por Tádzio Nanan
INSPIRADO EM UMA BELA
ANJINHA DE BRONZE
Apaixonei-me por ti,
sôfrega e desassossegadamente.
Foi veloz e certeiro, uma
ensolarada invasão do Amor.
(Culpo tua placidez angelical,
suavidade e pundonor...)
A contrição que ocultas é paixão, meu
coração pressente!
Dirão que estou louco, mas o amor não
tem medida.
Desejo o teu bronze, e sonhas mergulhar no meu
espírito.
E realizaremos mágica e inefavelmente este amor
onírico.
E descerás à Terra, e ao Céu encetarei subida!
Dirão
que é impossível, mas a paixão é imaginativa.
Vou ensinar-te o
verbo, e me mostrarás o mundo do alto.
E morrerão de inveja, ao
descobrirem, num sobressalto,
Que teu corpo é meu, e minha alma
de ti ficou cativa!
E num infinito de realidades paralelas,
filhos teremos.
Que formarão nova raça de nobres e valentes
guerreiros,
A fundar outras civilizações com seus ideais
altaneiros...
É o esplendor deste amor qu'eu sonhei, e que
ousaremos!
POEMETO PARA A NORMINHA
Em agradecimento ao enorme
bem que ela faz a esta família
Feliz aniversário – 8
de maio
Feliz Dia das Mães – 13
de maio
Com a benigna luz do teu
olhar
Desabrolha minha vida em
flor
É uma flor mais bela se
regada com teu olhar!
É uma flor maior se
regada com teu amor!
Com o fulgor do teu
sorriso – imortal lar
Ponho-me a relembrar da
minha afetuosa infância...
Mãe! Nosso primeiro e
derradeiro lar!
Mãe! Nossa primeira e
derradeira ânsia!
Guardiã, zelas por teu
sobrenome e o nome da tua Casa
Artemisa suave, porém
sempre em guarda e alerta
Teus rebentos, teu amor,
escondes sob as asas
E se um malfeitor ousa
invadir tua casa
No torso do bandido
certeiras flechas acertas!
No carnaval da vida,
tigresa machucando os corações varonis
Beleza superior: rosto
clássico, corpo violão; charme e carisma
Que nalguns provocou
paixões, noutros invídias e ciúmes vis
E que toda noite faz o
romeu Luiz morder sempre a mesma isca!
FRAGMENTOS
POÉTICOS
O tempo passa e nos leva aos pedaços: um
pouquinho do corpo, um pouquinho da mente, um pouquinho da alma
O
tempo passa e nos leva aos pedaços: um pouquinho dos músculos, um
pouquinho do coração, um pouquinho da memória
O tempo passa
e nos leva aos pedaços: a criança, a lembrança, a esperança,
também a coragem
A cada dia, a cada esquina, a cada susto o
tempo passa e nos leva; no fim, somos poeira cósmica
A cada
noite, no sofá da sala, no jantar com a família o tempo passa e nos
leva; somos sombras fugidias
O tempo passa...
Não, ele
corre!
O tempo corre com sua disposição atlética, com seu
espírito olímpico, deixando-nos para trás, exaustos, com o coração
saindo pela boca
O tempo corre com suas pernas titânicas,
espalhando luzes e trevas no seu rastro, envolvendo-nos em seu
implacável jogo de renovação e morte
O tempo corre...
Não,
ele voa!
O tempo voa, mas somos nós quem caímos das alturas,
caímos na real: é, o tempo voa, e nós, no máximo, corremos
É,
o tempo voa, enquanto caímos na real: caímos nos braços do
esquecimento, nos braços do sono, nos braços da noite, cujas vozes
é o silêncio, íntimo companheiro de tudo que sonha
Ah, o
tempo...
Se passasse mais devagar...
Ou se a gente vivesse mais
e melhor...
Ou se a gente aprendesse mais rapidamente a viver, se
a gente aprendesse mais rapidamente sobre o tempo, sobre os tempos da
vida...
Ou se
Ao menos
A gente aprendesse a passar, a
passar simplesmente
Como o tempo...
**
a moça
apaixonou-se pela pessoa errada
e vivia a chorar estrelas com seus
olhos noturnos
(outros orientavam-se no escuro com as estrelas que
ela chorava, mas ela não se apercebia disso...)
falava
sozinha imaginando seu amor abandonado ao sofá da sala, num
comuníssimo domingo, lendo o jornal, a ouvi-la tagarelar e a rir-se
dela; e compartilhava com este ser imaginário seus cotidianos dramas
e alegrias, suas modestas aspirações e inspirações...
antes
de dormir, tocava-se com lânguida sensualidade e despia-se num jogo
erótico ilusório, sonhando o amante materializado em sua cama,
viril mas delicado, a observá-la com paixão: mágica do amor
romântico e da imaginação concupiscente...
a moça estava
faminta de um corpo
a moça estava sedenta de uma alma
e foi
assim que se deixou levar pelas metáforas de um jovem poeta – um
poetaço, por quem se apaixonara, perdidamente, sem esperar ou
querer, e esperou e quis e quis e esperou e esperou e quis, tudo
baldadamente...
sóis e luas vieram e se foram
esperanças
cresceram e minguaram
sazões dormiram e acordaram
e
nada!
iludiu-se com os mal-entendidos da linguagem
iludiu-se
com as miragens dos devaneios
iludiu-se com os calafrios dos
desejos
até que, enfim, ela decidiu-se por não esperar mais
a pessoa certa e se fez pessoa certa para alguém, e adorou fazer
alguém feliz, e foi feliz também
às vezes, as coisas fazem
mais sentido quando você desiste delas...
**
cortaram
as árvores de dar sombra
sombras de dormir muito e gostosamente
e
sonhar sonhos doces e frutíferos
cortaram as árvores de
papear debaixo da copa
e filosofar axiomas, paradoxos, sofismas,
quando a turma pensando pensa que é esperta só porque pensa,
enquanto adora Baco e fala alto e se confunde
cortaram as
árvores de marcar no tronco o nome da namorada: a real, a
imaginada
cortaram as árvores de ouvir passarinho e fazer
serenata
cortaram as árvores...
por outro lado, agora
vejo melhor a vastidão do céu: céu de imaginar-se alado, céu de
mergulhar nas nuvens, céu de sonhar com as estrelas, com outros
mundos e o Paraíso, céu de Deus, de deuses e titãs, e também céu
de me situar no mundo: somos tão pequenininhos...
a luz
irradia-se mais livremente, o calor propaga-se, e restaura-se a saúde
do sistema corpo-mente-espírito: remédio gratuito e efetivo
a
luz do sol me acalma entrando no meu quarto
e o calor faz a gente
se sentir mais vivo
perdi as árvores, mas me dourou o
sol
perdi as árvores, mas me ampliou o céu
perdi as árvores,
mas me curou a luz
muitas vezes, quando a gente perde é
quando a gente mais ganha
MEDITABUNDO
Antes,
quando o Homem era potência
Secreto devaneio do esfíngico
autor
Do espaço/tempo, do ousado criador
Da matéria, da
entropia, da consciência...
Antes, quando o Homem não
sonhava
Quando a idéia da idéia tremeluzia
E a obra do braço
humano adormecia
Déspota solitário, Ele imperava...
Antes,
quando era silêncio a palavra
Quando nada fabricava a humana
lavra
Ele, a absoluta razão do universo
Toda a explicação:
verso, anverso...
Agora, o Homem, invertendo tudo
Faz Deus,
meditabundo, ficar mudo
APOCALIPSE
Depois,
o silêncio reinou outra vez
Depois das paixões, o
esquecimento
Depois da razão, a frigidez
De um universo
triste, sem argumento
Depois da dúvida hamletiana
Que
confrangia o homem
E da sentença descartiana
Apenas sono,
apenas ontem
Só, Ele revê a tudo, sem saudade
O quanto
fizera, apaixonadamente
Sonhando a filosofia, a arte, a
ciência
Mas, num lapso, criara a iniquidade
Consumindo tudo,
obstinadamente
E quis pôr fim à Sua
imprevidência...
PAIXÃO!
Louco, marchava
sobre os abismos da paixão!
Ah, imortais ardentes madrugadas de
outrora
Quando o tempo só marcava a mesma hora
E, chamejantes,
acendíamos a própria escuridão...
Possuía-te com afagos, e
com sevícias!
Amava-te com desprezo, e com esmero!
Lançava-te
às chamas, como um Nero
Àquelas das bacânticas
delícias...
Afligi-me ainda este desejo incontrastável
E
ainda morro de sede ao ver-te, meu Kalahari
Rendido, a teus liames
me ataste, vil Mata-Hari
Refém de uma paixão
inconfessável...
Quanta aflição germina e grassa no meu
peito!
Se mais te desejo, é tua falta que hei-de aspirar
Meu
amor é só desespero, diz querendo calar
Quer nunca mais te ver,
e ver-te nua no leito...
ESFINGE - II
Gente
vulgar, meu ser pacifica-se no caos
Num tropel de emoções, num
viajar-se em naus
Imortais, rumo ao fim e ao limiar de
tudo
Sorvendo a existência num divagar mudo
Nasço, morro,
renasço... Vivo em outra esfera
Sou lírio e sou hera, todo o
amálgama que contém
Nossa natureza, e hoje sei que o conforto da
certeza
Não engendra o traço original que tem a beleza
Minha
humanidade quer expandir-se ao infinito
Na dubiedade das horas,
ser o silêncio e o grito
É fogo que arde e na própria chama se
extingue
É a loucura do algoz que ao próprio corpo cinde
Mentes
timoratas prenunciam: perderás a alma!
