noite gesto-me, ávido do dia,
Nutrido com a fé da mais imortal utopia:
Fundar outra humanidade, como Prometeu.

E serei todos que queira, como num sonho
(onde as múltiplas faces na mesma face ponho)
Enquanto o adicto desta ordem séptica

Paralítico e abúlico, só debilidade
Forja o grilhão da própria liberdade
E degenera-se numa covardia céptica



DIALÉTICA DO AUTO-ESCLARECIMENTO

Debato-me
Numa dialética desvairada
Caminho a esmo para ver se caminhando
Meus pés me indicam a estrada
Que dará em mim mesmo
Quando enfim me tenha
Como morada

Abalo as estruturas do meu pensamento
Rego as antíteses, colho as contradições
E num turbilhão caótico de experimentos
Acho a Verdade em preces e orações
Que Deus é tudo
É mudo
Mas fala aos corações

Repercutem em mim vozes conflitantes
Sobre as grandes questões civilizatórias
Ah, saudades daquele juvenil estupor
Daquelas simplórias certezas de antes
Quando não ouvia o clamor
Dos esquecidos
Nem conhecia
Toda a falaciosa ideologia
Dos bem-nascidos

E meus sentimentos
Numa espiral malsã
Deserdados sem coração que os entenda
Exilados, sem ontem, hoje, amanhã
Contraponho-os, numa acareação ilusória
Donde extraio só mais confusão sensória
Com eles componho
Os infaustos poemas
Que a vida vai me ajudando a tecer
Sequioso pelo momento de alvorecer



D E S P E R T A R

Enfim, a manhã de uma vastíssima noite!
Lentamente, as mulheres se vão despertando
Seus olhos desvirginam-se diante do espetáculo da luz: formas mil, mil possibilidades
Os corações estão secos:
Ó sede!
As mentes estão ávidas:
Ó fome!
As almas sonham com a amplidão:
Ó calor!
Abrem os braços, sequiosas do mundo inteiro: é um convite à Existência, deusa-mãe, para compartilhar com elas os mistérios profundos da vida
São desejos vorazes, forças fluindo livremente, revoluções em marcha
Mas ainda não se levantam. Por que não se levantam?
Porque também há muita confusão e dúvida
São um turbilhão de sentimentos, emoções, razões e desrazões
São os séculos que pesam insuportavelmente sobre seus ombros. A carga dos velhos dilemas e dos paradigmas depauperados
Têm de vencer suas sombras, transpor seus abismos
Têm de matar a si mesmas, para nascer inteiramente outras
Em breve, ágeis e destemidas, correrão atravessando os espaços e as horas. Mas não ainda, não ainda...
As mulheres, enfim, descobriram a história
Logo, logo a história também fará sua maior descoberta: a história das mulheres, o limiar da verdadeira História
Tornar-se-ão melhores reciprocamente? Sim!
Que transformações sucederão em ambas? Todas!
Algumas mulheres exigem do mundo uma indenização pela história ter sido o que foi
Paguem, vociferam, pela nossa doída plurissecular inexistência, por nosso amor castigado, por nosso corpo aviltado, ferido, vendido e comprado, por nossa delicadeza humilhada pela força, por nossa dignidade seqüestrada pelo dinheiro, por nossa inútil entrega aos bárbaros e aos brutos, por nossa inteligência castrada pelos covardes
As mulheres querem revanche!
As mulheres querem revanche?
Não. Somente aquelas que ainda não compreenderam a grandeza do momento, aferrando-se ao ontem, ao invés de imaginar e erguer o amanhã
É porque enquanto o novo não se impõe, o passado chora à sua porta e dói nos corpos como Roma doeu no corpo do Cristo
É porque ainda não se encontraram totalmente (enquanto os homens se têm perdido)
Estão no meio da travessia
É duro estar no meio da travessia
Caminham num labirinto escuro, não se enxerga um dia à frente
Caem de alturas infinitas
São arrebatadas por forças ignotas
Suas identidades tragadas em redemoinhos emocionais
Injetam miríade de delírios nas veias
Têm os corações explodidos
Têm as vulvas em brasa
E repercutem o grito de Munch
E enlouquecem como o pintor holandês
E desistem como os suicidas
E se envenenam lentamente (enquanto envenenam o mundo com a cicuta das feridas supuradas)
Olham-se no inexorável espelho da alma
E vêem o monstro de Frankenstein:
Um pesadelo composto de mil pedaços ainda não revelados
Não sabem quem são
E dói ignorar quem se é, o que se é, o que se quer
Partem em busca de si
Perseguem-se
Capturam-se
Confessarão?
A verdade pode doer. Não vão querer ferir seus ouvidos com a verdade...
Não! Querem sim saber da verdade, porque têm coragem
(A verdade é só para os que têm coragem)
Querem saber quem são
Querem decifrar este enigma
Traduzir os arcanos do feminino, plantados em seus corações desde tempos imemoriais
Mas ainda há muita ignorância. E o caos
Ainda sonham com a maternidade, ou preferem uma liberdade egocêntrica??
Trocariam uma vida de doçura e calma pela pantomima cínico-traiçoeira do poder, do dinheiro e da glória??
Anseiam por ter o respeito, quem sabe o temor dos homens, ter o mundo a seus pés?? Ou preferem, humildes, ajoelhar-se e beijar os pés da Terra??
Um homem (o ideal)?? Ou todos?? Ou nenhum??
Ó sede!
Ó fome!
Ó calor!
Levantam-se
Tropeçam, caem, soerguem-se
E avançam
A marcha de um exército?
Um cortejo pacífico?
Aí vêm elas:
Sombra e objeto
Potência e ato
Sonho e labor
Escuridão e luz
Mas, desde já, livres de todo senhor e de toda cruz!



LOBISOMEM

(1)

A fera
Espera
O momento certo
De erguer o cetro

Impera
No instante
Em que se encerra
A censura da consciência

Esmera-se na vertigem da lucidez
E assoma na insensatez das paixões humanas


(2)

Um lobo corre
No labirinto da tua
Existência

Até que ele acha a saída
E destrona tua fugaz
Consciência


(3)

No esfíngico rincão
Do inconsciente
O primitivo que há em nós
Movimenta sua mão devastadora

No espelho
Esse antípoda de nós
Algoz silente e atroz
Íncubo que atormenta
A humanidade de todos
Medo de mim e dos outros

Hedionda face na íntima janela
Animal fugido da cela



D E S E S P E R A N Ç A

Em etílico assomo brada
O cobarde a desdita que o enfada:
“De outrem o fado cumprido
A vida é vazia, os dias, sofridos”...

No íntimo exílio, à mesa de Baco
Olvida-se com álcool e tabaco
Receando os algozes, os imigos
Prostrado por tantos castigos...

Ímpeto que o fizesse afrontar
E o vestisse de aço, pra pugnar...
Só teme. Quisera assustar!

Sonho que o incitasse a lutar
E o erguesse pra uma revolução comandar...
Mas morre. Quisera matar!



