M U L H E R
Encontrar no teu corpo o homem refém da
criança
Com teus braços cultivar e colher a flor da
esperança
No teu olhar viver a Paz e no gesto e no
sorriso de menina
Que resgatam o transviado até e lhe
transformam a sina
Penélope, Atena, Joana, Tereza, Maria
Infinitos o caos e a noite sem tua magia
Teu exemplo semeia virtudes e esparge luz
Na sombria face que ao Masculino seduz
No coração, relicário de emoções, guardas tudo
Até o rancor, que se revela em teu olhar doído
e mudo
Mas é a compaixão, divina herança, tua
fortaleza
Teu corpo é bálsamo, glória da natureza
A beleza universal resumida num só ponto
Ao qual tudo converge: inefável encontro
SUBVERSÃO
A unidade da contradição
A superfície do abismo
A comicidade do terrorismo
E da privação
O método da divagação
O cânone do ateísmo
A saciedade do consumismo
E da especulação
O esforço da inspiração
A eficácia do vandalismo
A ascese do hedonismo
E da perversão
A dúvida da conclusão
E do fundamentalismo
O livre-arbítrio do fatalismo
E da alienação
O cálculo da compulsão
A tara do moralismo
A fé do comunismo
A face da multidão
HOUVE NOITES QUENTES COMO O DIA...
Houve noites quentes como o dia...
Amei tão mais que Romeu ousara
Ao possuir-te, flor que nunca se entregara
Que te fiz meu mundo, tudo o que via
E vivi no paroxismo da fantasia
Faminto de tua sensualíssima graça
A beber-te o sangue numa taça
A devorar-te a carne na orgia
Mas amar é render-se ao que nos mata
Tu te foste. Preso fiquei a teu encanto
E me afogo nas vagas do meu pranto
Desespero: a presença de uma falta!
No teu corpo plantei minha saudade
Cujo pomo é este amargor que me invade
A VIDA: SUCESSÃO DE ACASOS...
A vida: sucessão de acasos...
A vida: equilíbrios tênues...
A carga do elétron fosse uma diferente
A força gravitacional diferente fosse
E nada existiria:
Nada de História
De Civilização
De Cultura
Nada de gente
E suas gloríolas
E pantomimas
E patéticos dramas e ambições inúteis e
contradições latentes...
Mudanças infinitesimais e só o nada existiria
Engano-me!
Tudo existiria ainda
Essas imensidões universais, escuras,
silentes, vazias
O que não existiria: a sofrida consciência de
que existem tais coisas
Estas coisas que só existem nas
consciências...
O C A P I T A L
O Capital avança sobre nosso código genético e
nossas mentes
É a última fronteira. Sua finalidade é
consagrar-se um deus, eterno
E catequizar com seu evangelho: dinheiro! Seu
Céu, o nosso Inferno:
Alienação, fetichismo, tirania e outros
pecados impenitentes
O Capital almeja nossa intimidade. Conhecer
para conquistar
E explorar: corpos, almas, culpas, desejos,
sentimentos, aspirações
Calará quem se lhe contrastar! Inculcará
medos, impingirá aflições
E dividirá para que seus exércitos e os nossos
jamais possam se conflagrar
O Capital e seus valores psicopáticos:
egoísmo, força, cobiça, eficiência
Estamos loucos! Cegos de olhar sem ver, surdos
ao clamor da igualdade
Consumidos por falsos ídolos e sofismas que
destroem nossa identidade
O Capital e seu esboço pueril de felicidade:
vaidade e concupiscência
Sequiosos de poder, dinheiro, sucesso –
devoradores de sonhos,
Seguimos céleres ao abismo, à perdição e aos
pesadelos medonhos
O VELHO
Cada velho, na forma de estrela, aos céus
ascende
Quando passa. Palpita luz nas constelações
infinitas
Seu coração, no vazio silente, ressoa verdades
tão bonitas
E sua memória, na escuridão universal, é vela
que se acende
Cada velho é um diamante pelas mãos do tempo
lapidado
Cujos quilates são decênios de aprendizado e
experiência
É uma biblioteca de livros raros, cheios de
dor e sapiência
É sorriso e pranto, sonho e realidade, tudo
amalgamado
Delirante, entre as temporais esferas, ele
vigia
A chegada do sétimo dia, quando irá descansar
Tudo viveu, gerou, cuidou... Não, não
temeria...
Já morreu tantas vezes (e renasceu o quanto
queria)
A que virá, apenas passagem: mergulho num mar
Que a inefáveis plagas, tempos e sonhos o
levará
É POSSÍVEL
Tantos heróis e heroínas anônimos
Sem máscaras, rostos limpos, límpidos
Poderes só de gente comum
Tecendo suas obras
Num silêncio humilde
Homens e mulheres consagrados
Às grandes esperanças coletivas:
Paz, amor ao próximo, justiça, compaixão,
verdade, perdão
E às pequenas causas cotidianas:
Amar e cuidar dos seus, cuidar de tudo que é
vivo, honrar a Deus, fazer o bem
Tantos Cristos anônimos
Cruz sobre as espaldas
Numa Via Dolorosa que poucos veem ou fingem
não ver
Ninguém lhes estende a mão quando caem
Mas eles se erguem sozinhos
Ungidos por Deus com fé inelutável e
translúcida
Seus calvários em nobre silêncio suportam
E se choram, choram por que é de verdade e é
justo
Estes heróis e heroínas cotidianos, Cordeiros
de Deus,
Paladinos da Humanidade, são o Sal da Terra
Esperança de outro porvir, cuja semente está
lá plantada no coração de cada um: regue-a, convide-a a desenvolver-se
Enquanto estes homens e mulheres permanecerem
alheios ao Mal que nos confunde, intemeratos entre transviados, intimoratos
entre cobardes, corações e almas plenos em meio ao esvaziamento do Espírito
Enquanto estes homens e mulheres estiverem
espargindo primaveras em pleno outono, pincelando auroras quando a noite é
alta, semeando virtudes em terrenos áridos, socorrendo mesmo o inimigo,
oferecendo sua face, seu lar, seu pão e vinho
Eu vou continuar sonhando
Sonhando que outro mundo é possível
R E V E L A Ç Ã O
A morte desceu de sua atmosfera fantástica
Lasciva, hedionda, fatal, ela já me escolhera
Trouxe-me visões infernais que no Hades
colhera
Arrebatando-me sua lívida beleza cáustica
Fizemos amor, eu e seu corpo infinito
No findar-se de uma e alvorecer de outra era
Prenúncio de uma voraz e ignota esfera
Mas com dor e com medo lancei um grito
Que varou os espaços inauditos sem resposta
E a cruel revelação foi nesse silêncio
exposta:
Um universo moral, sustentáculo da Salvação
Fora assim, sempre, nossa mais cara ilusão
E ali em meus olhos deixou-se plantar o
esquecimento
Dormiu o fogo e o maniqueísmo de todo
conhecimento
AMADA IMORTAL ou Anti-Poema de Amor
Amada imortal, em qual séptico e bárbaro leito
Te entregaste à magia do sexo, violenta e
doce?
Que inculto varão acendeu a chama do teu peito
E te possuiu com primitiva rudeza, agridoce?
Outrora, tão reticente! Acorrentada ao
pudor...
Agora é um macular os lençóis em abjetas
orgias
Prostrando este teu pretendente, que maldisse
o amor,
E louco fugiu para ver se a teu rosto
esquecia...
Mas não pôde jamais! Do teu lascivo regaço, ó
voraz gana!
Não posso esquecer-me de ti, ninfa impura e
profana
De tuas maneiras lúbricas, de teus vícios
delirantes
Vulgívaga sorvendo o bacântico sentido da
vida!
Pago-te em ouro, mas me deita em tua cama
bandida
E me dá o efêmero prazer das paixões
fumegantes
AVESSO
Prisioneiro, libertava
Ausente, convivia
São, contemplava
O que outro olhar via
Crente, duvidava
Estéril, concebia
Alienado, asseverava
O quanto não sabia
Consagrado, pregava
Ira, infâmia e orgia
Imberbe, desfolhava
Asceta, consumia
Iluminado, inventava
A superação do dia
POLIMORFIA
Minha personalidade ciclotímica
Fixamente inconstante
Ousando voo periclitante
Refém de insidiosa química
Minha personalidade grandiloquente
Tudo diz quando cala
Ouve o que não se fala
E diz a verdade, mas mente
Minha personalidade Hollywoodiana
Dúbia personagem em cena
Nenhum roteiro a coordena
Teatralmente insana
Minha personalidade mitológica
Fênix, renascendo
Sendo, não sendo
Em sua meta-lógica
Minha personalidade cibernética
Tende a equilibrar-se no Caos
Corrigi-se auscultando os maus
É apostolicamente cética
Minha personalidade barroca
Quer ser os extremos do fio
Quer ser a castidade do cio
Repleta de tudo, mas oca
G E R M I N A L
Serei consequência e causa da minha vontade,
Para que, preso, possa libertar-me, num grito.