Vendi-a ao nascer. Noite,
tu és quem me acalma!
Nos abismos sem luz, sonho o inconsciente
coletivo
E só e em silêncio é que me sinto vivo
A vida é
um sonho com reflexos de realidade
É ir esgotando o círio de uma
fugaz identidade
Mas, cientes de que adiante, outra vez,
acordaremos
E maiores, mais puros, mais livres,
prosseguiremos...
ESFINGE - I
Coração há
que olvide tua beleza?
De rosa a desvirginar a primavera
De sol
a inaugurar uma outra era
De novos sonhos e mais delicadeza
E
alma há indiferente à tua tristeza?
Que confere ao teu olhar
larga gravidade,
Como se lá houvesse sorumbática cidade
Onde
reinasse noctívaga princesa
Teu olhar horrendo, de outra
Medusa
Vai refazendo os corações humanos em pedra
E em tua
plástica beleza só o malefício medra
Volúpia estéril,
cristalizada na recusa
E teus gestos, que engendram sombras
delirantes
Ora parecem pesadas: as memórias doídas?
Ora
parecem abatidas: as paixões perdidas?
Malditas sombras, que te
arrastam a vãos distantes
Bebe, triste e bela infanta de
longínqua esfera
Um gole do Letes, sim, o esquecimento...
Antes
que morras do tétrico sofrimento
Bebe um gole! Foge do mal que te
lacera!
PARA SEMPRE NA MEMÓRIA DO TEMPO...
Para
sempre na memória do tempo ficará escrito
Esse amor: sublime
paixão de juventude
Que aguardou por teu gesto, mas tua
atitude,
Soberba, indiferente, fê-lo ser proscrito...
Foste
para onde não mais posso tocar-te ou ver-te:
Plaga distante,
pátria de gênios, de bravos, de belas
Nesse altar, onde te
adoro, só, rodeado de velas,
Tudo são ilusões de beijar-te e
envolver-te...
Distante, embora estejas, ainda te sinto
perto:
Sem te olhar te vejo, sem dizeres te escuto,
Se digo teu
nome, choro desfeito em luto
Nessa paixão inútil que é viver
deserto...
Incauto e otimista fui! Ah, fiquei sonhando o
céu:
O paraíso recôndito que floresce em teu olhar,
Onde
tudo esqueceria de simplesmente amar
Teu corpo palpitante sobre
mim, lácteo véu...
Agridoce miragem no ermo da minha
solidão!
Pudesse repousar o fio dos meus pensamentos
Outra vez
em teu colo, encher-me de alentos
Perto de quem seria sereno e
imortal guardião...
ROSA DO MAINZ
Verão
imortal, de ardente temperatura
És sol a pino, e também o mar e
suave brisa...
Tua paisagem minha memória escraviza
E lança a
rede do amor que a captura
Teu corpo – Deus, teu corpo, um
cataclismo
Derribando os alicerces da minha razão
Indefeso,
caio infinitamente em tua mão
Nutrindo este amor que
obsessivamente cismo
Como te amo, minha princesa
germânica!
Mais que o sol ama o azul no qual flutua
Mais que a
estrela ama o infinito em que atua
Amo tua singela beleza,
balsâmica
Rosa do Mainz, pudesse regar-te a formosura
Com
o orvalho do meu amor primaveril
Intemerato, sincero, glorioso,
febril
Em ti encontrar o elixir da minha
cura...
LUZ
Irrefreavelmente vem galgando
os espaços
Semeando a verdade, com seus lavradores braços
Nada
se lhe subtrairá, porque é força onividente
Revelando e
traduzindo o que se inferia ausente
Com fulgurantes poderes e
infalíveis laços
Captura, com suave brandura, o negror dos
cansaços
De tudo que é vivo, restaurando sua força
imanente
Enquanto desvela a miríade de formas à gente
Vem
curar-nos da fúria fratricida do aço
Ensinando a bem-aventurança
e fortalecendo o abraço
Apaziguando o coração tumultuado de
ódios ingentes
Propondo um porvir em comum e conciliações
urgentes
Com ligeireza avança, de pezinhos
descalços
Diafanamente, despida das sombras, nos ignotos
terraços
Das vastas amplidões que nos habitam a mente
E
nos secretos jardins da casa do Onisciente
PRECE
O
homem, refém de uma lógica consumista
Desfere golpes matricidas
contra a Terra
Persegue excessos megalomaníacos e erra
Ao
eleger o iníquo paradigma capitalista
Violentada, a natureza
adoece, sangra, berra
Contra esse modus vivendi pródigo,
materialista
(que nos tem degenerado em cegueira a vista)
De
destrutiva avidez, que nos sevicia e aferra
Vamos juntos, em
silêncio, dar-nos as mãos
E redescobrir o sagrado elo que nos
irmana
Homem e Terra. Vencer a doença, viver sãos
Para
estarmos aqui como um só, como irmãos
Esquecidos de que um dia
levamos esta vida insana
Baseada na força bruta, na força do
ouro e da grana
NIILISMO
Nazareno redivivo,
arquétipo da virtude
Fúlgida fortaleza do amor, da
compaixão
Abraço conciliador, o perdão, a beatitude
Mas é
alerta que ouço à sua pregação...
A pureza em divinal
talhe, inabalável
Convertendo em abundância a escassez
humana
Iluminada, é santa, sublime, imaculável
Mas seu
condoído olhar já não me engana...
Certa vez, defrontei-me
com a decantada verdade
Mas era uma profusão de mentiras a
transviar o covarde
Com a miragem tragicômica dos ideais
absolutos...
Deus? Mas somos falsos profetas consagrados ao
vício!
Paz, justiça? Não é nossa miséria moral que faz este
hospício?
A Revelação é que estamos sós e somos
corruptos!
O ESFORÇO É O SAGRADO RITO
DA MINHA
RELIGIÃO...
O esforço é o sagrado rito da minha
religião
Quando se me revelam a divindade e a virtude
Sereno
santuário em que revigoro a convicção
De dirimir a sede na taça
da plenitude
O esforço é o campo onde semeio a vida
Para
vê-la brotar numa flor transcendente
Ser-me-á leve grilhão a
árdua lida
Se somar um pouco mais ao existente
O esforço
é minha inspiração; mítica nau
Deslizando à fonte da minha
esperança
Para que a imperfeição se redescubra cabal
E do
Pai eu seja imagem e semelhança
Seja o esforço toda a
ciência que conheça
Minha matemática, jurisprudência,
filosofia
Com suas mãos alcançarei o que mereça
Tendo
realizado a maior e a mais cara utopia
O esforço é clamor
divino por superação
É desejo viril de superação da
natureza
Vontade de re-fundar o mundo pela ação
E negando
tudo, inventar outra certeza
O emprego da força física,
corpórea e mental
É a gênese do progresso, motor da
história
Ato que transforma em realidade o remoto ideal
E nos
estimula com os ósculos da vitória
SERVIDÃO!
Existo?
Existo
conscientemente?
Sou verdadeiramente consequência da minha
vontade?
Ou sou a sombra, o reflexo de uma outra coisa?
Ou sou
a vontade de uma outra coisa?
Sinto que algo perpassa minha
existência, existindo em mim, sem ser eu mesmo
Este algo
alimenta-se de mim, como um parasita
Este algo me tem, mas eu não
o tenho, nem sei sobre ele
E se este algo me deixa acreditar que
existo, que tenho consciência, isto é, que faço escolhas, que
quero isto, não quero aquilo, que amo este e odeio aquele, que
concordo com isto e discordo daquilo, que sou filosoficamente
livre?
Que algo seria este?
Escrevo esta reflexão porque
quero?
Fui eu quem decidiu fazê-lo, realmente? Ou miríade de
fatores misturam-se para que, enfim, eu sentisse esta reflexão, eu
pensasse esta reflexão, eu fizesse esta reflexão?
Mas sou eu
mesmo o seu autor?
Escrevo, leio, vivo, amo, mato, morro,
porque quero, ou querem por mim, porque decido, ou decidem por mim?
Mas quem quer por mim, quem decide por mim?
O que quer de mim,
tal demônio?
Talvez eu seja uma simples fachada, veú
encobrindo o verdadeiro espetáculo, onde tudo se dá, onde todas as
decisões são efetivamente tomadas...
A abscôndita realidade do
mundo...
A abscôndita verdade dos fatos...
E se a verdade
estiver para além de mim mesmo, da máscara do meu rosto, da capa
perecível do meu corpo, e se estiver mesmo além das elucubrações
da minha mente, que se julgava livre e autônoma para pensar e
refletir, mas que, na verdade, não é?
Há algo de
errado...
O quê?
Aonde?
Uma fissura no bloco monolítico
da Grande Mentira (a Vida), da Grande Ilusão (a Consciência), deixa
escapar a verdade última das coisas, terrível verdade:
há
sérias dúvidas sobre sermos livres, autônomos,
auto-determinados
Minhas escolhas refletem o livre-arbítrio
da minha ética pessoal?
E se as minhas escolhas, todas elas,
todas elas, apenas refletirem a bioquímica cerebral, e nunca meus
cálculos racionais, meus sentimentos mais profundos, que são meus
desejos e minhas aspirações?
E se eu não sentir o que
sinto?
E se eu não pensar o que penso?
E se eu não existir
autonomamente?
E se não sentirmos o que sentimos?
E se não
pensarmos o que pensamos?
E se não existirmos autonomamente?
E
se o livre-arbítrio for a mais cara ilusão do Homem?