DOIS POEMAS

(1)

Vencer o destino
Indo além do previsto
Insisto no desatino

Ir além do concreto e do real
Mergulhando no secreto e no ideal
E viver nos sonhos
S o n h o s
T a m a n h o s

Suplantar o fim
E renascer
Menino
Numa espiral
Recorrente
Ser imortal
E inconseqüente

Poeta do excesso e do abscesso
Versejando o avesso e o transversal
Nunca onde posto
Uno e composto
Este e o oposto

Peito arquejando
O inarrável
Veia transbordando
O mistério
Expandindo meus desejos
Na anti-gravidade das horas
Expandindo meu universo
Com a imprevisibilidade do verso


(2)

Sou vário
Multifário
Alegria e calvário
Ao sabor das horas
E das desoras...

Eterno como os números
E fugaz como as palavras...

Virtudes ímpares
Pecados plurais
Razão e absurdo
Clamor surdo...

Livro inconcluso
Que se reescreve
Na urgência
Do que nasce
Ou morre...

Viandante
Que parte para onde ignora
Mas chega sempre onde mora
Porque mora em tudo...

Mundos
Ardentes
Diferentes
De mim mesmo...

Passos à toa
Perdidos uns dos outros...

Sem fim, sem começo
Todo dia me esqueço
Todo noite amanheço
Buscando por Deus
Mas não sei se o mereço...



O N Í V O R O

Vivamos livres, sem limites
Condenados à liberdade
Ao ócio, aos instintos
Como deuses loucos e lindos

Um nome?
Uma identidade?
Não nos serve...
Somos tudo, somos todos
E somos nada

Certezas e saudades?
Emprego e propriedades?
Correntes que nos agrilhoam
Falsos ideais a nos escravizar

Sem destino, sigamos
Para além do que já foi pensado e vivido
Inventemos novos sentidos para a vida
Novas trilhas para o mundo
Para a mente
Para a gente

Morte à pátria, à religião
Ao Capital e à moeda
Não nos basta o que temos:
O mundo, a humanidade, a filosofia, a arte?
E o futuro, gestado em nossas mentes

Qualquer coisa estranha a nós mesmos, não nos serve...
Por que degredar-se para longe de si mesmo, degradar-se?
Revoguemos tempos e espaços
Vamos ter o que é nosso
Façamos com nosso braço
Digamos com nossa boca
Vejamos com nossos olhos
Sintamos no nosso corpo

Esqueçamos das convenções
Pseudo-verdades alardeadas
Desacreditemos de tudo
Quem disse que esta era a ordem?
Que tal era a verdade?
As verdades são tantas quantas as estrelas no céu
E tão voláteis quanto os segundos no tempo
O caos é a única ordem que se fez
O acaso, o fortuito, o contingente

*

Cordeiro, abandones teu rebanho
Te entregues à liberdade
Não há lei, autoridade, hierarquia
Vivas no reino da anarquia
Onde todos somos absolutamente iguais
D i f e r e n t e m e n t e
Onde todos somos absolutamente distintos
I g u a l m e n t e

Não há nada que não queiras
Rias em desafio
Batas no peito com força
Enfrentes o establishment
Enfrentes o mainstream
Até que tremam, claudicando

Enfrentes! Que sejas tigre
Não cordeiro
Escrevas com teu punho
Creias na tua obra
Caminhes com teus pés
Marques teus próprios passos
Esqueças os dos outros
Se os outros são cobardes
Sejas intimorato, força telúrica
Obra plena em si mesma

E se fores viver, vivas livre
E se fores morrer, morras livre
Revogues tua escravidão
Removas tua corrente
Te resgates do teu cárcere
E vivas livre e morras livre

Enfrentes os tiranos
Os tiranos merecem a morte
Enfrentes teus inimigos
Os inimigos merecem a morte
O medo, a morte, esqueça-os
Amplies-te i n f i n i t a m e n t e
Tua vocação é para a liberdade

Não queiras ter fronteiras
Somos todos infinitos, em contínua expansão
Sem começo, nem termo, como os universos na eternidade
Não queiras ter posse nenhuma, senão tu mesmo
E o mundo, a humanidade, o futuro
Que é tudo teu, que é tudo nosso
Que é de todo mundo
E de ninguém



B U S C A

Busco-me em minas profundas
A ver se me descubro tesouro
Potes transluzindo ouro e diamantes
Para ver se lá no fundo me encontro
Maior e melhor, como nunca dantes

Senhor de minhas faculdades
Reerga-me com a força de gigantes,
Rebentando o grilhão dos medos e das saudades

Na escuridão dessas minas
Paradoxalmente possa ver-me melhor
E descobrir o herói, o guerreiro, o artista
Que porventura em mim existam
Quase asfixiados
Na inércia dos acanhados

Medito para ver se me materializo num santuário
Onde os sonhos vêm trazer oferendas
Para forças imortais cheias de plenitudes

Também mergulho-me nos meus oceanos
Para ver se descubro pérolas de antigos naufrágios
Jóias esquecidas em longos anos de afogamento

Essa busca, não sei bem aonde dará
Mas a recompensa de caminhar não são os passos dados,
Onde quer que os pés descansem, no fim da longa jornada?

Mas intuo: essa busca há de me revelar a mim
Para que descanse nos braços da quietude, enfim
Essa busca há de me revelar Deus, também.
Que é tudo a que tenho ansiado. Amém!
O PONTO DEUS

À noite, as vastidões do nada me aterram!
Tenho estado de Deus uma vida inteira ausente...
Ajuda-me Senhor a desvendar o tudo no nada presente:
Quero vislumbrar o espaço infinito no átomo
Quero sentir a eternidade nas asas do átimo
Quero ver e sentir muito mais, muito além
Do que se vê e sente

Os abismos incomensuráveis da matéria é fera
Que enregela as fibras do meu coração
Sei agora - sabemos todos:
Nossa mente para crer fora forjada
Por um martelo e uma bigorna divina
Porque só assim faz sentido e suporta-se
Esta brevíssima e agônica jornada

Sou um falso profeta da matéria
Do frio silêncio universal...
Tudo mentira banal!
Sou um falso crente do acaso e da probabilidade
Porque em tudo agora vejo um sentido e uma verdade



SONHOS

Meus sonhos iluminam-se da tua arcangélica beleza
Neles, ponho-me aos pés da tua nudez, arrebatado
De ti, toda minha natureza tem-se ocupado
Em êxtase tem vivido e estado acessa

À tua regência, meu universo inteiro cala
Só o coração pulsa em ardente desejo enlevado
A te esperar, fonte de tudo que é mais sagrado
Secretamente, nele tua voz sussurra e fala

Teu corpo, esplendor da forma, exala perfume inebriante
Que cativa e engana. Já amo mais que Romeu e Dante
E fico cismando as delícias da tua boca, da tua tez

Sentir a nívea doçura do teu corpo, que Deus fez
Embriagado do ardente azul do teu olhar
Perdido no sonho de nunca mais acordar



VÊNUS DE ÉBANO

A lasciva noite jaz na epiderme
Exalando a luxúria dos amantes
A consagrada nudez: inquietante
Visão do Éden; obsessão em germe

Deusa de ébano, lábio africano
Divino lume o viço lhe engalana
O beijo, veneno doce como a cana
A desvairar o varão americano

