Ele tinha um
olhar vago, triste, que transbordava dor e aflição, como se a vida lhe devesse
algo, como se as pessoas lhe devessem algo. Um olhar de bicho recém-nascido, pedindo
socorro, mãe, lar, carinho, aconchego. Também se via no olhar dele uma raiva dissimulada,
uma fúria contida pela boa-fé da juventude, como se ele esperasse mais do
mundo, como se tivesse sido traído pela sorte, esquecido por Deus, a quem,
mesmo assim, sempre recorria em preces, crédulo.
Além disso, vi
outra coisa em seu olhar: mágoa e decepção. Uma mágoa não direcionada, difusa,
de a vida ser o que ela é, dura, escassa, implacável, pelo menos, para ele. E
uma decepção doída, dele consigo mesmo, por não conseguir corresponder às
exigências da vida, por deixar seus sonhos esvaírem como um punhado de areia
entre os dedos, e decepção com os outros também, por olharem para ele sem o
enxergarem, por passarem por ele sem o sentirem, por não o ouvirem, por o
esquecerem em vida. “Eu sou gente, preciso de cuidados, de oportunidades!”.
O olhar
triste, magoado talvez estivesse sedimentado na percepção de que aquela era a
sua realidade e que ele não poderia mudá-la facilmente, que os dados já haviam
sido lançados, e eles lhe desfavoreceram. A raiva advinha da não aceitação
desta realidade, deste dia a dia sombrio, árido, sem perspectiva. Ele não podia
admitir ser um joguete da sorte. Ele queria gritar contra isso, poder viver, poder
sonhar, ser gente na plenitude de suas capacidades. Ser gente do tamanho dos
seus sonhos.
Mas naquele
olhar também ardia um sol. Havia um brilho secreto, escondido entre as brumas
que lá passavam. Um brilho que dizia que aquele rapaz iria lutar, esforçar-se
até o fim, até o limite de suas possibilidades para existir, não morrer; para
ser homem, não bicho; para ser gente, não estatística do governo; para ser feliz, não
vítima, ou pior, algoz! Como milhões de outros jovens, ele tinha recebido da vida uma viagem dura, repleta de tropeços e desvios, cheia de óbices, desassossego,
infelicidades. Mas a alma dele era maior que tudo isso, ele tinha uma luz
interior, uma vontade inabalável, um sonho de vencedor, uma expectativa imorredoura
de felicidade. Ele era assim, da mesma forma que milhões de outros jovens mundo
afora golpeados pela mão furibunda do destino. Apesar de o mundo ser o que é,
apesar da amarga realidade, ele ia escolher a vida e a felicidade, ele ia viver
e ser feliz, apesar das circunstâncias!
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