O
Homem, que já se achou o centro do universo...
O Homem, que já
se pensou filho dileto de um Deus criador do universo...
O Homem,
que já se acreditou livre e auto-determinado, senhor de si...
Quão
tolo pode ser o Homem...
Assim, a liberdade não é mais que
um sofisma
Em nossa essência há um escravo resignado com sua
condição vegetativa e que inventa belas histórias para si mesmo na
tentativa desesperada de tornar sua obscura existência menos sombria
e miserável...
Mas a verdade é que um totalitarismo
invisível nos governa a todos
e semeia em nossas mentes a
falaciosa idéia de que somos livres
Mas não somos!
O que
sou?
Animal-máquina sem alma, passível de programação e
condicionamento, escravizado por laços que eu próprio desconheço,
mero fantoche, autômato, títere, sempre a consequência e nunca a
causa?
Mas consequência de que causa?
A química
cerebral?
As atividades neurônicas?
O intercâmbio entre
sinapses nervosas?
Agora, façamos um exercício lógico: se
não decidi, autônoma e conscientemente, ser o que sou, quem eu sou,
é razoável pensar que ser mudarmos tal ou qual variável (que
obviamente não conheço, muito menos controlo) eu seria outro
totalmente diverso de mim mesmo, poderia ser tudo o que não sou,
sentir tudo o que não sinto, pensar tudo o que não penso, se apenas
mudassem estas tais e quais variáveis... O CAOS! Mudanças
infinitesimais gerando complexidades crescentes, até outros
Big-Bangs...
Se eu poderia ser outro qualquer, e outro
qualquer poderia ser o que sou, eu não sou eu, nem este outro
qualquer é ele
Concluindo
Tudo que existe é arbítrio,
condicionamento, escravidão
Assim, meus enganados, iludidos,
traídos leitores, nada escolhemos
Somos uma completa fraude; cada
um e todos nós
O que somos é pura química, pura biologia,
animais sem alma e sem vontade própria
Não existe escolha. Só
destino
Não existe escolha. SÓ SERVIDÃO!
EXTINÇÃO
II
Biologicamente, somos coveiros
Da própria linhagem.
Deter-nos-á
Justamente a inteligência, ao despertar
Nossa
super-raça imanente de guerreiros,
Que do espelho transporá
a margem.
Desfeito o grilhão, arrebatar-nos-á o trono;
Então,
sucumbiremos no inescrutável sono
Da extinção: derradeira
humana viagem
E tatuagem apenas no corpo da história,
Que
se desvanecerá, outrossim, como tudo
Que é grito selvagem a
matéria, mas surdo
E a frigidez inorgânica seu zênite e
glória!
(É um Cavalo de Tróia o conhecimento
Grávido da
morte e do esquecimento...)
EXTINÇÃO I
O
desejo humano de se sobrepor à natureza
Revigora-se com o beijo
ambíguo da tecnologia:
Divindade pós-moderna, de obscura
teologia
Cujo evangelho professa temerária certeza...
Porque
traz como potência corte evolucionário
Semeando os futuros
possíveis com rupturas
Abrindo feridas que não mais terão
suturas
Apagando o verbete Humano do universal
dicionário...
Subliminarmente, nossa inteligência visa a
auto-extinção
Na iminência de ascenção de um novo paradigma
genético
Alheio às noções do Bem e do Mal, imortal,
cibernético...
Antifilosófica, antiestética, amoral, outra
civilização
Surgirá. Patifaria humana, a religião também
ruirá
Tudo que é sólido, disseram, se desmancha no
ar...
RETORNO
Da abscôndita noite oceânica
a vida veio
Grávida do propósito evolutivo: a consciência
Que
é benção e castigo, liberdade e penitência
A verter o
acre-doce leite do seu seio...
O desígnio do nosso universo é
a civilização humana
Ainda que a golpeemos com a pesada mão
fratricida
Mas haverá a hora de evitarmos o caminho suicida
E
à refulgente vereda seguirmos, que irmana...
Na intuitiva
antevisão do porvir, somos completos
Nossos corpos e mentes
transbordam, repletos
Auge primaveril da evolução, reflexo do
perfeito...
Não obstante a glória (desejo ardente, a
divindade
Nem por isso existe: é horror do escuro, é vaidade)
À
noite tornamos: íntimo e sepulcral leito...
A HORA DO
LOBO
Vício, há tempo nos dedicamos ao ilícito
hediondo
E nos precipícios noturnos saltamos,
alienados
Sucumbindo em opiáceos delírios, paralisados
Mil
horrores cortinas de sombras nos impondo...
Morte, sei que me
cobiça tua mórbida luxúria
Que maquinas com o Tempo, velhaco
libertino
Meu fim – que qualquer um é teu desde menino
Mas,
como Sísifo, hei de enganar-te a fúria...
E os gentis amigos
Mal-Estar, Necessidade, Desespero
Arautos do ocaso, acolhem-me em
recanto hospitaleiro
- amizades verdadeiras e luminares esperanças
de futuro...
Ah, o completo desperdício de sonhos, ideias,
ideais...
Entre brutos, ser bruto! Sobrevenham disposições
infernais
Lobo uivando à selva humana, e sedento: eu auguro!
O
GRANDE IRMÃO NEGRO
EM SUA SOBERBA ARROGANTE ...
O grande
irmão negro em sua soberba arrogante!
É a sua civilização:
excessos luxuriosos, imorais...
Onde tiranamente legisla, segundo
lógica infante
Que assola a Terra com a ilusão de sempre querer
mais...
Enquanto a diáfana irmã escasseia; ela, a geratriz da
vida!
Poluem suas fontes com industriais resíduos radioativos
E
todos os dias a morte salta das sombras e nos convida
A aceitar
severa aridez como a sina dos seres vivos...
Essa engrenagem
voraz, o capitalismo hodierno
Não se sabe bem: representação do
céu ou do inferno?
Onde o exagero burlesco é evidente sintoma de
falta...
Na insustentavelmente atroz e insidiosa guerra pelo
lucro
A extinção de toda riqueza natural aí tem seu fulcro;
mas
a consciência crítica germinará na mente incauta!
URGE
Urge
regar a luz
para que desabroche em áureos dias
que trarão
amplos céus azuis
e outras divinais alegrias
Urge cultivar
a esperança
para que se realize num vasto pomar
com frutos até
onde a vista alcança:
paz, amor, sonhos, lar
Urge deter do
medo
o discurso receoso e infame
ferozmente, pôr em riste o
dedo
na cara da senil e fatal Madame
Em uníssono, urge
afiar o grito
dilacerando o cinismo dos abastados
fazendo do
contestar um novo rito
que nos faça lembrar dos deserdados
Urge
com fúria levantar o braço
como se avisando: haverá guerra
e
propagar o retinir do aço
para depurar dos maus a Terra
Urge
da dúvida escarnecer
acovardar-se só intimamente
e deixar
irremovível certeza romper
os limites, esgarçando-os
tenazmente
Urge ouvir cantar a manhã
sobre o silêncio que
gera a noite
libertando os filhos do amanhã
da vil miséria,
do vil açoite
DESENCANTO
Sonhos
a perder de vista... Ilusões já perdidas!
As máscaras da vida,
desfeitas, uma a uma...
E seu rosto é informe, sem esperança
alguma
Tais as tragédias que nele podem ser lidas
Tanto
sonhei com a paz perpétua e o bem
Que éramos capazes de expelir
o ódio do peito
E a vaidade – afago do demônio, sem atrativo e
efeito
Esvairia ante uma filosofia que nos conduzisse além...
Ah,
os dias de ventura, de primaveris pensamentos
Que se revelavam em
nobres ações de fé e coragem
Mas o inverno irrompeu, vindo com
ele a voragem
Dum fatal desencanto: somos feitos dos vis
elementos!
A triste verdada... não liberta, nem é bela ou
boa
Espelho refletindo o cruel inimigo: a gente próprio
Como
ir superando o vício se nosso sangue é o ópio
Que nos embriaga,
macula, transvia, atordoa?!
DUAS ESTÓRIAS DE AMOR
INDELÉVEL
Qualquer instante guarda a eternidade em
si
Porque nele sussurram as vozes das infinitas coisas
existentes
Decorrentes de outras infinitas coisas já extintas (na
verdade, não extintas, mas que se transformaram, apenas)
E fonte
das outras coisas que haverão de existir ainda, numa interminável,
irrefreável e inter-relacionada cadeia de causa e efeito, que se
retro-alimenta, a maior de todas as belezas físicas
Todo
instante marca indelevelmente a memória do tempo, o corpo do espaço,
que são o verdadeiro Deus a venerar
Um dia saberemos acessá-los:
tempo, espaço, Deus, e todas as verdades, enfim, nos serão
reveladas, dentre as quais, o Absoluto, que, ou se redescobrirá
relativo ou nós nos redescobriremos absolutos
A eternidade,
portanto, são infinitas ondas de eternidades que se complementam,
ondas passageiras e evanescentes, como o instante, que é eterno e
infinito, porque encerra tudo: todo o antes, todo o depois
Que
amantes apaixonados a eternidade e o instante!