Contemporizem, ao que promovo o conflito,
Para, ao calar, ter já exaurido o que arde.
Retrato fiel da própria verdade, eu serei EU.
No silêncio da noite gesto-me, ávido do dia,
Nutrido com a fé da mais imortal utopia:
Fundar outra humanidade, como Prometeu.
E serei todos que queira, como num sonho
(onde as múltiplas faces na mesma face ponho)
Enquanto o adicto desta ordem séptica
Paralítico e abúlico, só debilidade
Forja o grilhão da própria liberdade
E degenera-se numa covardia céptica
DIALÉTICA DO AUTO-ESCLARECIMENTO
Debato-me
Numa dialética desvairada
Caminho a esmo para ver se caminhando
Meus pés me indicam a estrada
Que dará em mim mesmo
Quando enfim me tenha
Como morada
Abalo as estruturas do meu pensamento
Rego as antíteses, colho as contradições
E num turbilhão caótico de experimentos
Acho a Verdade em preces e orações
Que Deus é tudo
É mudo
Mas fala aos corações
Repercutem em mim vozes conflitantes
Sobre as grandes questões civilizatórias
Ah, saudades daquele juvenil estupor
Daquelas simplórias certezas de antes
Quando não ouvia o clamor
Dos esquecidos
Nem conhecia
Toda a falaciosa ideologia
Dos bem-nascidos
E meus sentimentos
Numa espiral malsã
Deserdados sem coração que os entenda
Exilados, sem ontem, hoje, amanhã
Contraponho-os, numa acareação ilusória
Donde extraio só mais confusão sensória
Com eles componho
Os infaustos poemas
Que a vida vai me ajudando a tecer
Sequioso pelo momento de alvorecer
D E S P E R T A R
Enfim, a manhã de uma vastíssima noite!
Lentamente, as mulheres se vão despertando
Seus olhos desvirginam-se diante do espetáculo
da luz: formas mil, mil possibilidades
Os corações estão secos:
Ó sede!
As mentes estão ávidas:
Ó fome!
As almas sonham com a amplidão:
Ó calor!
Abrem os braços, sequiosas do mundo inteiro: é
um convite à Existência, deusa-mãe, para compartilhar com elas os mistérios
profundos da vida
São desejos vorazes, forças fluindo
livremente, revoluções em marcha
Mas ainda não se levantam. Por que não se
levantam?
Porque também há muita confusão e dúvida
São um turbilhão de sentimentos, emoções,
razões e desrazões
São os séculos que pesam insuportavelmente
sobre seus ombros. A carga dos velhos dilemas e dos paradigmas depauperados
Têm de vencer suas sombras, transpor seus
abismos
Têm de matar a si mesmas, para nascer
inteiramente outras
Em breve, ágeis e destemidas, correrão
atravessando os espaços e as horas. Mas não ainda, não ainda...
As mulheres, enfim, descobriram a história
Logo, logo a história também fará sua maior
descoberta: a história das mulheres, o limiar da verdadeira História
Tornar-se-ão melhores reciprocamente? Sim!
Que transformações sucederão em ambas? Todas!
Algumas mulheres exigem do mundo uma
indenização pela história ter sido o que foi
Paguem, vociferam, pela nossa doída
plurissecular inexistência, por nosso amor castigado, por nosso corpo aviltado,
ferido, vendido e comprado, por nossa delicadeza humilhada pela força, por
nossa dignidade sequestrada pelo dinheiro, por nossa inútil entrega aos
bárbaros e aos brutos, por nossa inteligência castrada pelos covardes
As mulheres querem revanche!
As mulheres querem revanche?
Não. Somente aquelas que ainda não
compreenderam a grandeza do momento, aferrando-se ao ontem, ao invés de
imaginar e erguer o amanhã
É porque enquanto o novo não se impõe, o
passado chora à sua porta e dói nos corpos como Roma doeu no corpo do Cristo
É porque ainda não se encontraram totalmente
(enquanto os homens se têm perdido)
Estão no meio da travessia
É duro estar no meio da travessia
Caminham num labirinto escuro, não se enxerga
um dia à frente
Caem de alturas infinitas
São arrebatadas por forças ignotas
Suas identidades tragadas em redemoinhos
emocionais
Injetam miríade de delírios nas veias
Têm os corações explodidos
Têm as vulvas em brasa
E repercutem o grito de Munch
E enlouquecem como o pintor holandês
E desistem como os suicidas
E se envenenam lentamente (enquanto envenenam
o mundo com a cicuta das feridas supuradas)
Olham-se no inexorável espelho da alma
E veem o monstro de Frankenstein:
Um pesadelo composto de mil pedaços ainda não
revelados
Não sabem quem são
E dói ignorar quem se é, o que se é, o que se
quer
Partem em busca de si
Perseguem-se
Querem saber quem são
Querem decifrar este enigma
Traduzir os arcanos do feminino, plantados em
seus corações desde tempos imemoriais
Mas ainda há muita ignorância. E o caos
Ainda sonham com a maternidade, ou preferem
uma liberdade egocêntrica?
Trocariam uma vida de doçura e calma pela pantomima
cínico-traiçoeira do poder, do dinheiro e da glória?
Anseiam por ter o respeito, quem sabe o temor
dos homens, ter o mundo a seus pés? Ou preferem, humildes, ajoelhar-se e beijar
os pés da Terra?
Um homem (o ideal)? Ou todos? Ou nenhum?
Ó sede!
Ó fome!
Ó calor!
Levantam-se
Tropeçam, caem, soerguem-se
E avançam
A marcha de um exército?
Um cortejo pacífico?
Aí vêm elas:
Sombra e objeto
Potência e ato
Sonho e labor
Escuridão e luz
Mas, desde já, livres de todo senhor e de toda
cruz!
LOBISOMEM
(1)
A fera
Espera
O momento certo
De erguer o cetro
Impera
No instante
Em que se encerra
A censura da consciência
Esmera-se na vertigem da lucidez
E assoma na insensatez das paixões humanas
(2)
Um lobo corre
No labirinto da tua
Existência
Até que ele acha a saída
E destrona tua fugaz
Consciência
(3)
No esfíngico rincão
Do inconsciente
O primitivo que há em nós
Movimenta sua mão devastadora
No espelho
Esse antípoda de nós
Algoz silente e atroz
Íncubo que atormenta
A humanidade de todos
Medo de mim e dos outros
Hedionda face na íntima janela
Animal fugido da cela
D E S E S P E R A N Ç A
Em etílico assomo brada
O cobarde a desdita que o enfada:
“De outrem o fado cumprido
A vida é vazia, os dias, sofridos”...
No íntimo exílio, à mesa de Baco
Olvida-se com álcool e tabaco
Receando os algozes, os imigos
Prostrado por tantos castigos...
Ímpeto que o fizesse afrontar
E o vestisse de aço, pra pugnar...
Só teme. Quisera assustar!
Sonho que o incitasse a lutar
E o erguesse pra uma revolução comandar...
Mas morre. Quisera matar!
DOIS POEMAS
(1)
Vencer o destino
Indo além do previsto
Insisto no desatino
Ir além do concreto e do real
Mergulhando no secreto e no ideal
E viver nos sonhos
S o n h o s
T a m a n h o s
Suplantar o fim
E renascer
Menino
Numa espiral
Recorrente
Ser imortal
E inconsequente
Poeta do excesso e do abscesso
Versejando o avesso e o transversal
Nunca onde posto
Uno e composto
Este e o oposto
Peito arquejando
O inarrável
Veia transbordando
O mistério
Expandindo meus desejos
Na anti-gravidade das horas
Expandindo meu universo
Com a imprevisibilidade do verso
(2)
Sou vário
Multifário
Alegria e calvário
Ao sabor das horas
E das desoras...
Eterno como os números
E fugaz como as palavras...
Virtudes ímpares
Pecados plurais
Razão e absurdo
Clamor surdo...
Livro inconcluso
Que se reescreve
Na urgência
Do que nasce
Ou morre...
Viandante
Que parte para onde ignora
Mas chega sempre onde mora
Porque mora em tudo...
Mundos
Ardentes
Diferentes
De mim mesmo...
Passos à toa
Perdidos uns dos outros...
Sem fim, sem começo
Todo dia me esqueço
Todo noite amanheço
Buscando por Deus
Mas não sei se o mereço...
O N Í V O R O
Vivamos livres, sem limites
Condenados à liberdade
Ao ócio, aos instintos
Como deuses loucos e lindos
Um nome?
Uma identidade?
Não nos serve...
Somos tudo, somos todos
E somos nada
Certezas e saudades?
Emprego e propriedades?
Correntes que nos agrilhoam
Falsos ideais a nos escravizar
Sem destino, sigamos
Para além do que já foi pensado e vivido
Inventemos novos sentidos para a vida
Novas trilhas para o mundo
Para a mente
Para a gente
Morte à pátria, à religião
Ao Capital e à moeda
Não nos basta o que temos:
O mundo, a humanidade, a filosofia, a arte?