Negra! Singular perla dos mares
Canto de sirena rasgando os ares
E o Odisseu se arrebatando

Manhã de primavera acordando
Êxtase sublime, loucos devaneios
Vertigens noturnas e seus enleios



D E U S A

A cútis branca, lençol de luz
Que a veste. O púbis negro,
Inflama no ensejo, reluz
Na lascívia do meu estro

O ventre, porcelana delicada
Templo de amores e idílios
A vulva, olente e nacarada
Vertendo o licor dos delírios

As melenas, noites encaracoladas
Escorrendo rio sobre as espaldas
Afogando os seios, pequeninos seixos

As curvas, inebriantes, nos eixos
Olhares vagos, dissimulados
Mil e um amores transviados



VIDA (ou SOMBRA)

Informe, aflita, errante apenas sombra
No ermo da alcova projetada do incognoscível
É miragem a vida, de concretude impossível
Esfinge cujo canto fatal assombra

Outra quimera a realidade, ilusão sensitiva
Divindade nascida da nossa inconsciência e loucura
A urgência infantil de semear luz na infinidade escura
Auto-engano psíquico, superstição cognitiva

O poeta revela, ele sabe: só existe o nada!
Raciocínio, sentimento, paixão: fraude biológica
Que é trama cerebral a existência, é mitológica

Entanto, fingi crer na mentira inculcada
Introjetando o absurdo espetáculo, desconexo
Onde tudo o que somos é vertigem e reflexo



A FERA

A fera vem da sombra ancestral
E sua garganta a noite inteira verte
Que a luz envolve e reveste
Bêbeda, regurgita o Mal

Olhos incandescentes, labaredas queimando
De tanto desejar a Morte, que a espreita
Para juntas pregar a guerra como seita
Que é a constante do quando

Seu ódio asfixia a inspiração da Paz
Forjando miríade de grilhões, de gládios
Que fazem das épocas históricas plágios

O Inferno com suas mãos pode. E faz!
Ela quem é, somos nós?
Nossa oculta face, atroz?



DEUSA II

Porte aristocrático, olhares altivos
Classificando com ares imperativos
Movimentos ligeiros, de bailarina
Fibra de mulher, frescor de menina

O coração semeando a saudade
Volúvel demais para a saciedade
O verbo é um gládio, machucando
A fé cega dos que seguem acreditando

Narizinho aspirando (a)o céu
As mechas da cor do mel, véu
De estrelas refulgentes

Os olhos: sempiternos verões
Ardendo em estrepitosas paixões
Opalas de fogo tão quentes!



ONÍVORO II

Fome audaz, implacável, soberba, profunda
Consciências devoro, civilizações, universos
Regurgito tudo depois, em moldes reversos
E o que a razão aplanava o caos aprofunda

Ó sede inconsciente, primitiva, sede de morte
Minha sorte é o fim fomentar, e o recomeço
Tudo fenece à minha volta, mas permaneço
Avesso vivo; morro; e tudo pode nascer de novo

A culpa e o medo foram assassinados pelo desejo
Absolva-o que ele é a força vital da natureza
A outra face voraz divina infernal da Beleza

Fome, sede, desejo põem-se a inventar o ensejo
Dê-me um segundo e faço tremer a Eternidade!
Um punhal para cravar no coração da Verdade!



REMEMORO A INFÂNCIA...

Rememoro a infância... Deus, onde a guardou?
A criança que fui, repleta da doce inocência, existiu?
Ou apenas miragem que na alcova do Tempo dormiu
Entre as agônicas sombras que Ele sonhou?

Doce é também a consciência que temos da morte
Porque bálsamo se faz contra as dores do mundo
Ponte para um esquecimento sereno e profundo
Visto que o perene é a matéria e só o crê o forte

No instante que se esgota, coisas aos milhões desvanecem,
Consciências e mundos. Deus quer que elas cessem
Apenas Ele, absoluto, comporta outro sentido

Segue o humano, assim, sôfrego do tempo presente –
Essa ilusão dos sentidos. Fingi crer, mas pressente
Que não há glorioso destino que lhe devido



QUISERA AMAR-TE

Quisera amar-te comedidamente

Com hora marcada e a luz apagada

Cheio do casto pudor de antigamente

Sem arroubos românticos

E copiosas lágrimas de ciúme...


Amar-te mansamente, sem os carrosséis de emoção

Dos aficionados em paixão

- essa convulsão dos sentidos

Sem ramalhetes de rosas

As insinuações dolorosas

E os pratos no chão partidos...


Amar-te racionalmente

Como quem quase finge o que sente

Sem poesia, sem saudade, sem plenilúnios à beira-mar

Sem acordes de um violão...


Quisera amar-te

Como uma simples troca de favores à meia-noite:

O mercantil romance finissecular...


Mas tal amor, querida, eu nunca poderia dar...




FRAGÍLIMA A ARQUITETURA DA MINHA VIDA...


Fragílima a arquitetura da minha vida...


O terraplenagem não fixou bases sólidas para a adequada edificação e agora titubeio com suaves brisas cotidianas; nos terremotos da vida, soçobro-me


A argamassa do meu ser orgânico e psíquico é fraca e degenera em risco grave à saúde; tudo é caótico, entrópico e a energia migra para outros universos paralelos de mim mesmo, que desconheço


Sou construção superfaturada cujo material é de qualidade duvidosa e a qualquer momento pode ruir com todos os sonhos dentro


O Grande Engenheiro furtou-se de esmiuçar os cálculos e as geometrias a uma grande obra e agora as informações se contradizem e redundam em estupor entre os empregados que devem erguê-la; meus próprios genes levam-me ao paroxismo e à atimia


É uma falha conatural, mutação gestada e prometida a mim nas labaredas da descendência


Fragílima a arquitetura da minha vida...



PRESO

Preso

Ao Big-Bang

A este universo

Às leis da física, química, biologia

Aos acontecimentos fortuitos que deram origem à vida

À evolução da vida e suas leis intrínsecas

Às particularidades da minha espécie, da minha vida e seus determinantes orgânicos, mentais, psíquicos

A um Deus que me invento e seus mandamentos

A um Deus que se inventam e seus mandamentos

A este tempo, a este pedaço de século, sua técnica, tecnologia, moral, ciência, filosofia

A este sistema sócio-econômico e suas contradições frementes

A esta pátria e língua

A este corpo e mente

Aos genes dos meus avoengos e suas mutações aleatórias

À cultura,

À personalidade

Aos Fatos Sociais

Às variáveis estocásticas que me fizeram quem não sou

Aos meus sonhos e medos, desejos e delírios, fracassos e gloríolas

A estas pessoas, às prisões destas pessoas, à loucura destas pessoas

A esta vertigem e a esta dúvida metodicamente martelada: existimos, de fato?

Não obstante, LIVRE! LIVRE para renunciar a tudo.

E até nisso, preso: preso ao livre-arbítrio, dádiva (e castigo) de Deus aos homens

Livre para renunciar a tudo!