*
O
pensamento é infinito
E quanto mais o pensamento percorre os
labirintos cerebrais, mais e mais alarga todas as fronteiras,
inventando outros universos; igual à luz, quando se espalha,
revelando tesouros de cores e formas
Mas é só fátuo lampejo
o pensamento quando o pomos em modelos, vulgares arquiteturas de
números e palavras, porque o pensamento só é infinito na mente,
porque esta é infinita, integrada à pura energia universal, e dela
à linguagem quase tudo se perde, irremediavelmente, ou torna-se
sofisma ou poesia medíocre
Quanto maior é o pensamento mais
ele
Repousa nos olhos
Silencia nos lábios
Arde no peito dos
que o concebem (e, reciprocamente, são concebidos por ele)
O
maior pensamento, o pensamento infinito não pode ser traduzido
porque é um tipo de “sentimento”, só podendo ser
(com)partilhado entre almas, espíritos
Que amantes
apaixonados espírito, mente e pensamento!
POEMATRIZ -
II
(ou PROGRESSÃO)
Minha mente é um software
contaminado
Minha mente é um software contaminadp
Minha
mente é um software contaminaep
Minha mente é um software
contaminbep
Minha mente é um software contamiobep
Minha mente
é um software contamjobep
Minha mente é um software
contanjobep
Minha mente é um software contbnjobep
Minha mente
é um software cooubnjobep
Minha mente é um software
cpoubnjobep
Minha mente é um software dpoubnjobep
Minha mente
é um softwarf dpoubnjobep
Minha mente é um softwasf
dpoubnjobep
Minha mente é um softwbsf dpoubnjobep
Minha mente
é um softybsf dpoubnjobep
Minha mente é um sofuybsf
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Minha mente é um soguybsf dpoubnjobep
Minha mente
é um spguybsf dpoubnjobep
Minha mente é um tpguybsf
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Minha mente é un tpguybsf dpoubnjobep
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Minha mente f vn tpguybsf
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Minha mentf f vn tpguybsf dpoubnjobep
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Minha mfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
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Minib nfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
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POEMATRIZ - I
O SENTIDO
POSSÍVEL É AQUELE...
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...QUE
EMPRESTAMOS À VIDA COTIDIANAMENTE
MEDITAÇÕES
NOTURNAS
sou uma fração de segundo do tempo da
humanidade
que é uma fração de segundo do tempo da vida
que
é um pedaço do tempo da Terra
que é um pedaço do tempo do
universo
que veio de uma coisa que não tem nome
embora muitos
o chamem medrosamente de big-bang
mas que prefiro chamar de
Mistério
sou nada face à história, face à natureza, face à
vida: tudo existiu e existirá sem mim
mas sou tudo, pois vivo e
tenho minha estória e minhas interpretações da história e possuo
um universo maior que o universo ardendo nas entranhas (explodindo
infinita e recorrentemente) e sem mim não saberia da vida, da
natureza, da história, nem do universo
sem mim ignoraria tudo
sem
mim estaria desabrigado, seria nada
mas comigo eu sou
comigo eu
sou
eu sou
deus é nada
e deus é tudo
para os que
acreditam e os que não acreditam nele
e todas as verdades são
nada e são tudo – embora a verdade seja uma idéia volúvel
vagando na mente de cada homem...
o tempo é um instituto que dá
sentido à vida, mas existi?
o amor, a paz, as idéias e os
ideais, a própria civilização, são o quê? ilusões dos sentidos,
vibrações de partículas subatômicas na caótica dança do
universo (alguns dirão que é ordenada, e não caótica a dança do
universo; mas não se engane: o universo é um péssimo
bailarino)
pequenas mentiras dão um feitio racional à vida,
são imprescindíveis
pequenas mentiras repetidas tornam-se
verdades absolutas, sobretudo aquelas que nos agradam, e nos ajudam a
suportar a vida, e a carregar a cruz de viver – demasiadamente
pesada para alguns, e tornam a vida precisa e certa, embora estejam
erradas, porque a vida é mesmo imprecisa, incerta; a vida é mesmo
suja e louca, e não me venha dizer o contrário
haverá
sempre a natureza?
(outras naturezas artificiais ainda serão
inventadas em nosso porvir cibernético?)
haverá sempre mulheres
prenhes e corações idealistas?
mas todas estas coisas existem
agora e é isso que importa
porque o tempo importa no exato
instante que passa, e só tem importância porque passa
a vida só
tem valor porque acaba
o amor só tem valor porque acaba
o amor
grande, o amor infinito, é o que é fugaz
o que deixará de ser
só deixará de ser porque foi
o que será nada já foi tudo (e
quiçá volte a sê-lo, ainda que diferentemente, posto que tudo é
energia, que é imortal)
o que gemeu e amou e lutou e bradou só
calará porque bradou e lutou e amou e gemeu
mas o silêncio
também é parte essencial da música
mas o silêncio também é
parte essencial da música
e ser cônscio desse tudo (ou desse
nada)
apazigua minha alma e me basta!
NO REDEMOINHO
DA MEMÓRIA TUDO DESVANECE...
No redemoinho da memória tudo
desvanece
Recordações ficam senis, moribundas
Sufocando em
meio a escuridões profundas
Entre os abismos que o passar do
tempo tece
Porque nas retinas o mundo descolore e evapora
E
são fugazes delírios imagéticos o momento
O poeta vai cerzindo
versos cheios de lamento
Sobre o insustentável desejo que nos
devora
Desejo de reter o sabor que se dissolve
Ou degustar
nova sensação, vária experiência
Sucedendo as que decaíram na
consciência:
Recorrente drama que a gente não resolve!
Nessa
busca impossível, delirante, inútil
- cão mordendo o rabo,
esfaimado e louco
Quanto mais tem, almeja mais um pouco
E
aferra-se à ilusão e cobiça o fútil!
LEÃO!
Agita-se em tua alma viva intuição
Pensas com lucidez,
ages com presteza
Superar desafios para ti é uma certeza
Forjado
que foste com o ímpeto da ação
A férrea vontade é a tua
fortaleza
Incontrastáveis tua fé e obstinação
Que atiçam
teu voraz apetite de leão:
Num gesto açambarcas toda a
natureza!
Enfrentas e pões ao chão o obstáculo
- quem
crê não cansa ou se engana
E faz da vida um multifário
espetáculo
O livre-arbítrio da condição humana
É teu
evangelho, que ensina a fé inabalável:
Sim, todo sonho é
possível e realizável!
ENCONTRO
hoje é
dia de morrer!
m o r r e r! m o r r e r! m o r r e r!
o
irremediável, inapelável dia da nossa morte
(não será maldito
também o dia do nosso aniversário: o dia em que nascemos para a
morte, a nossa própria, a dos nossos, e a de todas as ideias e
ideais em que, talvez tola ou hipocritamente, acreditamos?)
todo
santo dia, dia de morrer: esvair-se, sufocar-se, desmembrar-se,
extinguir-se, ser inescapavelmente desfeito em nada, em noite, em
silêncio, em cinzas, poeira estelar...
ó como dói a
consciência, meu deus, ante a inexorabilidade do fato,
tragicomicamente o único que é indubitável na vida...
no
entanto, morrer é realmente necessário! é realmente preciso
morrer! repito: é realmente preciso morrer! viver não é preciso
a
morte é sempre uma revolução: a chance de que tudo continue,
diferentemente
que tudo morra, então!
que morramos todos
(e que vá na frente os piores de nós...)
nada é realmente
fundamental que não mereça a morte;
a morte, ela sim,
fundamental, gloriosa, soberba!
você merece morrer, eu mereço
morrer, a civilização humana, deus, e as demais quinquilharias que
criamos para nos entreter, porque só a energia deve permanecer
(apenas a energia é perenal, de uma constância inconsciente)
todo
momento é o derradeiro para alguém: eu? você? nós dois?
você
acorda feliz, sai esperançoso, cheio de paixão, dobra a esquina a
sorrir, está com a mente transbordando sonhos e desejos, e eis que
se depara com a morte, com a pálida face da morte, com o bafo quente
da morte, com a mão pesada da morte, que ficou ali se fingindo de
morta, todo esse tempo, a esperar justo você, que se achava
merecedor de tantas coisas sublimes... e que não era!
mas
morrer nada tem a ver com justiça, humana ou divina; tem a ver
com... morrer!! Afinal, tudo que é vivo, perece, e merece tal sorte,
porquanto para que tudo possa evoluir, tudo deve extinguir-se
todo
dia é o dia perfeito para encontrar-se com a morte, tomar um chá
com a morte, comer bolachas com a morte, papear futilidades com a
morte...
com quem será o encontro hoje?
A MARIANE,
DEUSA DA LIBERDADE
(inspirado na tela “A Liberdade conduzindo o
povo”, de Eugene Delacroix)
Contra variados óbices
inimigos, Mariane avança
Intimorata, desponta onde a peleja é
fremente
Mas não há ferro que fira, voragem que enfrente
Seu
olhar resoluto, seu braço cheio de pujança
Pressente que o
perigo lhe espreita, e passa rente
Pois se esquiva do golpe, ágil,
vívida de esperança
É a mais sublime sua missão; sabe e não
descansa
É o último baluarte quanto tudo parece ser
poente
Ostentando o lábaro, quando o risco é iminente!
(Quer
ser o exemplo: valiosa e inolvidável herança)
Empunhando
inoxidável lança, por amor à gente!
(...)
Depois,
volve aos Céus, com a pureza de uma criança
Emergindo ao olhar a
ternura que o coração sente
Semeando a paz com estes olhos que a
tudo alcança
OCORRE A MUITOS ALIMENTAR...