E o futuro, gestado em nossas mentes
Qualquer coisa estranha a nós mesmos, não nos
serve...
Por que degredar-se para longe de si mesmo,
degradar-se?
Revoguemos tempos e espaços
Vamos ter o que é nosso
Façamos com nosso braço
Digamos com nossa boca
Vejamos com nossos olhos
Sintamos no nosso corpo
Esqueçamos das convenções
Pseudo-verdades alardeadas
Desacreditemos de tudo
Quem disse que esta era a ordem?
Que tal era a verdade?
As verdades são tantas quantas as estrelas no
céu
E tão voláteis quanto os segundos no tempo
O caos é a única ordem que se fez
O acaso, o fortuito, o contingente
*
Cordeiro, abandones teu rebanho
Te entregues à liberdade
Não há lei, autoridade, hierarquia
Vivas no reino da anarquia
Onde todos somos absolutamente iguais
D i f e r e n t e m e n t e
Onde todos somos absolutamente distintos
I g u a l m e n t e
Não há nada que não queiras
Rias em desafio
Batas no peito com força
Enfrentes o establishment
Enfrentes o mainstream
Até que tremam, claudicando
Enfrentes! Que sejas tigre
Não cordeiro
Escrevas com teu punho
Creias na tua obra
Caminhes com teus pés
Marques teus próprios passos
Esqueças os dos outros
Se os outros são cobardes
Sejas intimorato, força telúrica
Obra plena em si mesma
E se fores viver, vivas livre
E se fores morrer, morras livre
Revogues tua escravidão
Removas tua corrente
Te resgates do teu cárcere
E vivas livre e morras livre
Enfrentes os tiranos
Os tiranos merecem a morte
Enfrentes teus inimigos
Os inimigos merecem a morte
O medo, a morte, esqueça-os
Amplies-te i n f i n i t a m e n t e
Tua vocação é para a liberdade
Não queiras ter fronteiras
Somos todos infinitos, em contínua expansão
Sem começo, nem termo, como os universos na
eternidade
Não queiras ter posse nenhuma, senão tu mesmo
E o mundo, a humanidade, o futuro
Que é tudo teu, que é tudo nosso
Que é de todo mundo
E de ninguém
SERVIR
Servir a si mesmo – que delícia, é um direito natural
Da condição humana, o primeiro e fundamental motivo
Que advém da inestimável e rara consciência de estar vivo
E ser dono dos frutos do próprio esforço laboral
Servir a si
mesmo e, desta forma, servir aos demais
Ofereço aos outros um futuro melhor ao pensar em mim
Os interesses diversos se conciliam para operar estes fins:
Afluência material, bem-estar, felicidade, justiça, paz
Servir aos demais – que oportunidade, é divina lei
Da religião e filosofia, o ensinamento mais sublime
É aquele sopro de ar benfazejo que a todos redime
E no benevolente serviço alcançamos o posto de reis
Servir aos demais e, desta forma, servir a si mesmo
Uma sacrossanta energia me toma, alentando o coração
Socorrendo o próximo, Ele também me estende Sua mão
Me ergue, me guia, me salva de
caminhar a esmo
B U S C A
Busco-me em minas profundas
A ver se me descubro tesouro
Potes transluzindo ouro e diamantes
Para ver se lá no fundo me encontro
Maior e melhor, como nunca dantes
Senhor de minhas faculdades
Reerga-me com a força de gigantes,
Rebentando o grilhão dos medos e das saudades
Na escuridão dessas minas
Paradoxalmente possa ver-me melhor
E descobrir o herói, o guerreiro, o artista
Que porventura em mim existam
Quase asfixiados
Na inércia dos acanhados
Medito para ver se me materializo num
santuário
Onde os sonhos vêm trazer oferendas
Para forças imortais cheias de plenitudes
Também mergulho-me nos meus oceanos
Para ver se descubro pérolas de antigos naufrágios
Joias esquecidas em longos anos de afogamento
Essa busca, não sei bem aonde dará
Mas a recompensa de caminhar não são os passos
dados,
Onde quer que os pés descansem, no fim da
longa jornada?
Mas intuo: essa busca há de me revelar a mim
Para que descanse nos braços da quietude,
enfim
Essa busca há de me revelar Deus, também.
Que é tudo a que tenho ansiado. Amém!
O PONTO DEUS
À noite, as vastidões do nada me aterram!
Tenho estado de Deus uma vida inteira
ausente...
Ajuda-me Senhor a desvendar o tudo no nada
presente:
Quero vislumbrar o espaço infinito no átomo
Quero sentir a eternidade nas asas do átimo
Quero ver e sentir muito mais, muito além
Do que se vê e sente
Os abismos incomensuráveis da matéria é fera
Que enregela as fibras do meu coração
Sei agora - sabemos todos:
Nossa mente para crer foi forjada
Porque só assim faz sentido e suporta-se
Esta brevíssima e agônica jornada
Sou um falso profeta da matéria
Do frio silêncio universal...
Tudo mentira banal!
Sou um falso crente do acaso e da
probabilidade
Porque em tudo agora vejo um sentido e uma
verdade
SONHOS
Meus sonhos iluminam-se da tua arcangélica
beleza
Neles, ponho-me aos pés da tua nudez,
arrebatado
De ti, toda minha natureza tem-se ocupado
Em êxtase tem vivido e estado acessa
À tua regência, meu universo inteiro cala
Só o coração pulsa em ardente desejo enlevado
A te esperar, fonte de tudo que é mais sagrado
Secretamente, nele tua voz sussurra e fala
Teu corpo, esplendor da forma, exala perfume
inebriante
Que cativa e engana. Já amo mais que Romeu e
Dante
E fico cismando as delícias da tua boca, da
tua tez
Sentir a nívea doçura do teu corpo, que Deus
fez
Embriagado do ardente azul do teu olhar
Perdido no sonho de nunca mais acordar
VÊNUS DE ÉBANO
A lasciva noite jaz na epiderme
Exalando a luxúria dos amantes
A consagrada nudez: inquietante
Visão do Éden; obsessão em germe
Deusa de ébano, lábio africano
Divino lume o viço lhe engalana
O beijo, veneno doce como a cana
A desvairar o varão americano
Negra! Singular perla dos mares
Canto de sirena rasgando os ares
E o Odisseu se arrebatando
Manhã de primavera acordando
Êxtase sublime, loucos devaneios
Vertigens noturnas e seus enleios
D E U S A
A cútis branca, lençol de luz
Que a veste. O púbis negro,
Inflama no ensejo, reluz
Na lascívia do meu estro
O ventre, porcelana delicada
Templo de amores e idílios
A vulva, olente e nacarada
Vertendo o licor dos delírios
As melenas, noites encaracoladas
Escorrendo rio sobre as espaldas
Afogando os seios, pequeninos seixos
As curvas, inebriantes, nos eixos
Olhares vagos, dissimulados
Mil e um amores transviados
DEUSA II
Porte aristocrático, olhares altivos
Classificando com ares imperativos
Movimentos ligeiros, de bailarina
Fibra de mulher, frescor de menina
O coração semeando a saudade
Volúvel demais para a saciedade
O verbo é um gládio, machucando
A fé cega dos que seguem acreditando
Narizinho aspirando (a)o céu
As mechas da cor do mel, véu
De estrelas refulgentes
Os olhos: sempiternos verões
Ardendo em estrepitosas paixões
Opalas de fogo tão quentes!
VIDA (ou SOMBRA)
Informe, aflita, errante apenas sombra
No ermo da alcova projetada do incognoscível
É miragem a vida, de concretude impossível
Esfinge cujo canto fatal assombra
Outra quimera a realidade, ilusão sensitiva
Divindade nascida da nossa inconsciência e
loucura
A urgência infantil de semear luz na
infinidade escura
Autoengano psíquico, superstição cognitiva
O poeta revela, ele sabe: só existe o nada!
Raciocínio, sentimento, paixão: fraude
biológica
Que é trama cerebral a existência, é
mitológica
Entanto, fingi crer na mentira inculcada
Introjetando o absurdo espetáculo, desconexo
Onde tudo o que somos é vertigem e reflexo
A FERA
A fera vem da sombra ancestral
E sua garganta a noite inteira verte
Que a luz envolve e reveste
Bêbeda, regurgita o Mal
Olhos incandescentes, labaredas queimando
De tanto desejar a Morte, que a espreita
Para juntas pregar a guerra como seita
Que é a constante do quando
Seu ódio asfixia a inspiração da Paz
Forjando miríade de grilhões, de gládios
Que fazem das épocas históricas plágios
O Inferno com suas mãos pode. E faz!
Ela quem é, somos nós?
Nossa oculta face, atroz?