TEU OLHAR

É teu olhar que lança ao frio e negro firmamento
A energia, o ardor, a luz que o vão despertando
Nele, a infinita amplidão cabe num momento
E, um ao outro, instante e eternidade estão amando
Teu olhar é também uma súplica ao vento
Sussurrada pelo exangue moribundo, quando
A Dama Negra nele fixa seu olhar sedento
Teu olhar é também dor e mágoa castigando
Teu olhar é a Paz (quase nunca o nosso intento...)
Janela onde vemos o Cordeiro as virtudes alentando
E extasiados de beleza olvidamos o destino violento
Teu olhar é uma pungente dor secreta, lancinando
Que provoca multifárias explosões de sentimento
Vendavais de poesia, ondas de paixão e de tormento



BRASILIDADE

Nossas múltiplas raízes, profundas e diversas
Que a longínquas plagas e tempos remontam
Reminiscências ancestrais assim nos contam
Da cultura de civilizações vivas e dispersas

As etnias ibéricas no sangue amalgamadas
Seus credos e valores, nossa plástica moral
O pecado primitivo e o paradoxo nacional:
Defeitos hediondos e virtudes afamadas

Subsistem n´alma visões de um mítico oriente
E de traços setentrionais longevas inspirações
A galhardia negra e índia também é presente

Matriz das nossas controvertidas paixões:
Fincadas no inconsciente, a ganância e a luxúria;
E o Amor, da herança se opondo à parte espúria



POEMA SÁFICO

Delicados afagos azuis, teus olhares me aquecem,
Confortam; a ti descortino meus multifários arcanos
Para que chores em silêncio comigo meus desenganos
E te rias das alegres virtudes que me convalescem

Suaves brisas cariciosas, tuas mãos me conhecem
A toques tímidos; levam-me ao limiar de reluzentes anos
Onde teus lábios noites viris me farão esquecer e seus danos:
O golpe dos brutos, que até hoje meu corpo e alma adoecem

Teu corpo, virgem enseada para aportar Titãs; entanto,
É divergente no desejo; aspira por igual arquitetura:
Templo de prazer sem contraste, só amena ternura

Teu espírito, diamante lapidado com lumes de encanto
É poesia transbordando no seio de cada sentimento
Uma que só o feminino pode ler com entendimento



O TROCO

Fingir
Sujeição

Aspirando
No entanto
À ação

A voz
Recolher
Humildemente
Pôr-se calado

Até soar
O canhão
Na forma de brado

Cogitabundo
Em sua aurora
Dizem-no triste

Mas prepara
Entrementes
O domínio das mentes:
Mil argumentos em riste

O corpo torturado
Não a alma: intemerata
Sem cortes, sem sulcos, sem data

Quebrantado
Agora
Mas forja-se
Na fornalha das horas
De sonhos

Fendido
O peito
Mas segue multiplicando
A carne no leito

Dócil, segue
Transigindo
Para que tudo se vá convergindo
À revelação do segredo:
Não tem mais medo

E os inimigos
Desapercebidos
Zás!!
Estarão mortalmente feridos



AOS ESCRAVOS DE TODOS OS TEMPOS – I

Antes, a corrente gravava na carne sua insígnia
Sabiam-se os algozes, binária a lógica do mundo
E houve até escravo idealista que, meditabundo
Sonhou e levantou-se para pôr fim a tanta ignomínia

Mas fracassou... Hoje, o grilhão também é ideal:
Com boa indumentária escravo há que se crê liberto
Não é senão autômato que representa a cada gesto
Grotescas personagens de um Espetáculo brutal

E os há ainda escravos como na Idade Antiga
A pão e circo, eterna via-crúcis de humilhações
Massa amorfa condicionada à miríade de prisões

Qual símbolo, que face representa a hoste inimiga?
Toda ideologia pulverizou-se: grito perdido no vento
E todo idealismo resume-se a um ineficaz lamento...



AOS ESCRAVOS DE TODOS OS TEMPOS – II

No escravo, o fogo que sublime e feroz fulgiria
Arrefece e é cinza ante o silêncio e o medo
Carrascos que lhe impõem miserável degredo
O de si mesmo; e ele acata quando subverteria...

Dê escravo ao seu alquebrado coração um lenimento
Creia no sonho que lhe faz humano e creia no desespero
Reúna as suas dores e delas ergue um homem inteiro
E lute para ser livre, que é o único sacramento

Diversa Roma se nos impõe (quantas ainda sobrevirão?)
A de Enéas tremeu ante o braço viril da escravidão:
Spartacus! Epopéia escrita em sangue, libelo

Contra um mundo que flagela qual pesadelo
Sonho épico alastrando-se no invisível do ar
Com a imorredoura canção da liberdade a ecoar



B R A S I L

Pungente mosaico de contradições não resolvidas
A pátria amada sonha o ideal da justiça e da igualdade
Atormentada pelo passado, do porvir tem saudade
Mas lá também suores de Hercúleas lidas

Hesitante e trôpego, o colosso com passos vagos
Percorre a trilha de seu histórico e cruel labirinto
Junto a si o povo que erra deserdado e faminto
Ainda esperando a utopia e seus cariciosos afagos

Civilização tropical portadora da áurea promessa:
Inventar uma existência feliz, produtiva e sem pressa
Todavia, tal primavera é apenas botão neste instante

Mas que há de mudar em idílico jardim de doces frutos
Que este povo heróico já não tolera o açoite dos brutos
E uma elite venal de seus ideais dissonante



ESPÍRITO SUPERIOR
Para Ana Carolina

Derradeiro limiar da História:
Culto, belo, delicado, definitivo
Sopro suave detendo o fogo furtivo
Do Mal, arejando-nos com a glória

Espírito luminar, esclarecendo
Elogio da busca, amor à Verdade
Impoluta sacerdotisa da Liberdade
Plúmbeos céus de ferro alvorecendo

Afrodite mil primaveras espargindo
Com o orvalho dos sorrisos cariciosos
Contra a torpe bruteza dos impiedosos
Heroína organizando e reagindo

De vastos distintos orbes reminiscências
Se lhe revelam. Berço das múltiplas consciências
Vejam! Transluzindo arrebatada aos ares!
Proferindo axiomas e intuições estelares!



SOBRE UM TEMA DE TORQUATO NETO

Eu sou como eu sou

Poeta

Traduzindo com a verve

A meta

Que o caos traçou pra mim

Por todos os meios

Até meus fins...




Eu sou como eu sou

Cobarde

Hei de abrandar o sol

À tarde

Também à luta

Me visto

Agarro-me aos sonhos

Que a mim mesmo imponho

E insisto...




Eu sou como eu sou

Debalde

Não me corrói o peito

Saudade

Deslizo nas vagas do

Vinho

Deliro nos braços da noite

Sozinho...




Eu sou como eu sou

Paladino

Dobrando o sino

Das revoluções

Extemporâneas

Preparando nossos corações

Para as guerras e para as manhãs


E louco

Rouco de bradar veleidades

Porque pouco capaz de saber

Das Verdades

E do Amanhã...


SEM DÓ, A MORTE O HOMEM DESMASCARA!

