O desprezo é
um tipo de ódio arrefecido, tentando conter-se nos limites da indiferença, para
parecer mais saudável e apropriado; às vezes, no entanto, ele escapa ao
controle do seu portador e tem-se incontinenti uma explosão de ódio vibrante e
maquiavélico, o olhar revela isso com muita força, o cenho contraído também.
O desprezo é
uma arte feminina por excelência (sutil técnica de linchamento moral)
direcionada, sobretudo, aos homens. Não significa que homens não desprezem
mulheres: muitos as desprezam, apesar de precisarem delas, o que é
contraditório, mas é como os homens são. Mas a arte/ciência do desprezo vem
sendo desenvolvida, quiçá há milênios, pelas mulheres, e é no olhar delas (um
olhar que não lhe alcança), em seu gestual (um gesto de apressada retirada), em
suas palavras (as que não foram ditas ou as que ficaram subentendidas), que ele
atinge seu esplendor máximo, sua plasticidade irresistível e, claro, sua
crueldade dantesca.
Claro que
algumas mulheres terão razão em desprezar certos tipos mesquinhos de homens,
mas frequentemente é apenas autoengano: uma pretensão ridícula de que são moral
e intelectualmente superiores a seus antagonistas(?). Tal falsa superioridade
está baseada em uma enviesada interpretação da realidade, espécie de
dissonância cognitiva.
Mas não
importa, o desprezo, assim como o ódio, é um dado da natureza humana e está
muito bem consolidado, nos genes e na cultura – as pessoas se desprezam e se
odeiam (quanta falta de humildade não haverá nisso?), mas nem o desprezo nem o
ódio chegam e se estabelecem sem pesados custos físicos, mentais e emocionais a
todos os envolvidos. Odiar e desprezar causam um cansaço e um mal-estar insuportáveis
ao coração e à própria mente, e, de repente, estamos mais ocupamos nesta empreitada
do que em qualquer outro aspecto da nossa vida!
O desprezo é
o pecadilho das almas finas(?), que se deixam envaidecer, e soberbamente, vestem
a toga de juiz de um tribunal de exceção e passam a julgar as pobres almas ao
alcance de suas implacáveis vistas. Ou seria o desprezo algo menos nobre? Seria
o desprezo ciúme, invídia, desforra, arrogância? Seria o desprezador um
indivíduo tomado de sórdidas, repugnantes e mal resolvidas paixões?
Pode ocorrer
o caso de alguns desprezarem a si mesmos, e, como numa inusitada transferência
psíquica, passarem a desprezar os outros, a ponto de qualquer trivial
característica do próximo incomodá-los deveras, e passamos a castigar o infeliz,
sem aviso prévio ou maiores explicações, meio sadicamente, com nossa sublime e
superior indiferença, que, na verdade, não é bem indiferença assim, já que o
outro mexe com nossos instintos mais secretos.
E quando o
desprezado se enche de brios, percebe a covardia e a injustiça de sua situação
e numa inversão corajosa passa a desprezar quem tanto lhe despreza? Não é algo
bonito de se ver, poético, cinematográfico, revolucionário? Não... É apenas
mais um capítulo repleto de mediocridade das conflituosas relações humanas!
O desprezo é
das ações humanas uma das mais cruéis, o que denuncia o caráter hediondo daquele
que se dedica com afinco a tal cotidiana empreitada. O desprezo é cruel, mas na
cabecinha de alguns é arma muito chique, legítima e adequada, a que eles podem
recorrer porque são merecedores, pois têm superioridade moral e intelectual!
Muitos nobilíssimos corações fazem recorrente uso dela em suas superelegantes e
dignas trajetórias de vida!
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