ONÍVORO II
Fome audaz, implacável, soberba, profunda
Consciências devoro, civilizações, universos
Regurgito tudo depois, em moldes reversos
E o que a razão aplanava o caos aprofunda
Ó sede inconsciente, primitiva, sede de morte
Minha sorte é o fim fomentar, e o recomeço
Tudo fenece à minha volta, mas permaneço
Avesso vivo; morro; e tudo pode nascer de novo
A culpa e o medo foram assassinados pelo
desejo
Absolva-o que ele é a força vital da natureza
A outra face voraz divina infernal da Beleza
Fome, sede, desejo põem-se a inventar o ensejo
Dê-me um segundo e faço tremer a Eternidade!
Um punhal para cravar no coração da Verdade!
DUAS ESTÓRIAS DE AMOR INDELÉVEL
Qualquer instante guarda a eternidade em si
Porque nele sussurram as vozes das infinitas
coisas existentes
Decorrentes de outras infinitas coisas já
extintas (na verdade, não extintas, mas que se transformaram, apenas)
E fonte das outras coisas que haverão de
existir ainda, numa interminável, irrefreável e inter-relacionada cadeia de
causa e efeito, a maior de todas as belezas físicas
Todo instante marca indelevelmente a memória
do tempo, o corpo do espaço, que são o verdadeiro Deus a venerar
Um dia saberemos acessá-los: tempo, espaço,
Deus, e todas as verdades, enfim, nos serão reveladas, dentre as quais, o
Absoluto, que, ou se redescobrirá relativo ou nós nos redescobriremos absolutos
A eternidade, portanto, são infinitas ondas de
eternidades que se complementam, ondas passageiras e evanescentes, como o
instante, que é eterno e infinito, porque encerra tudo: todo o antes, todo o
depois
Que amantes apaixonados a eternidade e o
instante!
*
O pensamento é infinito
E quanto mais o pensamento percorre os
labirintos cerebrais, mais e mais alarga todas as fronteiras, inventando outros
universos; igual à luz, quando se espalha, revelando tesouros de cores e formas
Mas é só fátuo lampejo o pensamento quando o
pomos em modelos, vulgares arquiteturas de números e palavras, porque o
pensamento só é infinito na mente, porque esta é infinita, integrada à pura
energia universal, e dela à linguagem quase tudo se perde, irremediavelmente,
ou torna-se sofisma ou poesia medíocre
Quanto maior é o pensamento mais ele
Repousa nos olhos
Silencia nos lábios
Arde no peito dos que o concebem (e,
reciprocamente, são concebidos por ele)
O maior pensamento, o pensamento infinito não
pode ser traduzido porque é um tipo de “sentimento”, só podendo ser
(com)partilhado entre almas
Que amantes apaixonados espírito, mente e
pensamento!
REMEMORO A INFÂNCIA...
Rememoro a infância... Deus, onde a guardou?
A criança que fui, repleta da doce inocência,
existiu?
Ou apenas miragem que na alcova do Tempo
dormiu
Entre as agônicas sombras que Ele sonhou?
Doce é também a consciência que temos da morte
Porque bálsamo se faz contra as dores do mundo
Ponte para um esquecimento sereno e profundo
Visto que o perene é a matéria e só o crê o forte
No instante que se esgota, coisas aos milhões
desvanecem,
Consciências e mundos. Deus quer que elas
cessem
Apenas Ele, absoluto, comporta outro sentido
Segue o humano, assim, sôfrego do tempo
presente –
Essa ilusão dos sentidos. Fingi crer, mas
pressente
Que não há glorioso destino que lhe seja devido
QUISERA AMAR-TE
Quisera amar-te comedidamente
Com hora marcada e a luz apagada
Cheio do casto pudor de antigamente
Sem arroubos românticos
E copiosas lágrimas de ciúme...
Amar-te mansamente, sem os carrosséis de
emoção
Dos aficionados em paixão
- essa convulsão dos sentidos
Sem ramalhetes de rosas
As insinuações dolorosas
E os pratos no chão partidos...
Amar-te racionalmente
Como quem quase finge o que sente
Sem poesia, sem saudade, sem plenilúnios à
beira-mar
Sem acordes de um violão...
Quisera amar-te
Como uma simples troca de favores à
meia-noite:
O mercantil romance finissecular...
Mas tal amor, querida, eu nunca poderia dar...
PRESO
Preso
Ao Big-Bang
A este universo
Às leis da física, química, biologia
Aos acontecimentos fortuitos que deram origem
à vida
À evolução da vida e suas leis intrínsecas
Às particularidades da minha espécie, da minha
vida e seus determinantes orgânicos, mentais, psíquicos
A um Deus que me invento e seus mandamentos
A um Deus que se inventam e seus mandamentos
A este tempo, a este pedaço de século, sua
técnica, tecnologia, moral, ciência, filosofia
A este sistema socioeconômico e suas
contradições frementes
A esta pátria e língua
A este corpo e mente
Aos genes dos meus avoengos e suas mutações
aleatórias
À cultura,
À personalidade
Aos Fatos Sociais
Às variáveis estocásticas que me fizeram quem
não sou
Aos meus sonhos e medos, desejos e delírios,
fracassos e gloríolas
A estas pessoas, às prisões destas pessoas, à
loucura destas pessoas
A esta vertigem e a esta dúvida metodicamente
martelada: existimos, de fato?
Não obstante, LIVRE! LIVRE para renunciar a
tudo.
E até nisso, preso: preso ao livre-arbítrio,
dádiva (e castigo) de Deus aos homens
Livre para renunciar a tudo!
TEU OLHAR
É teu olhar que lança ao frio e negro
firmamento
A energia, o ardor, a luz que o vão
despertando
Nele, a infinita amplidão cabe num momento
E, um ao outro, instante e eternidade estão
amando
Teu olhar é também uma súplica ao vento
Sussurrada pelo exangue moribundo, quando
A Dama Negra nele fixa seu olhar sedento
Teu olhar é também dor e mágoa castigando
Teu olhar é a Paz (quase nunca o nosso
intento...)
Janela onde vemos o Cordeiro as virtudes
alentando
E extasiados de beleza olvidamos o destino
violento
Teu olhar é uma pungente dor secreta,
lancinando
Que provoca multifárias explosões de
sentimento
Vendavais de poesia, ondas de paixão e de
tormento
BRASILIDADE
Nossas múltiplas raízes, profundas e diversas
Que a longínquas plagas e tempos remontam
Reminiscências ancestrais assim nos contam
Da cultura de civilizações vivas e dispersas
As etnias ibéricas no sangue amalgamadas
Seus credos e valores, nossa plástica moral
O pecado primitivo e o paradoxo nacional:
Defeitos hediondos e virtudes afamadas
Subsistem n´alma visões de um mítico oriente
E de traços setentrionais longevas inspirações
A galhardia negra e índia também é presente
Matriz das nossas controvertidas paixões:
Fincadas no inconsciente, a ganância e a
luxúria;
E o Amor, da herança se opondo à parte espúria
POEMA SÁFICO
Delicados afagos azuis, teus olhares me
aquecem,
Confortam; a ti descortino meus multifários
arcanos
Para que chores em silêncio comigo meus
desenganos
E te rias das alegres virtudes que me
convalescem
Suaves brisas cariciosas, tuas mãos me
conhecem
A toques tímidos; levam-me ao limiar de
reluzentes anos
Onde teus lábios noites viris me farão
esquecer e seus danos:
O golpe dos brutos, que até hoje meu corpo e
alma adoecem
Teu corpo, virgem enseada para aportar Titãs;
entanto,
É divergente no desejo; aspira por igual
arquitetura:
Templo de prazer sem contraste, só amena
ternura
Teu espírito, diamante lapidado com lumes de
encanto
É poesia transbordando no seio de cada
sentimento
Uma que só o feminino pode ler com
entendimento
O TROCO
Fingir
Sujeição
Aspirando
No entanto
À ação
A voz
Recolher
Humildemente
Pôr-se calado
Até soar
O canhão
Na forma de brado
Cogitabundo
Em sua aurora
Dizem-no triste
Mas prepara
Entrementes
O domínio das mentes:
Mil argumentos em riste
O corpo torturado
Não a alma: intemerata
Sem cortes, sem sulcos, sem data
Quebrantado
Agora
Mas forja-se
Na fornalha das horas
De sonhos
Fendido
O peito
Mas segue multiplicando
A carne no leito
Dócil, segue
Transigindo
Para que tudo se vá convergindo
À revelação do segredo:
Não tem mais medo
E os inimigos
Desapercebidos
Zás!!
Estarão mortalmente feridos
AOS ESCRAVOS DE TODOS OS TEMPOS – I
Antes, a corrente gravava na carne sua
insígnia
Sabiam-se os algozes, binária a lógica do
mundo
E houve até escravo idealista que, meditabundo
Sonhou e levantou-se para pôr fim a tanta
ignomínia
Mas fracassou... Hoje, o grilhão também é
ideal:
Com boa indumentária escravo há que se crê
liberto
Não é senão autômato que representa a cada
gesto
Grotescas personagens de um Espetáculo brutal
E os há ainda escravos como na Idade Antiga
A pão e circo, eterna via-crúcis de
humilhações
Massa amorfa condicionada à miríade de prisões
Qual símbolo, que face representa a hoste
inimiga?