Sem dó, a Morte o Homem desmascara!
Olhai esta bela jovem, a se decompor
Ontem, lânguida de desejo se entregara
Ardente e sussurrante ao deus Amor

Sonhos puros, que nada ainda os maculava
Lembro de seus olhos noturnos, amanhecendo
Num esplêndido dia, cujo fulgor auxiliava
A humanidade a convalescer da hipocrisia

Seus sentidos lançados aos pedaços
No silente enigma da física atômica
A inteligência, de habilidosos laços
Tragada numa vertigem astronômica

Espelho implacável, a Morte revela
Nossa face de fragilidade e impotência
Agora, dai-me licença, vou acender uma vela
Ajoelhar e chorar junto ao corpo dela



ENERGIAS BRUTAIS

Fonte inesgotável: o pensamento
Forças omnipotentes: à revolução
O porvir se reescrevendo com a nossa mão
Que a história é o nosso experimento!
Mover a Terra com um nobre sentimento
Que venha às derrotas a reação
O que na vida sublima o coração
Não teme o último momento!
Energias brutais semear no vento
Empresa dos que clamam por igualdade
A morte vale à pena, se a chama arde!
Humanos, erguei-vos com um puro alento:
Honrar o sonho e o sangue dos que lutaram
Dos que tombaram ermos e acreditaram!



DOIS POEMETOS

1)

Antes que o sono venha

A romper a veia

Da memória

Visto-me à vitória



Antes do crepúsculo

Treino o músculo

E a mente tímida

Para desarranjar lógicas



O frio antes de me gelar a veia

Embriago-me do sol

E de sereias



Nos olhos, a urgência dos tempos

E dias de enfrentamentos



2)

Ascende o sol nas retinas

Repletas de amanhãs

E manhãs cristalinas



Arde a flama olímpica

No coração

Imaginar

Nova estação



O olor inebriante

Das primaveras

Toma-me celeremente

À alvorada da mente



As culpas, os medos

O medo da morte

Fenecem



O que era silêncio

Transmuta-se em melodias

Às vibrações de outros dias



Assim, ouso o sonho

E como um pedreiro

Ergo a própria obra

E a obra coletiva



Tudo que é sublime

Imprime-se nos atos

De fé e ousadia



DOIS POEMETOS

1)

Viver integralmente

A própria finitude

Viver e morrer tudo

Dentro e fora de tudo

Ser o suave e o rude



Perseguir a totalidade

Da própria incompletude

Tudo nutrir e secar

Tudo sentir e negar

Até a grande solidão

Ataúde



Morrer

Na fugaz

Eternidade

Das horas



Renascer

Na aurora

Do íntimo

Mistério



Ser mais torto e reto

Amiúde



Sonhar (-se)

Ensandecido

Esquecer (-se)

Ser esquecido



2)

Só o silêncio a ser dito

Num surdo e estático grito



Nada a viver, mas a morte

Íntimo consorte



Desflorecer a aurora

No insulamento da hora



Nada a urgir na consciência

Castrar a concupiscência



Cultuar humanos flagelos

Defenestrar ingentes anelos



Cingir-se ao deletério



Leve

Repousar

Nas asas do mistério



ÀS PUTAS

Saciado na ciência de um leito multitudinário,
Esquivo-me da virgem presunçosa que me pretende
E rio-me do pregador hipócrita que defende
A supressão deste prazer consuetudinário

Porque menoscabar uma multimilenária ocupação?
Acaso sabe a dama o que sabe a mulher do arrabalde?
Acaso não nos deixam mui contentes, com saudade
E revigoram os liames da mente e o coração?

Soporífero quanta vez o regaço da jovem virtuosa
Melancólica pode ser a castidade, acre e fatigosa
O que de infame haveria em amar com as putas?

Também elas rezam, como nós, antes da labuta
Também filhas de Deus, como a rainha da Inglaterra
Ora, e no fim não vamos todos namorar com a terra?!



V I D A !

A vida é o paradoxo do entendimento!
Vede! A beatitude e o horror congraçados
Dialética e imortalmente irmanados
Artífices do humano experimento

A hecatombe, o holocausto do sentimento!
Delitos, perfídias, culpas nunca expiados
Sonhos e paixões e ideais desvirtuados
Num turbilhão de incognoscível movimento

Uns desfolhando os planos malogrados
No doído escaninho do esquecimento
À cruz dos severamente castigados
Só misérias, só padecimento

Outros, de casto lume embriagados
No ingênuo, fútil, tolo alheamento
Das almas e dos corpos saciados
Por graça de um vil sorteamento



ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

Deus e o diabo somos nós, irmãos humanos
Nossos desejos viscerais, contraditórios
De resultados luminares e proditórios
Imensuráveis amores e ódios levianos


Adiante, no entanto, o além-do-humano
Quando toda miséria é mero palpitar surdo
E a dúvida é extinta, que banido o absurdo
Da Civilização, já liberta de todo engano


Mas lá, quando traduzido o arcano derradeiro,
Que se imaginará? Todo pedaço será inteiro?
A onisciente e estéril satisfação tecnológica...


E impregnados da nova, pura e voraz lógica
Nossos herdeiros, deuses inúteis, embriagados
Na perfeição fastidiosa calarão, entediados...



PEQUENO POEMA DE INSURREIÇÃO

Desfaz-se neste meridiano a aurora

Remodela-se o homem ante uma diversa realidade

Já vejo vir batalhas ardentes e fatais

Que só travam aqueles que ouvem

A própria voz e ousam

Vitórias, derrotas... Batalhas

A obra a compor

Nenhuns outros passos: ao leste

A ausência cumprida

Sepulto-a às margens de remotos rios:

Serenas lembranças da inocência

Nesta hora, o aço! O golpe do braço!

Retomar a ponte desfeita

Abrir portas para o mundo

A lida única que me ensinaram os pais que tive

Capitulei, mas basta!

Ao cume do Olimpo

Roubar o fogo divino

Outra vez

Sonhando em fazer amanhãs

Com vocês



PEQUENO POEMA DE SEPARAÇÃO

Corpos que não se entregam

Olhares oblíquos ou indiferentes

Rostos lívidos de cansaço

Mãos distantes, severas; o toque é acidental

O ninho de amor está frio

Agora, só reminiscências, só saudades

A casa é um relicário de imagens:

Fantasias sepultadas, filhos proscritos

Aquelas viagens inesquecíveis nunca feitas...

No leito do amor de outrora

Silêncio tumular entrecortado

Por prantos ressentidos

E ásperos solilóquios

A vida parece arrastar-se

A hora parece arrastar-se

Antes, o tempo era regulamento conservador

Para os apetites da carne e o encontro das almas

É a dúvida, que tudo devasta como fosse procela

Que lacera como punhal

Tudo foi inutilmente?

A cama compartilhada, os sonhos compartilhados,

O riso compartilhado?

O espelho partido desfaz a vida em mil pedaços

Lá fora, o mundo é o mesmo remoinho de vidas

Entrechoque de gentes, ódio e carinho

Mas amanhã é outro dia

E tudo pode recomeçar...



SONETO DA ESPERANÇA PASSIVA

A esperança invade a veia do povo e o embriaga,
Como uma noite que obscurecesse seu entendimento.
Esperar?! O derradeiro, quiçá o fatal movimento
De uma hoste que o medo arrefece e esmaga.


