quinta-feira, 18 de setembro de 2014

QUATRO POEMAS, por Tádzio Nanan

O HOMEM QUE NÃO ESTAVA LÁ

a casa parece enorme; a cada passo, se estendem os cômodos, se multiplicam os metros, e os vazios se aceleram, como num universo particular; a solidão infinda-se, dilacerando-me lentamente, humilhando minha humanidade; uma imensidão de impossibilidades de afeto, diálogo, amor, esperança
falo fingindo a presença de outra pessoa, falo para ouvir-me, para lembrar que sou gente; a solidão é um sol que dá vida, expande as capacidades imanentes, abre os olhos para uma singular visão das coisas, mas, exagerada, entorpece e exaure, resseca o coração, confunde a mente, limita o espírito
percorro um milhão de quilômetros de pensamentos no espaço de um metro quadrado, quisera percorrer um milhão de passos sem nada a pensar, fruindo o momento
solidão tumular, silêncio cortante, pensamentos tortuosos
existo realmente ou apenas vestígio de algo extinto, sombra do passado? eles existem ou são reflexos de alguma coisa, não a coisa, o pó da coisa, o rastro fugidio da coisa? e se existimos, o fato de que tudo será extinto e esquecido não nos faz mortos e esquecidos desde já, como fantasmas errantes? alívio nada ficar registrado (que assim permitam as leis da física)
bebo água, sem água a gente morre, sem gente por perto morremos também, queria beber gente todo dia, como se fosse água, queria respirar gente como se fosse ar, respirar-se é bom, mas insuficiente, vai-nos intoxicando, precisamos de pontos de vista diferentes, de dialética e oxitocina
entro em meu quarto, meu palco e minha tumba, por onde andam meus sonhos e esperanças? murcharam como eu através das décadas; de timidez ando perdendo a vida, me disseram, não que a vida se importe, não que alguém se importe, eu deveria me importar, mas alquebrado demais para me importar; ouvindo música baixinho, para não incomodar ninguém, passando despercebido mais um dia, um alegre e festivo, talvez pela minha falta; ouvindo música baixinho, e dançando com alguém imaginário, o amor dos meus 15 anos
a casa parece enorme
uma ausência de tudo


LUTAR

Em um mundo brutalmente cindido pela desigualdade
O homem não pode restringir-se ao sonho particular:
Chefiar isso ou aquilo, curtir e gozar; urge participar
Dos assuntos públicos, organizar e lutar com vontade

Em um mundo por massacrante injustiça marcado
Deve-se vestir o uniforme, desfraldar a bandeira, ir à guerra
Contra vetusta ideia que nos assombra, deprecia e aferra:
O todos contra todos; oposto do paraíso sonhado

O homem comum percebe o caos e clama por um ideal
Se padecem os irmãos, como pode descansar à noite?
Não pode sorrir quando em tantos a vida dói como açoite
E essa desfaçatez de se dizer a iniquidade algo normal

Mas, se cada um fizer sua parte, não calar, contra-atacar
Se cada grito e cada lágrima puderem ser vistos e escutados
Mais e mais homens e mulheres se erguerão como soldados
Contra o mal: a atroz injustiça, a desigualdade secular



SERVIR

Servir a si mesmo – que delícia, é um direito natural
Da condição humana, o primeiro e fundamental motivo
Que advém da inestimável e rara consciência de estar vivo
E ser dono dos frutos do próprio esforço laboral

Servir a si mesmo e, desta forma, servir aos demais
Ofereço aos outros um futuro melhor ao pensar em mim
Os interesses diversos se conciliam para operar este fim:
Afluência material, bem-estar, felicidade, paz
Servir aos demais – que oportunidade, é divina lei
Da religião e filosofia, o ensinamento mais sublime
É aquele sopro de ar benfazejo que a todos redime
E no benevolente serviço alcançamos o posto de reis

Servir aos demais e, desta forma, servir a si mesmo
Uma sacrossanta energia me toma, alentando o coração
Socorrendo o próximo, Ele também me estende Sua mão
Me ergue, me guia, me salva de caminhar a esmo


NO CENTENÁRIO DE MEUS AVÔS – AMÉRICO BARREIRA E LAURO MACIEL SEVERIANO, UMA SINGELA HOMENAGEM DO NETO TÁDZIO NANAN

Américo, cidadão destemido, agente da história, apaixonado
Pela vida e pela humanidade, pelo futuro e o debate de ideias
Muitos matizes: intelectual, ativista, boêmio, ser multifacetado
Com a palavra, trilhou seu caminho de lutas e arrebatou plateias

Entregou-se às questões de seu tempo com a inteligência privilegiada
Já com o coração comunista, distribuiu cuidados, doçuras, carinhos
E assim tornou-se uma saudade e uma ideia sempre relembrada:
Uma vida plena é aquela na qual se percorre todos os caminhos

Sua casa, alegre e acolhedora, foi por anos nosso parque de diversão
Quando vôzinho chegando repartia os chocolates, a festa começava
Os primos todos reunidos, tagarelando em vívida confraternização
Ah, nossa infância, saudosa infância, que a vicissitude não maltratava

Lauro Maciel fez-se a si mesmo, como agem os audazes e valentes
Seus instrumentos de trabalho: o esforço, a palavra, a inteligência
Foi jornalista, mas brilhou como advogado dos mais competentes
Exercendo o ofício como serviço, com honestidade e proficiência

Pai zeloso, contra as intempéries da vida, foi refúgio e abrigo
Mente curiosa e resoluta, temperamento afável e constante
Por isso, onde andou fez amigos – dele não se conheceu inimigo
Pequenino no tamanho, na vontade e no caráter, um gigante

Leu sobre tudo e nas páginas dos livros sagazes observações ia anotando
Sua biblioteca e escritório, para mim, jovem leitor, eram templos de sabedoria
Mas não se engane, frequentemente vôzinho Lauro era visto se deliciando
Em Maranguape, no Maguari, em carnavais de transbordante alegria

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