Toda ideologia pulverizou-se: grito perdido no
vento
E todo idealismo resume-se a um ineficaz
lamento...
AOS ESCRAVOS DE TODOS OS TEMPOS – II
No escravo, o fogo que sublime e feroz
fulgiria
Arrefece e é cinza ante o silêncio e o medo
Carrascos que lhe impõem miserável degredo
O de si mesmo; e ele acata quando
subverteria...
Dê escravo ao seu alquebrado coração um
lenimento
Creia no sonho que lhe faz humano e creia no
desespero
Reúna as suas dores e delas ergue um homem
inteiro
E lute para ser livre, que é o único
sacramento
Diversa Roma se nos impõe (quantas ainda
sobrevirão?)
A de Enéas tremeu ante o braço viril da
escravidão:
Spartacus! Epopeia escrita em sangue, libelo
Contra um mundo que flagela qual pesadelo
Sonho épico alastrando-se no invisível do ar
Com a imorredoura canção da liberdade a ecoar
BRASIL
Pungente mosaico de contradições não
resolvidas
A pátria amada sonha o ideal da justiça e da
igualdade
Atormentada pelo passado, do porvir tem
saudade
Mas lá também suores de Hercúleas lidas
Hesitante e trôpego, o colosso com passos
vagos
Percorre a trilha de seu histórico e cruel
labirinto
Junto a si o povo que erra deserdado e faminto
Ainda esperando a utopia e seus cariciosos
afagos
Civilização tropical portadora da áurea
promessa:
Inventar uma existência feliz, produtiva e sem
pressa
Todavia, tal primavera é apenas botão neste
instante
Mas que há de mudar em idílico jardim de doces
frutos
Que este povo heroico já não tolera o açoite
dos brutos
E uma elite venal de seus ideais dissonante
SOBRE UM TEMA DE TORQUATO NETO
Eu sou como eu sou
Poeta
Traduzindo com a verve
A meta
Que o caos traçou pra mim
Por todos os meios
Até meus fins...
Eu sou como eu sou
Cobarde
Hei de abrandar o sol
À tarde
Também à luta
Me visto
Agarro-me aos sonhos
Que a mim mesmo imponho
E insisto...
Eu sou como eu sou
Debalde
Não me corrói o peito
Saudade
Deslizo nas vagas do
Vinho
Deliro nos braços da noite
Sozinho...
Eu sou como eu sou
Paladino
Dobrando o sino
Das revoluções
Extemporâneas
Preparando nossos corações
Para as guerras e para as manhãs
E louco
Rouco de bradar veleidades
Porque pouco capaz de saber
Das Verdades
E do Amanhã...
SEM DÓ, A MORTE O HOMEM DESMASCARA!
Sem dó, a Morte o Homem desmascara!
Olhai esta bela jovem, a se decompor
Ontem, lânguida de desejo se entregara
Ardente e sussurrante ao deus Amor
Sonhos puros, nada ainda os maculava
Lembro de seus olhos noturnos, amanhecendo
Num esplêndido dia, cujo fulgor auxiliava
A humanidade a convalescer da hipocrisia
Seus sentidos lançados aos pedaços
No silente enigma da física atômica
A inteligência, de habilidosos laços
Tragada numa vertigem astronômica
Espelho implacável, a Morte revela
Nossa face de fragilidade e impotência
Agora, dai-me licença, vou acender uma vela
Ajoelhar e chorar junto ao corpo dela
DOIS POEMETOS
1)
Antes que o sono venha
A romper a veia
Da memória
Visto-me à vitória
Antes do crepúsculo
Treino o músculo
E a mente tímida
Para desarranjar lógicas
O frio antes de me gelar a veia
Embriago-me do sol
E de sereias
Nos olhos, a urgência dos tempos
E dias de enfrentamentos
2)
Ascende o sol nas retinas
Repletas de amanhãs
E manhãs cristalinas
Arde a flama olímpica
No coração
Imaginar
Nova estação
O olor inebriante
Das primaveras
Toma-me celeremente
À alvorada da mente
As culpas, os medos
O medo da morte
Fenecem
O que era silêncio
Transmuta-se em melodias
Às vibrações de outros dias
Assim, ouso o sonho
E como um pedreiro
Ergo a própria obra
E a obra coletiva
Tudo que é sublime
Imprime-se nos atos
De fé e ousadia
DOIS POEMETOS
1)
Viver integralmente
A própria finitude
Viver e morrer tudo
Dentro e fora de tudo
Ser o suave e o rude
Perseguir a totalidade
Da própria incompletude
Tudo nutrir e secar
Tudo sentir e negar
Até a grande solidão
Ataúde
Morrer
Na fugaz
Eternidade
Das horas
Renascer
Na aurora
Do íntimo
Mistério
Ser mais torto e reto
Amiúde
Sonhar (-se)
Ensandecido
Esquecer (-se)
Ser esquecido
2)
Só o silêncio a ser dito
Num surdo e estático grito
Nada a viver, mas a morte
Íntimo consorte
Desflorecer a aurora
No insulamento da hora
Nada a urgir na consciência
Castrar a concupiscência
Cultuar humanos flagelos
Olvidar ingentes anelos
Cingir-se ao deletério
Leve
Repousar
Nas asas do mistério
ÀS PUTAS
Saciado na ciência de um leito multitudinário,
Esquivo-me da virgem presunçosa que me
pretende
E rio-me do pregador hipócrita que defende
A supressão deste prazer consuetudinário
Porque menoscabar uma multimilenária ocupação?
Acaso sabe a dama o que sabe a mulher do
arrabalde?
Acaso não nos deixam mui contentes, com
saudade
E revigoram os liames da mente e o coração?
Soporífero quanta vez o regaço da jovem
virtuosa
Melancólica pode ser a castidade, acre e
fatigosa
O que de infame haveria em amar com as putas?
Também elas rezam, como nós, antes da labuta
Também filhas de Deus, como a rainha da
Inglaterra
Ora, e no fim não vamos todos namorar a
terra?!
VIDA!
A vida é o paradoxo do entendimento!
Vede! A beatitude e o horror congraçados
Dialética e imortalmente irmanados
Artífices do humano experimento
A hecatombe, o holocausto do sentimento!
Delitos, perfídias, culpas nunca expiados
Sonhos e paixões e ideais conspurcados
Num turbilhão de incognoscível movimento
Uns desfolhando os planos malogrados
No doído escaninho do esquecimento
À cruz dos severamente castigados
Só misérias, só padecimento
Outros, de casto lume embriagados
No ingênuo, fútil, tolo alheamento
Das almas e dos corpos saciados
Por graça de um vil sorteamento
ADMIRÁVEL MUNDO NOVO
Deus e o diabo somos nós, irmãos humanos
Nossos desejos viscerais, contraditórios
De resultados luminares e proditórios
Imensuráveis amores e ódios levianos
Adiante, no entanto, o além-do-humano
Quando toda miséria é mero palpitar surdo
E a dúvida é extinta, que banido o absurdo
Da Civilização, já liberta de todo engano
Mas lá, quando traduzido o arcano derradeiro,
Que se imaginará? Todo pedaço será inteiro?
A onisciente e estéril satisfação
tecnológica...
E impregnados da nova, pura e voraz lógica
Nossos herdeiros, deuses inúteis, embriagados
Na perfeição fastidiosa calarão, entediados...
PEQUENO POEMA DE INSURREIÇÃO
Desfaz-se neste meridiano a aurora
Remodela-se o homem ante uma diversa realidade
Já vejo vir batalhas ardentes e fatais
Que só travam aqueles que ouvem
A própria voz e ousam
Vitórias, derrotas... Batalhas
A obra a compor
Nenhuns outros passos: ao leste
A ausência cumprida
Sepulto-a nas margens de remotos rios:
Serenas lembranças da inocência
Nesta hora, o aço! O golpe do braço!
Retomar a ponte desfeita
Abrir portas para o mundo
A lida única que me ensinaram os pais que tive
Capitulei, mas basta!
Ao cume do Olimpo
Roubar o fogo divino
Outra vez
Sonhando em fazer amanhãs
Com vocês
PEQUENO POEMA DE SEPARAÇÃO
Corpos que não se entregam
Olhares oblíquos ou indiferentes
Rostos lívidos de cansaço
Mãos distantes, severas; o toque é acidental
O ninho de amor está frio
Agora, só reminiscências, só saudades
A casa é um relicário de imagens:
Fantasias sepultadas, filhos proscritos
Aquelas viagens inesquecíveis nunca feitas...
No leito do amor de outrora
Silêncio tumular entrecortado
Por prantos ressentidos
E ásperos solilóquios
A vida parece arrastar-se
A hora parece arrastar-se
Antes, o tempo era regulamento conservador
Para os apetites da carne e o encontro das
almas
É a dúvida, que tudo devasta como fosse
procela
Que lacera como punhal
Tudo foi inutilmente?