A eloqüência do líder a alma do povo afaga.
Mas, que palavras realizaram que sonhos?
Palavras são artifícios pueris e enfadonhos
Com os quais fingimos mitigar nossa chaga!


É verdade que tua hora sussurra na brisa, Sul-Americano.
Teu olhar, férrea hematita, mira uma civilização tropical,
Onde a igualdade, áureo sol, irradie todos os dias do ano.


Mas como? Se a sujeição ao divino te faz prescindir do real;
Se crês ser teu líder alguém infalível, sobre-humano;
E abdicas do próprio ideal, que é cabal, sem engano...



LIVRE NASCESTE, MAS QUANTOS TE ALMEJAM ACORRENTADO...

Livre nasceste, mas quantos te almejam acorrentado!
Estupefato com o drama humano, abúlico, inerte
Esquecido de que o sangue esquenta nas veias e ferve
E a reação é legítima contra os que te têm açoitado


Resoluto nasceste, mas quantos te querem claudicante!
Porque previsíveis teus movimentos não surpreendam
E os pensamentos tímidos, pueris não transcendam
A lógica inimiga; um débil, venal, mendicante


Projeta o status quo curar-se das células cancerosas
Para que tudo opere num certo intervalo de confiança
Onde se evite súbitas sublevações morais perigosas


Tua nova visão, supremo ideal, revolucionária ânsia
É o câncer temido (embora estejas só, por enquanto...)
Mas é fatal mudares teu choro em magnífico canto!



T I T Ã

Céu e Terra certa vez, e com ardor, se amaram.
O fruto, virtude celeste, força telúrica, é Titã
Empenhadíssimo em conceber o amanhã
Com verdades que milhões não decifraram...

Nas fibras do seu coração vicejou inabalável afã:
Derramar luz em sendas que se conspurcaram
Sanar as mentes que as trevas deturparam
Para a existência brilhar lúcida, cabal, sã...

E os pusilânimes, os ignaros dele duvidaram!!
Não sabiam que proviera de atemporal clã
Cujos antepassados são deuses que sempre conquistaram?!

A boca seca da invídia lhe disse: tua intenção é vã!
Como? Se nela inteligência, força e ousadia se mesclaram
Produzindo êxitos que a Céu e Terra já tanto orgulharam!



PARA ARTHUR RIMBAUD

O desregrar-se: tua mira,
Alvo só por ti subjugado.
Foste um recriar-se dia-a-dia,
Recriando-se te fizeste mito raro.


Dos covardes acentuaste a hipocrisia,
D´outros, a candente invídia temperaste.
Qual ventre ornou-te de ousadias,
Mas descuidou-se dos excessos aparar-te?


Anjo & Demônio, belo torto,
Bateau ivre em amores puros e violentos.
Visionário do sol, em longes mares absorto,
Precursor de ignotas estradas e alentos.


De poder impossíveis, tu brincaste,
E os fez, avidamente, timoneiro-mor.
Sobre os alvos pés a Poesia dobraste,
Que em tua alma ébria foi maior.


Inda precoce imberbe (fugaz fulgir),
Cansaste do vigor dos versos singulares,
Abandonando órfã a Poesia, a desflorir.
Arte, pátria, amor, não eram mais teus lares.


Urgia da ágil sina provar os mil sabores,
E então andarilho, traficante, hippie pioneiro.
Perdeu-te o mundo, perdeu-se alhures,
Dormindo para repousar no Olimpo, altaneiro.



M U S A

Chamar-te no calor da noite
Que a ausência é um açoite


Desvelar com afã juvenil
Teu corpo primaveril


Amar-te nas chamas da cama
O sol de quem ama


Devorar-te a carne na fome
Esse desejo do homem


Beber-te toda na sede
Teu suor, tua seiva, teu leite


Aquecer-me entre teus pólos
Alvorecer em teu colo



M U S A - II

Na tua carnadura
Meu desejo estaciona
Embriagado
Seja claro dia
Seja noite escura
Jamais recordando
O passado


Navego-te caravela
Nas tuas profundezas abissais da alma
Faço água, transbordo a qualquer bordo de ti
E nunca mais tenho calma


Tens-me na palma da mão
Periclitante falta de precaução
Valha-me meu coração


Mas contigo também gozo o cio das madrugadas
As exaustões mais cansadas
Até o raiar das manhãs


Mas contigo também olvido o estertor
Dos moribundos
O retinir das espadas
E as F l o r e s M a l s ã s



O PASSAGEIRO DAS HORAS

O Homem é consciência de si próprio.
Auto-caritativo, faz nascer do vazio que lhe cerca os fantasmas sagrados de um Deus humanado e de um Homem deificado. Tolamente, ignora, ou talvez apenas finja ignorar, que o vazio que lhe cerca e que lhe oprime é o deus a venerar, a beleza da sua humanidade, o sentido da sua hora, a poesia pungente da sua vida.


O Homem é o único mistério (teoriza outros para esquecer sua confusão e solitude).
Caminha, tropeça, levanta-se. Resiste.
Bêbado no eterno embate entre a aceitação dos fatos e sua negação.
Pergunta-se sem obter respostas e segue carregado pela grande miragem das horas.
No cimo da jornada, pranteia, saudoso do tempo ido, e mergulha outra vez no leito eterno, que é o nada.


Nasce só, vive só, morre só.


Escravo da sua inteligência,
Num golpe de auto-engano,
Elabora respostas para seu enigma
Enquanto intoxica-se com todas as ilusões que inventa:
Amor, dinheiro, poder, religião, conhecimento...


Mas é simplesmente pó!


Olha-se no espelho e, comovido,
Relembra a paz do útero materno,
E o amor incondicional da tenra infância...
Sonhos passados, levados pelas vagas do tempo...


A íntima dor humana é a morte:
Pesadelo e angústia dos vivos
Abismo que nos espreita, sorrateiro
Dor que confrange o peito
Hino que cantamos de cor
Fado inexorável


O medo da morte é uma paixão humana


A condição do Homem é um duplo:
Sopro de luz e treva
Padecimentos e delícias
Fugas e enfrentamentos


Acaso é a lei da vida
Acidente no percurso da matéria pelos espaços inauditos
Fragmento infinitesimal do tempo, do espaço, do universo
Devaneio baldadamente sonhado pela conflagrada Mente Divina...


FRAGMENTOS POÉTICOS

Quem ama esquece a vida
Refém da cruel desdita
A hora, o mundo, a lida
Esquece-as. Todas malditas...


Quem ama só lembra a ida
Ao Hades, resgatar Eurídice
Enquanto no mundo a ferida
Gangrena, que alguém lhe disse...


O amante só vê o vazio da cama
Entregue a seu sonho particular
Fazendo o mundo esperar
Até conquistar quem ama...


O amante enxerga o mundo em calma,
Sem contradições; nas teias da própria trama
Se enlaça; só ouve os lamentos d´alma
Atordoado com seu miserável drama...