Ocorre
a muitos alimentar
Doridos rancores que os consomem
O que a tal
liturgia s'entregar
Nunca se lhe resgatará o
Homem:
Sanguinolenta fera subterrânea
Brandindo seu ódio
como se fosse aço
Pregando uma guerra extemporânea
Até que a
trôpega civilização perca o passo
Muitos acabam por
concordar
Com os falsos profetas que nos dividem
E com
perfídias infectam o ar
No olhar imprimem a vertigem:
Almas
aviltadas, na mendicância
Da divindade imanente apartadas
No
noctífero templo da ignorância
Louvando ao engano, com suas fés
compradas
Muitos se ocupam de perpetrar
Nefastos crimes
contra o mundo
Fratricidas, sedentos de sangrar
A inocência
com golpear furibundo:
Escravos da cobiça e da rapina
Com
uma fome de ouro insaciável
Que mitigam com a ânsia assassina
De
acumular tesouro inumerável
Muitos se ocupam de
investir
O desprezo que nutrem contra as gentes;
Com seus
capitães tramam impedir
Das multidões as reações
urgentes:
Plutocracia célere ao decretar
A ambiguidade da
condição humana
Mas, irmanados haveremos de provar
Que tal
sofisma já não engana!
NOVA ROMA (Democracia a la
EUA)
A nova Roma avança sobre o mundo
Espalhando o veneno
da sua moral falaciosa:
Condena a guerra, mas faz uma guerra
odiosa
Catequizando para um deus iracundo...
A nova Roma
avança sobre a liberdade
Sob o falso argumento de
defendê-la:
Torturam a verdade, até invertê-la
Para que seus
crimes tenham a feição de santidade...
Nas horas, entanto, o
tempo elabora a mudança
Muda o curso das eras, como o do
vento
Nada detém uma idéia quando avança:
A de que nada
impedirá o nosso intento
Haveremos de alcançar o que
buscamos,
Pois impérios se desfazem ao que sonhamos!
A
UM GUERREIRO NA CRUZ
Devora-o a morte; o corpo grita-lhe,
desfeito, machucado
O guerreiro à cruz abandona-se. “Pai, que
sorte maldita...”
Chora; o perdão e o silêncio suplica;
olvidar a desdita:
A memória do sangue, o gládio, e seu coração
torturado...
E a multidão nem cogita que é também ela ali
castigada
Não vê que a dor deste homem é igual a sua,
cotidiana
E que levantou-se por ela, com fé, esperança e
gana
Mas estranha a si mesma olha e não se vê justiçada...
O
moribundo já ele pressente que ali morrem milhões
Legiões de
soldados que marchariam, mas vão transigir
Que o medo em seus
corações indolentes os fará desisitir...
Deserto e mudo
morre nosso herói, distante das canções
D'aurora. Esquecido de
que livre nasceu, sonhou, foi feliz
Até que a vida se lhe
marcasse na carne como brutal cicatriz!
BELEZA!
A
beleza, mistério profundo, tem uma face dividida:
Encantaria o
mundo com perfeição magnífica, celestial;
É, no entanto,
controvertido e contra-intuitivo seu ideal;
Aviva como sol, e mata
como mal-curada ferida!
Nela acomodam-se as partes de uma
contraditória unidade.
Uma idéia singela raiz de mil
interpretações dissonantes:
A flama dos prazeres carnais nas
ígneas bocas amantes
E os excessos burlescos sonhados por nossa
fútil vaidade!
Belezar maior: a condição humana; ascenção
e queda conjugadas
Nosso sonho de eternidade, que desvanece a
olhos vistos;
A sublime glória e o atroz suplício de cotidianos
Cristos!
E fatalmente belo é o desespero das utopias
mutiladas...
Ecoam melodias inebriantes dos sentimentos mais
nefastos:
A vingança, o ódio, o vício, os delírios de
cotidianos Faustos!
POETA EMBRIAGADO
(letra de
música)
acordes: D Bm G C F Bb Am
Preciso ser mais o
profeta
O poeta embriagado
De vida e de morte (2x)
Óraculo
da nossa sorte (2x)
Íntimo das procelas
Das celas
atrozes
Dos bichos ferozes (2x)
Anoitecendo, às vezes
(2x)
Mas desfraldar novas bandeiras
Amanhecer das
bebedeiras
Ser a ponte entre os mundos
Ser o grito dos
mudos
Força do meu tempo (2x)
Preciso navegar esse rio
feroz
Que responde por vida
E ser o verbo dessa gente sem
voz
Mas que insiste em sua lida
Perseguir nossos
nortes
Nossos sonhos ardentes
Ser o poeta do sol (2x)
Do
nascente ao poente (2x)
Preciso ser mais o profeta
Poeta do
profano e do divino
E inventar novos hinos (2x)
Bêbado
delirante
Genuflexo diante
À enormidade das
horas!
AMOR
(letra de música)
Vê-la
bastou para eu cego não ver
As que coisas existentes no
mundo?
Tal fora o amor encantamento profundo:
Suaves êxtases
de anoitecer...
Era o tempo de se exaurir no calor
De
colher a mulher, o fruto celeste
Em seu corpo ter a cura da
peste
E a bacântica florescência do Amor...
Se ela
falava, eu me entregava
Ao som da sua voz: melodia divina
Se
ela calava, eu me afogava
Em seu casto pudor
E sem dizer falava
à minha sina
Se ela dançava, eu me encantava
Com sua
volúpia e pudor, de mulher e menina
Se ela deitava,
ajoelhava
Agradecendo o amor
E sem saber ela mudava a minha
sina
JESUS!
(poemeto musicado)
acordes: F7 E7 Am
(primeiro e terceiro quartetos);
acordes: B7 Bb7 D#m7 (segundo e
quarto quartetos)
Jesus há de me estender Seu braço
E
me conduzir ao Seu templo de luz
Onde esquecerei o peso da
cruz
Que me castigou passo a passo
Jesus, meu Salvador,
estou aqui aos pés do Senhor
Jesus há de me curar o câncer
do rancor
Com Suas infinitas glória e humildade
Que fundam a
paz e o amor na humanidade
Antídotos ao desespero e à
dor
Jesus, meu Salvador, estou aqui aos pés do Senhor
Jesus
há de me salvar, novamente
Eu que blasfemei contra Ele
impropérios
E corrompi-me aos mundanos impérios
Até meu
coração rebentar doente...
Jesus, meu Salvador, estou aqui
aos pés do Senhor
Porque descera dos Céus não para
julgar
Mas redimir os pecadores das faltas
E lhes nutrir com as
Verdades mais altas
Ofertando-lhes Seu coração como lar!
Jesus,
meu Salvador, estou aqui aos pés do Senhor
NÍNIVE
(poema
musicado)
acordes: A A4 F#m E D C#m B Am7 G
Tens o
mistério de uma antiga cidade. Nele me perco
Porque teus olhares
são como os becos de um labirinto
Onde se tento me encontrar só
mais perdido me sinto
Ébrio de teu beijo, preso em tuas mãos,
que é meu cerco
Serei conduzido à loucura em teu calor de
estio
Tudo destruo e crio nas asas desse desejo onipotente
Mas
se corres a abraçar o mundo, este de mim fica ausente
Tela sem
traço e sem cor, lançado num imenso vazio
Eu quis um dia
saber como era, morrer de amor
Pois são teus olhos, duas luas
negras, que me matam
Mas teus lábios, sensuais, ardentes, me
resgatam
Quero ser passarinho para espalhar o pólen da tua
flor
Possuir-te inteira, e ser mais feliz, sobrepujando
abrolhos
Mas só me queres não mais que escravo destes teus
olhos
SONHO ROUBADO
(poema musicado)
acordes:
E
B C#m
F C Dm
O céu a pequena mira
Que diverso lhe
parece
Com medo, faz uma prece
E cai! Porque tudo
gira
Estranhos pássaros de aço
Roubam-lhe o céu, qu'era
azul
Também os viram lá em Cabul
Lançando estrelas no
espaço:
Estrelas de aço, cadentes
Pobrezinha, tão triste
e pouca
Mataram-lhe o pai, mamãe está louca...
Estrelas
de aço, candentes
Uma lógica irracional seguindo
Ai, e o
sonho da pequena é findo!
IMPÉRIO DOS SONHOS
(Poema
musicado)
Quem é o estranho no espelho que ao meu rosto
assume?
Fantasticamente, numa infernal amnésia, há dias me
desconheço:
Minha mente exilada num corpo estrangeiro, no qual
envelheço,
E se mais me persigno mais distante me acho do
lume...
É de uma descomunal ausência de mim o mal que
padeço
Como se este que sou cotidianamente tivesse outro
aspecto
Mas num mercado de corpos tivesse comprado este infecto
E
numa rejeição total da matéria, na idéia apenas me reconheço
É
como se, ao mirar-me no reverso do espelho, me não pertencesse
E
após contemplar-me, me fugisse o meu rosto e eu me
esquecesse
Existindo em outro lugar, mas nunca naquele em que
posto
E desfaço-me neste labirinto de ilusões que me é
tragicamente imposto
Como se, pioneiramente, houvessem gravado
minha mente noutro ser
Ou, sonhando-se livre, não mais desejasse
um corpo a que pertencer!
Acordes: Gm (2x) D (2x) -
Quartetos
F E A - última frase
Bm C#m Bm C#m -
Tercetos
F E A - última frase
REINVENTAR-SE
(poema
musicado)
acordes: Bm F#m E F#m;
G D C D
Caem as
cortinas de uma era
Os paradigmas estão todos exauridos
E
reinventar-se é a vontade mais sincera
Pro porvir não repetir os
tempos idos
Fecham-se os portões desse museu
Que guardou
tantos anos de dores e alegrias
De uma miríade de trajetos que
sou eu:
Horas, desoras; acertos e arriscadas vias...