A cama compartilhada, os sonhos
compartilhados,
O riso compartilhado?
O espelho partido desfaz a vida em mil pedaços
Lá fora, o mundo é o mesmo remoinho de vidas
Entrechoque de gentes, ódio e carinho
Mas amanhã é outro dia
E tudo pode recomeçar...
SONETO DA ESPERANÇA PASSIVA
A esperança invade a veia do povo e o
embriaga,
Como uma noite que obscurecesse seu
entendimento.
Esperar?! O derradeiro, quiçá o fatal
movimento
De uma hoste que o medo arrefece e esmaga.
A eloquência do líder a alma do povo afaga.
Mas, que palavras realizaram que sonhos?
Palavras são artifícios pueris e enfadonhos
Com os quais fingimos mitigar nossa chaga!
É verdade que tua hora sussurra na brisa,
Sul-Americano.
Teu olhar, férrea hematita, mira uma
civilização tropical,
Onde a igualdade, áureo sol, irradie todos os
dias do ano.
Mas como? Se a sujeição ao divino te faz
prescindir do real;
Se crês ser teu líder alguém infalível,
sobre-humano;
E abdicas do próprio ideal, que é cabal, sem
engano...
LIVRE NASCESTE, MAS QUANTOS TE ALMEJAM
ACORRENTADO...
Livre nasceste, mas quantos te almejam
acorrentado!
Estupefato com o drama humano, abúlico, inerte
Esquecido de que o sangue esquenta nas veias e
ferve
E a reação é legítima contra os que te têm
açoitado
Resoluto nasceste, mas quantos te querem
claudicante!
Porque previsíveis teus movimentos não
surpreendam
E os pensamentos tímidos, pueris, não
transcendam
A lógica inimiga; um débil, venal, mendicante
Projeta o status quo curar-se das células
cancerosas
Para que tudo opere num certo intervalo de
confiança
Onde se evite súbitas sublevações morais
perigosas
Tua nova visão, supremo ideal, revolucionária
ânsia
É o câncer temido (embora estejas só, por
enquanto...)
Mas é fatal mudares teu choro em magnífico
canto!
T I T Ã
Céu e Terra certa vez, e com ardor, se amaram.
O fruto, virtude celeste, força telúrica, é
Titã
Empenhadíssimo em conceber o amanhã
Com verdades que milhões não decifraram
Nas fibras do seu coração vicejou inabalável
afã:
Derramar luz em sendas que se conspurcaram
Sanar as mentes que as trevas deturparam
Para a existência arder lúcida, cabal, sã...
E os pusilânimes, os ignaros dele duvidaram!
Não sabiam que proviera de atemporal clã
Cujos antepassados são deuses que sempre
conquistaram?!
A boca seca da invídia lhe disse: tua intenção
é vã!
Como? Se nela inteligência, força e ousadia se
mesclaram
Produzindo êxitos que a Céu e Terra já tanto
orgulharam!
PARA ARTHUR RIMBAUD
O desregrar-se: tua mira,
Alvo só por ti subjugado.
Foste um recriar-se dia-a-dia,
Recriando-se te fizeste mito raro.
Dos covardes acentuaste a hipocrisia,
D´outros, a candente invídia temperaste.
Qual ventre ornou-te de ousadias,
Mas descuidou-se dos excessos aparar-te?
Anjo & Demônio, belo torto,
Bateau ivre em amores puros e violentos.
Visionário do sol, em longes mares absorto,
Precursor de ignotas estradas e alentos.
De poder impossíveis, tu brincaste,
E os fez, avidamente, timoneiro-mor.
Sobre os alvos pés a Poesia dobraste,
Que em tua alma ébria foi maior.
Inda precoce imberbe (fugaz fulgir),
Cansaste do vigor dos versos singulares,
Abandonando órfã a Poesia, a desflorir.
Arte, pátria, amor, não eram mais teus lares.
Urgia da ágil sina provar os mil sabores,
E então andarilho, traficante, hippie
pioneiro.
Perdeu-te o mundo, perdeu-se alhures,
Dormindo para repousar no Olimpo, altaneiro.
M U S A
Chamar-te no calor da noite
Que a ausência é um açoite
Desvelar com afã juvenil
Teu corpo primaveril
Amar-te nas chamas da cama
O sol de quem ama
Devorar-te a carne na fome
Esse desejo do homem
Beber-te toda na sede
Teu suor, tua seiva, teu leite
Aquecer-me entre teus polos
Alvorecer em teu colo
O PASSAGEIRO DAS HORAS
O Homem é consciência de si próprio.
Auto-caritativo, faz nascer do vazio que lhe
cerca os fantasmas sagrados de um Deus humanado e de um Homem deificado.
Tolamente, ignora, ou talvez apenas finja ignorar, que o vazio que lhe cerca e
que lhe oprime é o deus a venerar, a beleza da sua humanidade, o sentido da sua
hora, a poesia pungente da sua vida.
O Homem é o único mistério (teoriza outros
para esquecer sua confusão e solitude).
Caminha, tropeça, levanta-se. Resiste.
Bêbado no eterno embate entre a aceitação dos
fatos e sua negação.
Pergunta-se sem obter respostas e segue
carregado pela grande miragem das horas.
No cimo da jornada, pranteia, saudoso do tempo
ido, e mergulha outra vez no leito eterno, que é o nada.
Nasce só, vive só, morre só.
Escravo da sua inteligência,
Num golpe de autoengano,
Elabora respostas para seu enigma
Enquanto intoxica-se com todas as ilusões que
inventa:
Amor, dinheiro, poder, religião,
conhecimento...
Mas é simplesmente pó!
Olha-se no espelho e, comovido,
Relembra a paz do útero materno,
E o amor incondicional da tenra infância...
Sonhos passados, levados pelas vagas do
tempo...
A íntima dor humana é a morte:
Pesadelo e angústia dos vivos
Abismo que nos espreita, sorrateiro
Dor que confrange o peito
Hino que cantamos de cor
Fado inexorável
O medo da morte é uma paixão humana
A condição do Homem é um duplo:
Sopro de luz e treva
Padecimentos e delícias
Fugas e enfrentamentos
Acaso é a lei da vida
Acidente no percurso da matéria pelos espaços
inauditos...
FRAGMENTOS POÉTICOS
Quem ama esquece a vida
Refém da cruel desdita
A hora, o mundo, a lida
Esquece-as. Todas malditas...
Quem ama só lembra a ida
Ao Hades, resgatar Eurídice
Enquanto no mundo a ferida
Gangrena, que alguém lhe disse...
O amante só vê o vazio da cama
Entregue a seu sonho particular
Fazendo o mundo esperar
Até conquistar quem ama...
O amante enxerga o mundo em calma,
Sem contradições; nas teias da própria trama
Se enlaça; só ouve os lamentos d´alma
Atordoado com seu miserável drama...
FRAGMENTOS POÉTICOS
A cólera do homem cairá
Cedo ou tarde sobre o homem
O sonho humano intervirá
Cedo ou tarde na história
Sonho e cólera, confundidos
No fim, homens para si
O homem matará o homem
O homem salvará o homem
Encetará outra história
Sem a mácula da lágrima dos inocentes
Proscreverá as lutas fratricidas
O novo homem a aflorar
O homem e seu sonho
Reviverão
A ira humana espreita
Entre o caos e a perfídia
Tremei homens-moeda
Rostos sem face
Urubus na nossa arte
Temei
Da história esta a nossa parte
FRAGMENTOS POÉTICOS
Para qual esfera resvalou o instante,
Miragem fantasmagórica da consciência?
Vindo do nada que houvera antes
Urdindo o vazio da impermanência!
A fragílima contextura do agora,
Sombra informe, delirante, acuada
Quando irrompe, morre; implora,
Mas não poderá ser prolongada!
O momento é néctar e veneno
A vida, sensações em convulsão
Então, torna teu drama ameno
As coisas não foram, nem serão!
ANTI-HERÓI
O anti-herói, inebriado de lânguida preguiça
Nauseado com a futilidade da lide ignominiosa
Permite-se não sucumbir à sina tão odiosa
E se espalha no leito e grunhe e se
espreguiça...
Acorda, sem pôr-se de pé: é o peso da
cotidiana azáfama
Mas que ninguém lhe vá discursar sobre o labor
urgente
Que sonha ser filosofia e arte o nobre destino
da gente
“Dinheiro pra quê ou poder?”, prefere as
coisas diáfanas...
Mal reputado e falido, o anti-herói parece em
paz!?!
Que de muito errado haveria com ele? Néscio?
Louco?
Por que o tudo pra tantos pra ele é mísero e
pouco?
Não está no script desdenhar assim de
paradigmas assaz
Consagrados! Mas vejam: mãos dadas com o Zé
Ninguém,
Meu Deus, parece-me ver a Verdade indo com ele
também!