FRAGMENTOS POÉTICOS

A cólera do homem cairá

Cedo ou tarde sobre o homem

O sonho humano intervirá

Cedo ou tarde na história

Sonho e cólera, confundidos

No fim, homens para si

O homem matará o homem

O homem salvará o homem

Encetará outra história

Sem a mácula da lágrima dos inocentes

Proscreverá as lutas fratricidas

O novo homem a aflorar

O homem e seu sonho

Reviverão

A ira humana espreita

Entre o caos e a perfídia

Tremei homens-moeda

Rostos sem face

Urubus na nossa arte

Temei

Da história esta a nossa parte



FRAGMENTOS POÉTICOS

Para qual esfera resvalou o instante,

Miragem fantasmagórica da consciência?

Vindo do nada que houvera antes

Urdindo o vazio da impermanência!



A fragilíssima contextura do agora,

Sombra informe, delirante, acuada

Quando irrompe, morre; implora,

Mas não poderá ser prolongada!



O momento é néctar e veneno

A vida, sensações em convulsão

Então, torna teu drama ameno

As coisas não foram, nem serão!



ANTI-HERÓI

O anti-herói, inebriado de lânguida preguiça
Nauseado com a futilidade da lide ignominiosa
Permite-se não sucumbir à sina tão odiosa
E se espalha no leito e grunhe e se espreguiça...

Acorda, sem pôr-se de pé: é o peso da cotidiana azáfama
Mas que ninguém lhe vá discursar sobre o labor urgente
Que sonha ser filosofia e arte o nobre destino da gente
“Dinheiro pra quê ou poder?”, prefere as coisas diáfanas...

Mal-reputado e falido, o anti-herói parece em paz!?!
Que de muito errado haveria com ele? Néscio? Louco?
Por que o tudo pra tantos pra ele é mísero e pouco??

Não está no script desdenhar assim de paradigmas assaz
Consagrados! Mas vejam: mãos dadas com o Zé Ninguém,
Meu Deus, parece-me ver a Verdade indo com ele também!



A DESCENDÊNCIA DE ADÃO (OS EXCLUÍDOS DO PARAÍSO)

Inspira o império dos sentidos, expira delírios
Sonha, pensa, age, teima ter nas mãos sua sina
Inda crê na sucessão da esfera telúrica a uma divina:
Remissão das culpas, compensação dos martírios

Abandona-se ao cio das prostitutas beleza e vitória
Sorvendo seus corpos e almas com insopitável luxúria
E violenta a verdade e a honra com beligerante fúria
Depois, brinda à morte com o sangue venal da glória

É libertino, mau-caráter, implacável, fereza bruta
Desde que o mundo é mundo e o homem, gente
Profusão de talentos, mas flagelo de cobiça ingente

É o crucificado também pregando o que ninguém escuta...
Psíquico, moral e genético mosaico de recônditas partes
Dia e noite confrontando-se em épico-fatais fins de tarde...



É UM MECANISMO DE DEFESA HUMANO...

A vida dói sobre os ombros
Pesa insuportavelmente sobre os sonhos, sufocando-os
Degenerando-os em pungentes exercícios de imaginação: o que teria sido e não foi...

Também as horas desfazem nossos corpos e mentes
Tornando-os horrendas caricaturas de si mesmos...

De lágrima em lágrima a dor e a decepção corroem nossa orgânica estrutura
A fé a perdemos ante o inexplicável do caminho
A calma, a dignidade as vendemos ao mercado pela subsistência ou por 15 minutos de fama...

Entretanto (é contraditório, é paradoxal, eu sei)
Cada centelha de tempo que se apaga
Cada suspiro que nos escapa aos lábios
Cada dor secreta que violenta nossa frágil alegria
Correspondem a um ânimo, a uma vibração que se vão acumulando em nossas asas imaginárias, sim, nas descomunais e vigorosas asas que nos inventamos
E assim, quanto mais o inferno puxa-nos para suas profundezas mais o céu abre-se para nós como nossa verdadeira moradia


É um mecanismo de defesa humano...


Cada vez que a vida apunhala-nos no peito e o tempo sufoca-nos a garganta e o mundo ata-nos os membros
Simplesmente renascemos, ressurgimos maiores, melhores, mais gloriosos
Abrimos nossas asas e planamos feito águias altaneiras
Feito anjos: exatos, puros, incólumes
Mais distantes da mediocridade terrenal
E assim vencemos a dor, o cansaço, a doença
Como uma mágica de cunho filosófico, existencial; uma mágica simples e perfeita; se preferir, pode chamar de a maior alquimia humana, que transforma raiva, medo, frustração em arte, renovação, solidariedade

Quanto mais a vida quer dobrar-nos no chão
Mais alto, mais longe alçamos vôos na amplidão


É um mecanismo de defesa humano...



FÉ!

Qualquer coisa sobrevirá a nós
O que é, esvaecerá (terá sido?)
Dos silêncios atemporais à voz
Da consciência, daí ao desconhecido...

Qualquer nascente descansa em foz
Indo, o rio consome, é consumido
As civilizações estão sempre a sós
Plantando o que outras terão colhido

Mas alguma coisa humana quedará
Inoculada nas trilhas do Tempo-Espaço
(como o solo, que marca a força do passo)

O que será? A fé! Que percorrerá
Múltiplos e amplos Nadas do universo
A arrebatar-lhes o Tudo submerso!



A PAZ

Sereníssima imagem da justiça e candura.
Anjo adorado que sob suas cálidas asas
Dar-nos-ia abrigo e desfaria as mágoas,
Dirimindo a vontade cruel e mais dura.

Perseguida, porém, agoniza em sua cela,
Por escravos do ouro e da guerra golpeada.
E os Arautos do Apocalipse, em cavalgada
Avançando contra a idéia humana mais bela.

Cordeiro humilhado, arrastado à cruz
Por implacáveis soldados da morte: panteras
De sépticas garras, que infeccionam as eras,
Erguendo urbes sem alma e templos sem luz.

Trabalho de Sísifo, das Danaides.
Paixão volúvel, fantasia romanesca.
Fruta que estragou antes de fresca
No estéril jardim da Humanidade!



ENTRE OS OPOSTOS EXISTE UM ELO...

Entre os opostos existe um elo:
Ímã pondo a convergir suas essências
E um recíproco e apaixonado anelo:
Entre si exaurir suas potências

Mas entre eles também existe o regelo
Da dessemelhança, cego às mutuas querenças
Um insubsistente e sempre olvidado zelo
Refém de ódios erguidos de ignorantes crenças

Já entre os iguais cristaliza-se o flagelo
De tabus imemoriais, empedernidos:
Resquícios de tempos já consumidos

Mas entre eles também resplende o belo
Fundamentado na glória dos ideais atingidos
E numa paz perpétua, sem vencedor ou vencidos



E P I T Á F I O

Os últimos suspiros de uma era!
Tudo é sombrio, ainda amalgamado
Mas, um pútrido odor na atmosfera
Nos dá a antever o triste fado...

Já caduco, o paradigma degenera
Demora, mas se exauri; tombará calado
Como o velho, sabendo o que o espera:
O inexorável instante, sempre evitado...

A evolução impõe sua lógica; é fera
Cuja fome tão cedo se terá saciado.
Sua vítima, o humano, desespera...