Vedam-se
as câmaras desse mausoléu
Separando o que é vida e o que é
morte
As estrelas de outrora não brilham mais no céu
Só as
sementes do amanhã serão meu norte
É-me impossível
permanecer cristalizado
Nesses grilhões de oníricas imagens de
antanho
Sonho com as luzes da manhã viver casado
Sonho a vida
ardente, e sem tamanho
Quero a vida na forma dos meus
devaneios
Esgarçando limites, rompendo estruturas
Explodindo
no âmago, e por todos os meios
De amplos espaços e portas sem
fechaduras
Anseio pelo corpo da vida, já!
Sobre o meu
deitado, ou justaposto
Para juntos nos encontrarmos lá
Onde se
torna uno o composto!
PARADOXO IMPÕE-SE À
MENTE ESCLARECIDA...
Paradoxo impõe-se à mente
esclarecida:
Afligi-se, insatisfeita, porque mais almeja
A
inépcia aceita entanto contra o que peleja
Cabal só o Mistério,
que admira embevecida
Dá pela escassez dos meios que anseia
E
que lhe embarga lida, estro, potência
Mas o que pode acalma-lhe a
consciência
- um sopro leva a primavera e a semeia!
Percepção
contraditória latente no pensador
Em sua busca irrefreável
(gáudio e perdição):
Esforço ambicioso e humílimo
louvor...
Castigo de Tântalo que assume em louvação:
Geômetra
do Tempo-Espaço, bendigo a ânsia
E os óbices que me impões com
tal constância!
LA PIETÀ
Castigado, a Verdade
expirando no colo da Virtude
Ressurgirá, entanto: promessa aos
corações fatigados
Ele, o santo caminho (a miséria não mais
nos aturde)
Inexpugnável refúgio dos sofredores e
desgarrados
Paz eterna: suas essências, a suave brisa da
infinitude
Serenando inúteis fogueiras, paixões, ideais
conspurcados
Reencontro inefável: mãe e filho na imortal
quietude
Dos que engendrados na Luz foram à Luz
consagrados
Sentimento inexcedível levando-nos à celestial
altitude
Onde quedamos em êxtase com seus semblantes
mitigados
Tão puros que nenhuma visão do mal jamais nos
ilude
Maria, perpétuo e fúlgido dia de verões
abençoados
Acalentando nosso intemerato sol; que Ele nos ajude
A
plantar e colher virtudes, sonhar e viver irmanados
P E R
F E I Ç Ã O
O afã por perfeição, o desejo pela idéia
absoluta,
Fascina, intriga a razão, põe-na refém e mais
culta.
Vai-nos envolvendo, feito teia, feito canto de sereia,
Se
ingenuamente cremos na falácia que a permeia...
Busca atroz,
colérica, inextinguível
Revelando-se quase sempre inexeqüível:
A
diferença entre a potência e o ato
Entre o onipotente sonho e o
fato...
Indômita idéia, fugidia, cigana,
Desdenhando da
condição humana,
Repleta de uma natural lassidão...
Sopro
divino acalentando o coração.
Esforço sem par sonhando a
delicadeza.
Rosa de chumbo!! Hedionda beleza!!
M U
L H E R
Encontrar no teu corpo o homem refém da criança
Com
teus braços cultivar e colher a flor da esperança
No teu olhar
viver a Paz e no gesto e no sorriso de menina
Que resgatam o
transviado até e lhe transformam a sina
Penélope, Atena,
Joana, Tereza, Maria
Infinitos o caos e a noite sem tua magia
Teu
exemplo semeia virtudes e esparge luz
Na sombria face que ao
Masculino seduz
No coração, relicário de emoções, guardas
tudo
Até o rancor, que se revela em teu olhar doído e mudo
Mas
é a compaixão, divina herança, tua fortaleza
Teu corpo é
bálsamo, glória da natureza
A beleza universal resumida num só
ponto
Ao qual tudo converge: inefável encontro
A
GUERRA
a guerra paira no ar
com seu pútrido odor de
corpos cravejados pela insensatez humana
a guerra e nossos
desejos assassinados
a guerra e nossas plenitudes esvaziadas
a
guerra e nossas saudades não vividas
a guerra paira no
ar
aqui, alhures
ontem, hoje
sempre??
a
guerra:
flecha no peito do Tempo
cicatriz no corpo da
História
constante da Civilização
idéia fixa do
Humano??
a guerra:
periclitante espada sobre nossas
consciências
sombra de apetite voraz...
nossa sombra??
como
evitar seu abraço mortal se quando nos pomos em marcha ela mais
velozmente viaja e aos nossos calcanhares se agarra e nos freia e nos
lembra da contradição humana imanente: nossa fenda psíquica
“o
homem não é senhor nem mesmo em sua própria casa”...
“Decifra-me
ou devoro-te”
avisa a vetusta cantadeira...
a voz dela será
a nossa??
somos a imagem refletida em seu espelho??
ah que
bom seria o meio-dia, quando dormem as sombras
ah um sempiterno
meio-dia...
SUBVERSÃO
A unidade da
contradição
A superfície do abismo
A comicidade do
terrorismo
E da privação
O método da divagação
O
cânone do ateísmo
A saciedade do consumismo
E da
especulação
O esforço da inspiração
A eficácia do
vandalismo
A ascese do hedonismo
E da perversão
A
dúvida da conclusão
E do fundamentalismo
O livre-arbítrio do
fatalismo
E da alienação
O cálculo da compulsão
A
tara do moralismo
A fé do comunismo
A face da
multidão
HOUVE NOITES QUENTES COMO O DIA...
Houve
noites quentes como o dia...
Amei tão mais que Romeu ousara
Ao
possuir-te, flor que nunca se entregara
Que te fiz meu mundo, tudo
o que via
E vivi no paroxismo da fantasia
Faminto de tua
sensualíssima graça
A beber-te o sangue numa taça
A
devorar-te a carne na orgia
Mas amar é render-se ao que nos
mata
Tu te foste. Preso fiquei em teu encanto
E me afogo nas
vagas do meu pranto
Desespero: a presença de uma falta!
No
teu corpo plantei minha saudade
Cujo pomo é este amargor que me
invade
A VIDA: SUCESSÃO DE ACASOS...
A vida:
sucessão de acasos...
A vida: equilíbrios tênues...
A carga
do elétron fosse uma diferente
A força gravitacional diferente
fosse
E nada existiria:
Nada de História
De Civilização
De
Cultura
Nada de gente
E suas gloríolas
E pantomimas
E
patéticos dramas e ambições inúteis e contradições
latentes...
Mudanças infinitesimais e só o nada
existiria
Engano-me!
Tudo existiria ainda
Essas imensidões
universais, escuras, silentes, frias, vazias
O que não existiria:
a sofrida consciência de que existem tais coisas
Estas coisas que
só existem nas consciências...
O C A P I T A L
O
Capital avança sobre nosso código genético e nossas mentes
É a
última fronteira. Sua finalidade é consagrar-se um deus, eterno
E
catequizar com seu evangelho: dinheiro! Seu Céu, o nosso
Inferno:
Alienação, fetichismo, tirania e outros pecados
impenitentes
O Capital almeja nossa intimidade. Conhecer para
conquistar
E explorar: corpos, almas, culpas, desejos,
sentimentos, aspirações
Calará quem se lhe contrastar!
Inculcará medos, impingirá aflições
E dividirá para que seus
exércitos e os nossos jamais possam se conflagrar
O Capital e
seus valores psicopáticos: egoísmo, força, cobiça,
eficiência
Estamos loucos! Cegos de olhar sem ver, surdos ao
clamor da igualdade
Consumidos por falsos ídolos e sofismas que
destroem nossa identidade
O Capital e seu esboço pueril de
felicidade: vaidade e concupiscência
Sequiosos de poder,
dinheiro, sucesso – devoradores de sonhos,
Seguimos céleres ao
abismo, à perdição e aos pesadelos medonhos
O
VELHO
Cada velho, na forma de estrela, aos céus
ascende
Quando passa. Palpita luz nas constelações infinitas
Seu
coração, no vazio silente, ressoa verdades tão bonitas
E sua
memória, na escuridão universal, é vela que se acende
Cada
velho é um diamante pelas mãos do tempo lapidado
Cujos quilates
são decênios de aprendizado e experiência
É uma biblioteca de
livros raros, cheios de dor e sapiência
É sorriso e pranto,
sonho e realidade, tudo amalgamado
Delirante, entre as
temporais esferas, ele vigia
A chegada do sétimo dia, quando irá
descansar
Tudo viveu, gerou, cuidou... Não, não temeria...