A DESCENDÊNCIA DE ADÃO (OS EXCLUÍDOS DO
PARAÍSO)
Inspira o império dos sentidos, expira
delírios
Sonha, pensa, age, teima ter nas mãos sua sina
Inda crê na sucessão da esfera telúrica a uma
divina:
Remissão das culpas, compensação dos martírios
Abandona-se ao cio das prostitutas beleza e
vitória
Sorvendo seus corpos e almas com insopitável
luxúria
E violenta a verdade e a honra com beligerante
fúria
Depois, brinda à morte com o sangue venal da
glória
É libertino, mau-caráter, implacável, fereza
bruta
Desde que o mundo é mundo e o homem, gente
Profusão de talentos, mas flagelo de cobiça
ingente
É o crucificado também pregando o que ninguém
escuta...
Psíquico, moral e genético mosaico de
recônditas partes
Dia e noite confrontando-se em fatais fins de
tarde...
É UM MECANISMO DE DEFESA HUMANO...
A vida dói sobre os ombros
Pesa insuportavelmente sobre os sonhos,
sufocando-os
Degenerando-os em pungentes exercícios de
imaginação: o que teria sido e não foi...
Também as horas desfazem nossos corpos e
mentes
Tornando-os horrendas caricaturas de si
mesmos...
De lágrima em lágrima a dor e a decepção
corroem nossa orgânica estrutura
A fé a perdemos ante o inexplicável do caminho
A calma, a dignidade as vendemos ao mercado
pela subsistência ou por 15 minutos de fama...
Entretanto (é contraditório, é paradoxal, eu sei)
Cada centelha de tempo que se apaga
Cada suspiro que nos escapa aos lábios
Cada dor secreta que violenta nossa frágil
alegria
Correspondem a um ânimo, a uma vibração que se
vão acumulando em nossas asas imaginárias, sim, nas descomunais e vigorosas asas
que nos inventamos
E assim, quanto mais o inferno puxa-nos para
suas profundezas mais o céu abre-se para nós como nossa verdadeira moradia
É um mecanismo de defesa humano...
Cada vez que a vida apunhala-nos no peito e o
tempo sufoca-nos a garganta e o mundo ata-nos os membros
Simplesmente renascemos, ressurgimos maiores,
melhores, mais gloriosos
Abrimos nossas asas e planamos feito águias
Feito anjos: exatos, puros, incólumes
Mais distantes da mediocridade terrenal
E assim vencemos a dor, o cansaço, a doença
Como uma mágica de cunho filosófico,
existencial; uma mágica simples e perfeita; se preferir, pode chamar de a maior
alquimia humana, que transforma raiva, medo, frustração em arte, renovação,
solidariedade
Quanto mais a vida quer dobrar-nos no chão
Mais alto, mais longe alçamos voos na amplidão
É um mecanismo de defesa humano...
FÉ!
Qualquer coisa sobrevirá a nós
O que é, esvaecerá (terá sido?)
Dos silêncios atemporais à voz
Da consciência, daí ao desconhecido...
Qualquer nascente descansa em foz
Indo, o rio consome, é consumido
As civilizações estão sempre a sós
Plantando o que outras terão colhido
Mas alguma coisa humana quedará
Inoculada nas trilhas do Tempo-Espaço
(como o solo, que marca a força do passo)
O que será? A fé! Que percorrerá
Múltiplos e amplos nadas do universo
A arrebatar-lhes o tudo submerso!
A PAZ
Sereníssima imagem da justiça e candura.
Anjo adorado que sob suas cálidas asas
Dar-nos-ia abrigo e desfaria as mágoas,
Dirimindo a vontade cruel e mais dura.
Perseguida, porém, agoniza em sua cela,
Por escravos do ouro e da guerra golpeada.
E os Arautos do Apocalipse, em cavalgada
Avançando contra a ideia humana mais bela.
Cordeiro humilhado, arrastado à cruz
Por implacáveis soldados da morte: panteras
De sépticas garras, que infeccionam as eras,
Erguendo urbes sem alma e templos sem luz.
Trabalho de Sísifo, das Danaides.
Paixão volúvel, fantasia romanesca.
Fruta que estragou antes de fresca
No estéril jardim da Humanidade!
ENTRE OS OPOSTOS EXISTE UM ELO...
Entre os opostos existe um elo:
Ímã pondo a convergir suas essências
E um recíproco e apaixonado anelo:
Entre si exaurir suas potências
Mas entre eles também existe o regelo
Da dessemelhança, cego às mutuas querenças
Um insubsistente e sempre olvidado zelo
Refém de ódios erguidos de ignorantes crenças
Já entre os iguais cristaliza-se o flagelo
De tabus imemoriais, empedernidos:
Resquícios de tempos já consumidos
Mas entre eles também resplende o belo
Fundamentado na glória dos ideais atingidos
E numa paz perpétua, sem vencedor ou vencidos
E P I T Á F I O
Os últimos suspiros de uma era!
Tudo é sombrio, ainda amalgamado
Mas, um pútrido odor na atmosfera
Nos dá a antever o triste fado...
Já caduco, o paradigma degenera
Demora, mas se exauri; tombará calado
Como o velho, sabendo o que o espera:
O inexorável instante, sempre evitado...
A evolução impõe sua lógica; é fera
Cuja fome tão cedo se terá saciado.
Sua vítima, o humano, desespera...
“E a consciência, seu ideal tão elevado?”
Pudéssemos permanecer... Ó quem dera!
Mas, vestígios de um império soçobrado...
NORMINHA
(para minha mãe)
Nossos momentos: suaves encantos, com tua
presença
Acolhidos em ti, revigoramos na beatífica luz
dos teus círios
És rara: a que transfigura em sonhos duradouros
martírios
Fortalece o corpo e a alma e ajuda a debelar a
doença
Difícil nos é decantar tuas virtudes
condignamente
Já a Graça Divina, de forma cabal o fará, no
infinito
Porque és discípula fiel daquele que fez do
amor o seu grito
Com Ele tendo o bem aprendido, que fazes
silenciosamente
Tua suavidade é fortaleza e teu silêncio,
congraçamento
A empatia te guia na heroica missão das almas
caritativas:
Adentrar as celas em que as pessoas padecem
cativas
e, como um Héracles a libertar Prometeu,
dar-lhes alento
Erguer-se como diante do mundo sem tua coragem
Que nos sustenta com profundas lições de fé e
amor?
Não é o elixir das tuas palavras, ensinando o
destemor,
Que nos tem salvaguardado nas intempéries
desta viagem?
Nosso anjo da guarda! Cálida morada de luz e ternura!
Perenal sol que nos impõe continuar
florescendo,
Cujo calor impede nosso ânimo de ir
decrescendo
E nos levanta para desafiar e vencer a
amargura!
FRAGMENTOS POÉTICOS
sim, meus amigos
é verdade
cansei-me de mim
cansei-me de mim
irremediavelmente
também, se me permitis
cansei-me de vós
daquelas cenas banais
que representávamos
cotidiana e desafortunadamente
sim, meus amigos
cansei-me de vós
irremediavelmente
decrépita a antiga face
cegos os velhos olhos
muda a boca senil
superados os temas da remota personagem
sepulto-os num cemitério de memórias
a exaustão também chegou às vossas partes
cenas que cumpristes sempre diligentemente
e que cumpris ainda
mortificados
de quando em quando
mundo, gente, é urgente sermos outros
viver a mesma vida cansa
mudança é a constante na matemática do tempo
o que me é posto agora é renascer
profundo mistério
e sentido da nossa natureza
do pó ressurjo, mitológico
avançando no curso ontológico
desse rio
A MORTE
Eterna como o Tempo, a Morte
Aguarda, mas não tem pressa.
Degustando a doce infinidade,
A lida é sua distração, que faz sem maldade,
Posto que nas leis do universo impressa.
Revolucionária ideia do Criador, a Morte
Tem fome; serena, mas sempre atenta...
Opera entre os tempos – presente, passado, futuro;
Ela é o éter invisível e o golpe duro
Que a todo nosso destino orienta.
Disputa com o Acaso, ciumentamente,
Do universo o posto de melhor operário.
Juntos vão transformando tudo, o mundo -
Em um milhão de anos ou num segundo,
Num turbilhão renovador e sanguinário.
Com ouvidos aqui e alhures, a Morte
Tudo sabe – é vital a informação perfeita
Para sorrateiramente executar sua lida.
Sua obra-prima é nos arrancar a vida.
Cumpre a missão a qual foi por Deus eleita.
Com olhos onipresentemente, a Morte
Nos vê a todos – e quando vê, deseja.
Também a vi, de relance, no espelho; aí eu soube:
Esse simulacro de vida foi o que me coube...
Agora é tarde. Deus, perdão! Que assim seja!
SERVIDÃO!
Existo?
Existo conscientemente?
Sou verdadeiramente consequência da minha
vontade?
Ou sou a sombra, o reflexo de uma outra coisa?