“E a consciência, seu ideal tão elevado?”
Pudéssemos permanecer... Ó quem dera!!
Mas, vestígios de um império soçobrado...



REFLEXÕES METAFÍSICAS

Quem é aquele que vinte e tantos anos após a estréia no insólito, plangente e jocoso palco mundano, ainda duvida, ainda duvida bastante, ainda duvida de tudo: de si, dos outros, da realidade, dos fatos, dos livros (e por isso mesmo desconfia que nada é verdadeiramente importante porquanto nada é verdadeiramente real)?

Quem é aquele que tempos depois de romper o hímen da consciência, duvida da sua própria, das alheias, estejam aqui ou algures (melhor mesmo seria usar o termo nenhures, porque só habitamos nossa própria mente!), e olhando as pessoas vê apenas a noite que as aguarda, paciente e resolutamente; e ouvindo as pessoas, ouve, sobretudo, o sonoro silêncio que as envolve e engole, tão profundo, doce e calmo que até as embala (e dançam magicamente com sua própria morte!)

Quem é aquele que tocando as pessoas desconhece seus corpos, seus desejos, suas necessidades, porque está para além deles, olha, sente, ouve e fala para além deles, para algo e alguém que está além deles. Quem é o infeliz agraciado com este dom noctífero?

Quem é aquele que antes da pequena morte do sono, mirando as trevas, como um Hamlet sem a poesia, questiona: Existo? Existem? Existimos? E se existo, e se exisitimos, o que é o existir, o que é a existência? Um fato concreto, num dado momento da dialética relação Espaço-Tempo? uma idéia, um ideal inoculado em nossas mentes; o dogma de alguma mitologia senil; um preconceito espurco; uma sensação fugaz; um desejo ardente; um abscesso; um estupor; uma vertigem; ou simplesmente uma mentira ordinária na qual acreditamos porque é bom e fácil de acreditar? É uma causa, uma conseqüência, um meio, um fim, um mistério insondável, insolúvel, ou talvez o óbvio ululante ou qualquer coisa desimportante (então, meus questionamentos seriam inúteis)? Há, além disso, alguma importância superior no fato de existirmos?

Quem é aquele que se faz tantas perguntas, e prossegue: pode a existência ser uma equação matemática? Ou seria a existência o que a mente traduz do mundo que nos é exterior, e que apreendemos pelos sentidos, e descodificamos pela razão? Ou a mente inventa o mundo exterior, do qual supostamente fazemos parte, e depois de inventá-lo nos faz acreditar nele? E se isso for verdadeiro, se minha mente inventa tudo, então somente eu existo? Os outros são miragens, no deserto da minha existência? Mas aí todos os demais poderiam pensar a mesma coisa: apenas eles existem, enquanto indivíduos de carne e osso, enquanto indivíduos que riem e pranteiam; os outros são fantoches, coadjuvantes atuando no filme de suas vidas... Conseqüentemente, a humanidade seria um vastíssimo conjunto de alienados vivendo em universos paralelos, separados, próprios a cada um. Idéia terrivelmente fantasmagórica!

Há outra possibilidade: e se todos formos sombras de um mesmo objeto multifário-incognoscível (assumir esta hipótese o torna cognoscível?); existimos todos, existi tudo num amplíssimo conjunto onde cabem infinitos subconjuntos, que se re-combinam ad infinitum, às vezes aleatoriamente, às vezes premeditadamente; existimos num lugar onde tudo é possível e onde as coisas todas e suas antíteses co-existem, existem simultaneamente; existimos eternamente (não importa que morramos, neste exato momento somos eternos); enfim, existimos em Deus (eu sei que o vocábulo Deus está deveras desgastado, mas foi o melhor termo que encontrei para expressar essa intuição). Deus não é um problema metafísico, de fé, de medo, de justiça, de uma moral universal ou de vida após a morte. Deus é uma questão lógica (e, obviamente, as religiões são um erro que já perdura por tempo demais, um delírio estúpido). Deus é, simplesmente, o INFINITO DE POSSIBILIDADE DAS COISAS ou AS COISAS E SUAS POSSIBILIDADES INFINITAS.

Deus existe e fazemos parte dele, assim como os vírus e as bactérias fazem parte da natureza e a estupidez tão ativamente faz parte da humana natureza.

E o mais sensacional: não há nada de extraordinário em tudo isso!
Ou há?



NORMINHA
(para minha amada mãe)

Nossos momentos: suaves encantos, com tua presença
Acolhidos em ti, revigoramos na beatífica luz dos teus círios
És rara: a que transfigura em sonhos douradouros martírios
Fortalece o corpo e a alma e ajuda a debelar a doença

Difícil nos é decantar tuas virtudes condignamente
Já a Graça Divina, de forma cabal o fará, no infinito
Porque és discípula fiel daquele que fez do amor o seu grito
Com Ele tendo o bem aprendido, que fazes silenciosamente

Tua suavidade é fortaleza e teu silêncio, congraçamento
A empatia te guia na heróica missão das almas caritativas:
Adentrar as celas em que as pessoas padecem cativas
e, como um Héracles a libertar Prometeu, dar-lhes alento

Erguer-se como diante do mundo sem tua coragem
Que nos sustenta com profundas lições de fé e amor?
Não é o elixir das tuas palavras, ensinando o destemor,
Que nos tem salvaguardado nas intempéries desta viagem?

Nosso anjo da guarda! Cálida morada de luz e ternura!
Perenal sol que nos impõe continuar florescendo,
Cujo calor impede nosso ânimo de ir decrescendo
E nos levanta para desafiar e vencer a amargura!



FRAGMENTOS POÉTICOS

*

sim, meus amigos
é verdade
cansei-me de mim

cansei-me de mim
irremediavelmente

também, se me permitis
cansei-me de vós
daquelas cenas banais
que representávamos
cotidiana e desafortunadamente

sim, meus amigos
cansei-me de vós
irremediavelmente

decrépita a antiga face
cegos os velhos olhos
muda a boca senil
superados os temas da remota personagem
sepulto-os num cemitério de memórias

a exaustão também chegou às vossas partes
cenas que cumpristes sempre diligentemente
e que cumpris ainda
mortificados

de quando em quando
mundo, gente, é urgente sermos outros
viver a mesma vida cansa
mudança é a constante na matemática do tempo

o que me é posto agora é renascer
glória efêmera
profundo mistério
e sentido da nossa natureza

do pó ressurjo, mitológico
avançando no curso ontológico
desse rio


*


viver cansa
decerto / deserto
mas não há o descanso eterno?!

O mundo é triste, às vezes
mas recolher-se entre quatro paredes?!

Gira o mundo
pressuroso
obsidional
remoinho antropofágico...
mas o sonho humano é imortal
e mágico!

As pernas doem?
Entonteces?

Agarra-te ao fugaz momento!
Entorna a urna de Baco!
As coisas farão sentido a seu tempo...

E se ficares sozinho
Restarão as memórias

E se te derrubarem ao chão
Restarão os braços de levantar

Lembra-te do resto:
O resto é silêncio. . .


*


POEMA CIENTÍFICO

-
-
ciência
-
z
ciência
-
y
ciência
-
x
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