Já
morreu tantas vezes (e renasceu o quanto queria)
A que virá,
apenas passagem: mergulho num mar
Que a inefáveis plagas, tempos
e sonhos o levará
É POSSÍVEL
Tantos heróis
e heroínas anônimos
Sem máscaras, rostos limpos,
límpidos
Poderes só de gente comum
Tecendo suas obras
Num
silêncio humilde
Homens e mulheres consagrados
Às grandes
esperanças coletivas:
Paz, amor ao próximo, justiça, compaixão,
verdade, perdão
E às pequenas causas cotidianas:
Amar e
cuidar dos seus, cuidar de tudo que é vivo, honrar a Deus, fazer o
bem
Tantos Cristos anônimos
Cruz sobre as espaldas
Numa
Via Dolorosa que poucos vêem ou fingem não ver
Ninguém lhes
estende a mão quando caem
Mas eles se erguem sozinhos
Ungidos
por Deus com fé inelutável e translúcida
Seus calvários em
nobre silêncio suportam
E se choram, choram por que é de verdade
e é justo
Choram para depurar o corpo e a mente de todo
mal
Estes heróis e heroínas cotidianos, Cordeiros de Deus,
Paladinos da Humanidade, são o Sal da Terra
Esperança de
outro porvir, cuja semente está lá plantada no coração de cada
um: regue-a, convide-a a desenvolver-se
Enquanto estes homens
e mulheres permanecerem alheios ao Mal que nos obsidia e confunde,
intemeratos entre transviados, intimoratos entre cobardes, corações
e almas plenos em meio ao esvaziamento do Espírito
Enquanto estes
homens e mulheres estiverem espargindo primaveras em pleno outono,
pincelando auroras quando a noite é alta, semeando virtudes em
terrenos áridos, socorrendo mesmo o imigo, oferecendo sua face, seu
lar, seu pão e vinho
Eu vou continuar sonhando
Sonhando
que outro mundo é possível
R E V E L A Ç Ã O
A
morte desceu de sua atmosfera fantástica
Lasciva, hedionda,
fatal, ela já me escolhera
Trouxe-me visões infernais que no
Hades colhera
Arrebatando-me sua lívida beleza cáustica
Fizemos
amor, eu e seu corpo infinito
No findar-se de uma e alvorecer de
outra era
Prenúncio de uma voraz e ignota esfera
Mas com dor e
com medo lancei um grito
Que varou os espaços inauditos sem
resposta
E a cruel revelação foi nesse silêncio exposta:
Um
universo moral, sustentáculo da Salvação
Fora assim,
sempre, nossa mais cara ilusão
E ali em meus olhos deixou-se
plantar o esquecimento
Dormiu o fogo e o maniqueísmo de todo
conhecimento
AMADA IMORTAL ou Anti-Poema de Amor
Amada imortal, em qual séptico e bárbaro leito
Te
entregaste à magia do sexo, violenta e doce?
Que inculto varão
acendeu a chama do teu peito
E te possuiu com primitiva rudeza,
agridoce?
Outrora, tão reticente! Acorrentada ao
pudor...
Agora é um macular os lençóis em abjetas
orgias
Prostrando este teu pretendente, que maldisse o amor,
E
louco fugiu para ver se a teu rosto esquecia...
Mas não pôde
jamais! Do teu lascivo regaço, ó voraz gana!
Não posso
esquecer-me de ti, ninfa impura e profana
De tuas maneiras
lúbricas, de teus vícios delirantes
Vulgívaga sorvendo o
bacântico sentido da vida!
Pago-te em ouro, mas me deita em tua
cama bandida
E me dá o efêmero prazer das paixões
fumegantes
AVESSO
Prisioneiro,
libertava
Ausente, convivia
São, contemplava
O que outro
olhar via
Crente, duvidava
Estéril, concebia
Alienado,
asseverava
O quanto não sabia
Consagrado, pregava
Ira,
infâmia e orgia
Imberbe, desfolhava
Asceta,
consumia
Iluminado, inventava
A superação do
dia
POLIMORFIA
Minha personalidade
ciclotímica
Fixamente inconstante
Ousando vôo
periclitante
Refém de insidiosa química
Minha
personalidade grandiloqüente
Tudo diz quando cala
Ouve o que
não se fala
E diz a verdade, mas mente
Minha personalidade
Hollywoodiana
Dúbia personagem em cena
Nenhum roteiro a
coordena
Teatralmente insana
Minha personalidade
mitológica
Fênix, renascendo
Sendo, não sendo
Em sua
meta-lógica
Minha personalidade cibernética
Tende a
equilibrar-se no Caos
Corrigi-se auscultando os maus
É
apostolicamente cética
Minha personalidade barroca
Quer
ser os extremos do fio
Quer ser a castidade do cio
Repleta de
tudo, mas oca
G E R M I N A L
Serei
conseqüência e causa da minha vontade,
Para que, preso, possa
libertar-me, num grito.
Contemporizem, ao que promovo o
conflito,
Para, ao calar, ter já exaurido o que arde.
Retrato
fiel da própria verdade, eu serei EU.
No silêncio da noite
gesto-me, ávido do dia,
Nutrido com a fé da mais imortal
utopia:
Fundar outra humanidade, como Prometeu.
E serei
todos que queira, como num sonho
(onde as múltiplas faces na
mesma face ponho)
Enquanto o adicto desta ordem
séptica
Paralítico e abúlico, só debilidade
Forja o
grilhão da própria liberdade
E degenera-se numa covardia
céptica
DIALÉTICA DO AUTO-ESCLARECIMENTO
Debato-me
Numa dialética desvairada
Caminho a esmo
para ver se caminhando
Meus pés me indicam a estrada
Que dará
em mim mesmo
Quando enfim me tenha
Como morada
Abalo as
estruturas do meu pensamento
Rego as antíteses, colho as
contradições
E num turbilhão caótico de experimentos
Acho a
Verdade em preces e orações
Que Deus é tudo
É mudo
Mas
fala aos corações
Repercutem em mim vozes conflitantes
Sobre
as grandes questões civilizatórias
Ah, saudades daquele juvenil
estupor
Daquelas simplórias certezas de antes
Quando não
ouvia o clamor
Dos esquecidos
Nem conhecia
Toda a falaciosa
ideologia
Dos bem-nascidos
E meus sentimentos
Numa
espiral malsã
Deserdados sem coração que os entenda
Exilados,
sem ontem, hoje, amanhã
Contraponho-os, numa acareação
ilusória
Donde extraio só mais confusão sensória
Com eles
componho
Os infaustos poemas
Que a vida vai me ajudando a
tecer
Sequioso pelo momento de alvorecer
D E S P E
R T A R
Enfim, a manhã de uma vastíssima noite!
Lentamente,
as mulheres se vão despertando
Seus olhos desvirginam-se diante
do espetáculo da luz: formas mil, mil possibilidades
Os corações
estão secos:
Ó sede!
As mentes estão ávidas:
Ó fome!
As
almas sonham com a amplidão:
Ó calor!
Abrem os braços,
sequiosas do mundo inteiro: é um convite à Existência, deusa-mãe,
para compartilhar com elas os mistérios profundos da vida
São
desejos vorazes, forças fluindo livremente, revoluções em
marcha
Mas ainda não se levantam. Por que não se
levantam?
Porque também há muita confusão e dúvida
São um
turbilhão de sentimentos, emoções, razões e desrazões
São os
séculos que pesam insuportavelmente sobre seus ombros. A carga dos
velhos dilemas e dos paradigmas depauperados
Têm de vencer suas
sombras, transpor seus abismos
Têm de matar a si mesmas, para
nascer inteiramente outras
Em breve, ágeis e destemidas, correrão
atravessando os espaços e as horas. Mas não ainda, não ainda...
As
mulheres, enfim, descobriram a história
Logo, logo a história
também fará sua maior descoberta: a história das mulheres, o
limiar da verdadeira História
Tornar-se-ão melhores
reciprocamente? Sim!
Que transformações sucederão em ambas?
Todas!
Algumas mulheres exigem do mundo uma indenização pela
história ter sido o que foi
Paguem, vociferam, pela nossa doída
plurissecular inexistência, por nosso amor castigado, por nosso
corpo aviltado, ferido, vendido e comprado, por nossa delicadeza
humilhada pela força, por nossa dignidade seqüestrada pelo
dinheiro, por nossa inútil entrega aos bárbaros e aos brutos, por
nossa inteligência castrada pelos covardes
As mulheres querem
revanche!
As mulheres querem revanche?
Não. Somente aquelas
que ainda não compreenderam a grandeza do momento, aferrando-se ao
ontem, ao invés de imaginar e erguer o amanhã
É porque enquanto
o novo não se impõe, o passado chora à sua porta e dói nos corpos
como Roma doeu no corpo do Cristo
É porque ainda não se
encontraram totalmente (enquanto os homens se têm perdido)
Estão
no meio da travessia
É duro estar no meio da travessia
Caminham
num labirinto escuro, não se enxerga um dia à frente
Caem de
alturas infinitas
São arrebatadas por forças ignotas
Suas
identidades tragadas em redemoinhos emocionais
Injetam miríade de
delírios nas veias
Têm os corações explodidos
Têm as
vulvas em brasa
E repercutem o grito de Munch
E enlouquecem
como o pintor holandês
E desistem como os suicidas
E se
envenenam lentamente (enquanto envenenam o mundo com a cicuta das
feridas supuradas)
Olham-se no inexorável espelho da alma
E
vêem o monstro de Frankenstein:
Um pesadelo composto de mil
pedaços ainda não revelados
Não sabem quem são
E dói
ignorar quem se é, o que se é, o que se quer
Partem em busca de
si
Perseguem-se
Capturam-se
Confessarão?
A verdade pode
doer. Não vão querer ferir seus ouvidos com a verdade...
Não!
Querem sim saber da verdade, porque têm coragem
(A verdade é só
para os que têm coragem)
Querem saber quem são
Querem
decifrar este enigma
Traduzir os arcanos do feminino, plantados em
seus corações desde tempos imemoriais
Mas ainda há muita
ignorância. E o caos
Ainda sonham com a maternidade, ou preferem
uma liberdade egocêntrica??
Trocariam uma vida de doçura e calma
pela pantomima cínico-traiçoeira do poder, do dinheiro e da
glória??
Anseiam por ter o respeito, quem sabe o temor dos
homens, ter o mundo a seus pés?? Ou preferem, humildes, ajoelhar-se
e beijar os pés da Terra??