Ou sou a vontade de uma outra coisa?
Sinto que algo perpassa minha existência,
existindo em mim, sem ser eu mesmo
Este algo alimenta-se de mim, como um parasita
Este algo me tem, mas eu não o tenho, nem sei
sobre ele
E se este algo me deixa acreditar que existo,
que tenho consciência, isto é, que faço escolhas, que quero isto, não quero
aquilo, que amo este e odeio aquele, que concordo com isto e discordo daquilo,
que sou filosoficamente livre?
Que algo seria este?
Escrevo esta reflexão porque quero?
Fui eu quem decidiu fazê-lo, realmente? Ou
miríade de fatores misturam-se para que, enfim, eu sentisse esta reflexão, eu
pensasse esta reflexão, eu fizesse esta reflexão?
Mas sou eu mesmo o seu autor?
Escrevo, leio, vivo, amo, mato, morro, porque
quero, ou querem por mim, porque decido, ou decidem por mim? Mas quem quer por
mim, quem decide por mim?
O que quer de mim, tal demônio?
Talvez eu seja uma simples fachada, veú
encobrindo o verdadeiro espetáculo, onde tudo se dá, onde todas as decisões são
efetivamente tomadas...
A abscôndita realidade do mundo...
A abscôndita verdade dos fatos...
E se a verdade estiver para além de mim mesmo,
da máscara do meu rosto, da capa perecível do meu corpo, e se estiver mesmo
além das elucubrações da minha mente, que se julgava livre e autônoma para
pensar e refletir, mas que, na verdade, não é?
Há algo de errado...
O quê?
Aonde?
Uma fissura no bloco monolítico da Grande
Mentira (a Vida), da Grande Ilusão (a Consciência), deixa escapar a verdade
última das coisas, terrível verdade:
há sérias dúvidas sobre sermos livres,
autônomos, auto-determinados
Minhas escolhas refletem o livre-arbítrio da
minha ética pessoal?
E se as minhas escolhas, todas elas, todas
elas, apenas refletirem a bioquímica cerebral, e nunca meus cálculos racionais,
meus sentimentos mais profundos, que são meus desejos e minhas aspirações?
E se eu não sentir o que sinto?
E se eu não pensar o que penso?
E se eu não existir autonomamente?
E se não sentirmos o que sentimos?
E se não pensarmos o que pensamos?
E se não existirmos autonomamente?
E se o livre-arbítrio for a mais cara ilusão
do Homem?
O Homem, que já se achou o centro do
universo...
O Homem, que já se pensou filho dileto de um
Deus criador do universo...
O Homem, que já se acreditou livre e
auto-determinado, senhor de si...
Quão tolo pode ser o Homem...
Assim, a liberdade não é mais que um sofisma
Em nossa essência há um escravo resignado com
sua condição vegetativa e que inventa belas histórias para si mesmo na
tentativa desesperada de tornar sua obscura existência menos sombria e
miserável...
Mas a verdade é que um totalitarismo invisível
nos governa a todos
e semeia em nossas mentes a falaciosa idéia de
que somos livres
Mas não somos!
O que sou?
Animal-máquina sem alma, passível de
programação e condicionamento, escravizado por laços que eu próprio desconheço,
mero fantoche, autômato, títere, sempre a consequência e nunca a causa?
Mas consequência de que causa?
A química cerebral?
As atividades neurônicas?
O intercâmbio entre sinapses nervosas?
Agora, façamos um exercício lógico: se não
decidi, autônoma e conscientemente, ser o que sou, quem eu sou, é razoável
pensar que ser mudarmos tal ou qual variável (que obviamente não conheço, muito
menos controlo) eu seria outro totalmente diverso de mim mesmo, poderia ser
tudo o que não sou, sentir tudo o que não sinto, pensar tudo o que não penso,
se apenas mudassem estas tais e quais variáveis... O CAOS! Mudanças
infinitesimais gerando complexidades crescentes, até outros Big-Bangs...
Se eu poderia ser outro qualquer, e outro
qualquer poderia ser o que sou, eu não sou eu, nem este outro qualquer é ele
Concluindo
Tudo que existe é arbítrio, condicionamento,
escravidão
Assim, meus enganados, iludidos, traídos
leitores, nada escolhemos
Somos uma completa fraude; cada um e todos nós
O que somos é pura química, pura biologia,
animais sem alma e sem vontade própria
Não existe escolha. Só destino
Não existe escolha. SÓ SERVIDÃO!
A MARIANE, DEUSA DA LIBERDADE
(inspirado na tela “A Liberdade conduzindo o
povo”, de Eugene Delacroix)
Contra variados óbices inimigos, Mariane
avança
Intimorata, desponta onde a peleja é fremente
Mas não há ferro que fira, voragem que
enfrente
Seu olhar resoluto, seu braço cheio de pujança
Pressente que o perigo lhe espreita, e passa
rente
Pois se esquiva do golpe, ágil, vívida de
esperança
É a mais sublime sua missão; sabe e não
descansa
É o último baluarte quanto tudo parece ser
poente
Ostentando o lábaro, quando o risco é
iminente!
(Quer ser o exemplo: valiosa e inolvidável
herança)
Empunhando inoxidável lança, por amor à gente!
(...)
Depois, volve aos Céus, com a pureza de uma
criança
Emergindo ao olhar a ternura que o coração
sente
Semeando a paz com estes olhos que a tudo
alcança
QUATRO VISÕES SOBRE A VIDA
1)
A
A V
A VI
A VID
A VIDA
A VIDA É
A VIDA É L
A VIDA É LI
A VIDA É LID
A VIDA É LIDA
2)
A VIDA É VAZIA!
A VIDA É VAZIA
A VIDA É VAZI
A VIDA É VAZ
A VIDA É VA
A VIDA É V
A VIDA É
A VIDA
A VID
A VI
A V
A
-
3)
A
A
V
A VI
A VID
A VIDA
A VIDA É
A VIDA É V
A VIDA É VA
A VIDA É VAD
A VIDA É VADI
A VIDA É VADIA
A VIDA É VADIA!
4)
A VIDA É VIRTUAL
A VIDA É VIRTUA
A VIDA É VIRTU
A VIDA É VIRT
A VIDA É VIR
A VIDA É VI
A VIDA É V
A VIDA É
A VIDA
A VID
A VI
A V
A
-
POEMATRIZ - I
(ou PROGRESSÃO)
Minha mente é um software contaminado
Minha mente é um software contaminadp
Minha mente é um software contaminaep
Minha mente é um software contaminbep
Minha mente é um software contamiobep
Minha mente é um software contamjobep
Minha mente é um software contanjobep
Minha mente é um software contbnjobep
Minha mente é um software cooubnjobep
Minha mente é um software cpoubnjobep
Minha mente é um software dpoubnjobep
Minha mente é um softwarf dpoubnjobep
Minha mente é um softwasf dpoubnjobep
Minha mente é um softwbsf dpoubnjobep
Minha mente é um softybsf dpoubnjobep
Minha mente é um sofuybsf dpoubnjobep
Minha mente é um soguybsf dpoubnjobep
Minha mente é um spguybsf dpoubnjobep
Minha mente é um tpguybsf dpoubnjobep
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Minha mfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
Minha nfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
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Minib nfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
Mioib nfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
Mjoib nfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
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POEMATRIZ - II
O SENTIDO POSSÍVEL É AQUELE...
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...QUE EMPRESTAMOS À VIDA COTIDIANAMENTE
POEMA CIENTÍFICO
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PARA AMÉRICO BARREIRA
Verbo impávido, ávido
de vida
Grávido de vívida esperança
Hígida alma de criança,
Mas braço e lide de guerreiro!
Veia cálida, confundida
À história. Veia lança
A semente da vitória: crê
Num homem por inteiro!
A pujança do guerreiro:
Cultivar irresistível crença –
Que o sonho a realidade vença!
O legado do guerreiro:
A vida na sua plenitude intensa –
Esse sonho, essa verdade imensa!
PARA CAROLINA NANAN (E
ALESSANDRA ALENCAR)
Tenho
uma irmã (aliás, duas) que é guerreira
Enfrenta as procelas da vida com sorriso aberto
Não teme nada – o perigoso, o difícil, o incerto
Domando o alazão Vida como amazona altaneira
Tenho
uma irmã (aliás, duas) que transborda galhardia
Em Deus, no Homem, em si mesma cultiva fé inabalável
Enquanto outros se curvam e se calam ante o indefensável
É doce promessa de um novo e resplandecente dia
Tenho uma irmã (aliás, duas) brava e valente
No turbilhão se mantém calma, para o certeiro foco inferir
Por todas e tantas conquistas é honoris causa em existir
Enfrenta os Elementos, os maus elementos, de frente
Tenho uma irmã (aliás, duas) que transborda fortaleza
Se o chão se abre e tudo afunda, ela, como o Desperto, flutua
No palco da vida, com amor, coragem e esperança atua
Revolucionando o mundo com paixões, ideais, delicadeza