Um homem (o ideal)?? Ou todos?? Ou
nenhum??
Ó sede!
Ó fome!
Ó calor!
Levantam-se
Tropeçam,
caem, soerguem-se
E avançam
A marcha de um exército?
Um
cortejo pacífico?
Aí vêm elas:
Sombra e objeto
Potência
e ato
Sonho e labor
Escuridão e luz
Mas, desde já, livres
de todo senhor e de toda cruz!
LOBISOMEM
(1)
A
fera
Espera
O momento certo
De erguer o cetro
Impera
No
instante
Em que se encerra
A censura da consciência
Esmera-se
na vertigem da lucidez
E assoma na insensatez das paixões
humanas
(2)
Um lobo corre
No labirinto da
tua
Existência
Até que ele acha a saída
E destrona
tua fugaz
Consciência
(3)
No esfíngico
rincão
Do inconsciente
O primitivo que há em nós
Movimenta
sua mão devastadora
No espelho
Esse antípoda de nós
Algoz
silente e atroz
Íncubo que atormenta
A humanidade de
todos
Medo de mim e dos outros
Hedionda face na íntima
janela
Animal fugido da cela
D E S E S P E R A N Ç
A
Em etílico assomo brada
O cobarde a desdita que o
enfada:
“De outrem o fado cumprido
A vida é vazia, os dias,
sofridos”...
No íntimo exílio, à mesa de Baco
Olvida-se
com álcool e tabaco
Receando os algozes, os imigos
Prostrado
por tantos castigos...
Ímpeto que o fizesse afrontar
E o
vestisse de aço, pra pugnar...
Só teme. Quisera assustar!
Sonho
que o incitasse a lutar
E o erguesse pra uma revolução
comandar...
Mas morre. Quisera matar!
DOIS POEMAS
(1)
Vencer o destino
Indo além do previsto
Insisto
no desatino
Ir além do concreto e do real
Mergulhando no
secreto e no ideal
E viver nos sonhos
S o n h o s
T a m a n
h o s
Suplantar o fim
E renascer
Menino
Numa
espiral
Recorrente
Ser imortal
E inconseqüente
Poeta
do excesso e do abscesso
Versejando o avesso e o transversal
Nunca
onde posto
Uno e composto
Este e o oposto
Peito
arquejando
O inarrável
Veia transbordando
O
mistério
Expandindo meus desejos
Na anti-gravidade das
horas
Expandindo meu universo
Com a imprevisibilidade do
verso
(2)
Sou vário
Multifário
Alegria e
calvário
Ao sabor das horas
E das desoras...
Eterno
como os números
E fugaz como as palavras...
Virtudes
ímpares
Pecados plurais
Razão e absurdo
Clamor surdo...
Livro inconcluso
Que se reescreve
Na urgência
Do
que nasce
Ou morre...
Viandante
Que parte para onde
ignora
Mas chega sempre onde mora
Porque mora em
tudo...
Mundos
Ardentes
Diferentes
De mim
mesmo...
Passos à toa
Perdidos uns dos outros...
Sem
fim, sem começo
Todo dia me esqueço
Todo noite
amanheço
Buscando por Deus
Mas não sei se o mereço...
O
N Í V O R O
Vivamos livres, sem limites
Condenados à
liberdade
Ao ócio, aos instintos
Como deuses loucos e
lindos
Um nome?
Uma identidade?
Não nos serve...
Somos
tudo, somos todos
E somos nada
Certezas e
saudades?
Emprego e propriedades?
Correntes que nos
agrilhoam
Falsos ideais a nos escravizar
Sem destino,
sigamos
Para além do que já foi pensado e vivido
Inventemos
novos sentidos para a vida
Novas trilhas para o mundo
Para a
mente
Para a gente
Morte à pátria, à religião
Ao
Capital e à moeda
Não nos basta o que temos:
O mundo, a
humanidade, a filosofia, a arte?
E o futuro, gestado em nossas
mentes
Qualquer coisa estranha a nós mesmos, não nos
serve...
Por que degredar-se para longe de si mesmo,
degradar-se?
Revoguemos tempos e espaços
Vamos ter o que é
nosso
Façamos com nosso braço
Digamos com nossa boca
Vejamos
com nossos olhos
Sintamos no nosso corpo
Esqueçamos das
convenções
Pseudo-verdades alardeadas
Desacreditemos de
tudo
Quem disse que esta era a ordem?
Que tal era a verdade?
As
verdades são tantas quantas as estrelas no céu
E tão voláteis
quanto os segundos no tempo
O caos é a única ordem que se fez
O
acaso, o fortuito, o contingente
*
Cordeiro, abandones
teu rebanho
Te entregues à liberdade
Não há lei, autoridade,
hierarquia
Vivas no reino da anarquia
Onde todos somos
absolutamente iguais
D i f e r e n t e m e n t e
Onde todos
somos absolutamente distintos
I g u a l m e n t e
Não há
nada que não queiras
Rias em desafio
Batas no peito com
força
Enfrentes o establishment
Enfrentes o mainstream
Até
que tremam, claudicando
Enfrentes! Que sejas tigre
Não
cordeiro
Escrevas com teu punho
Creias na tua obra
Caminhes
com teus pés
Marques teus próprios passos
Esqueças os dos
outros
Se os outros são cobardes
Sejas intimorato, força
telúrica
Obra plena em si mesma
E se fores viver, vivas
livre
E se fores morrer, morras livre
Revogues tua
escravidão
Removas tua corrente
Te resgates do teu cárcere
E
vivas livre e morras livre
Enfrentes os tiranos
Os tiranos
merecem a morte
Enfrentes teus inimigos
Os inimigos merecem a
morte
O medo, a morte, esqueça-os
Amplies-te i n f i n i t a m
e n t e
Tua vocação é para a liberdade
Não queiras ter
fronteiras
Somos todos infinitos, em contínua expansão
Sem
começo, nem termo, como os universos na eternidade
Não queiras
ter posse nenhuma, senão tu mesmo
E o mundo, a humanidade, o
futuro
Que é tudo teu, que é tudo nosso
Que é de todo
mundo
E de ninguém
B U S C A
Busco-me em
minas profundas
A ver se me descubro tesouro
Potes transluzindo
ouro e diamantes
Para ver se lá no fundo me encontro
Maior e
melhor, como nunca dantes
Senhor de minhas
faculdades
Reerga-me com a força de gigantes,
Rebentando o
grilhão dos medos e das saudades
Na escuridão dessas
minas
Paradoxalmente possa ver-me melhor
E descobrir o herói,
o guerreiro, o artista
Que porventura em mim existam
Quase
asfixiados
Na inércia dos acanhados
Medito para ver se me
materializo num santuário
Onde os sonhos vêm trazer oferendas
Para forças imortais cheias de plenitudes
Também
mergulho-me nos meus oceanos
Para ver se descubro pérolas de
antigos naufrágios
Jóias esquecidas em longos anos de
afogamento
Essa busca, não sei bem aonde dará
Mas a
recompensa de caminhar não são os passos dados,
Onde quer que os
pés descansem, no fim da longa jornada?
Mas intuo: essa busca
há de me revelar a mim
Para que descanse nos braços da quietude,
enfim
Essa busca há de me revelar Deus, também.
Que é tudo
a que tenho ansiado. Amém!
O PONTO DEUS
À
noite, as vastidões do nada me aterram!
Tenho estado de Deus uma
vida inteira ausente...
Ajuda-me Senhor a desvendar o tudo no nada
presente:
Quero vislumbrar o espaço infinito no átomo
Quero
sentir a eternidade nas asas do átimo
Quero ver e sentir muito
mais, muito além
Do que se vê e sente
Os abismos
incomensuráveis da matéria é fera
Que enregela as fibras do meu
coração
Sei agora - sabemos todos:
Nossa mente para crer
fora forjada
Por um martelo e uma bigorna divina
Porque só
assim faz sentido e suporta-se
Esta brevíssima e agônica
jornada
Sou um falso profeta da matéria
Do frio silêncio
universal...
Tudo mentira banal!
Sou um falso crente do acaso e
da probabilidade
Porque em tudo agora vejo um sentido e uma
verdade
SONHOS
Meus sonhos iluminam-se da tua
arcangélica beleza
Neles, ponho-me aos pés da tua nudez,
arrebatado
De ti, toda minha natureza tem-se ocupado
Em êxtase
tem vivido e estado acessa
À tua regência, meu universo
inteiro cala
Só o coração pulsa em ardente desejo enlevado
A
te esperar, fonte de tudo que é mais sagrado
Secretamente, nele
tua voz sussurra e fala
Teu corpo, esplendor da forma, exala
perfume inebriante
Que cativa e engana. Já amo mais que Romeu e
Dante
E fico cismando as delícias da tua boca, da tua tez
Sentir
a nívea doçura do teu corpo, que Deus fez
Embriagado do ardente
azul do teu olhar
Perdido no sonho de nunca mais acordar
VÊNUS
DE ÉBANO
A lasciva noite jaz na epiderme
Exalando a
luxúria dos amantes
A consagrada nudez: inquietante
Visão do
Éden; obsessão em germe
Deusa de ébano, lábio
africano
Divino lume o viço lhe engalana
O beijo, veneno doce
como a cana
A desvairar o varão americano
Negra! Singular
perla dos mares
Canto de sirena rasgando os ares
E o Odisseu se
arrebatando
Manhã de primavera acordando
Êxtase sublime,
loucos devaneios
Vertigens noturnas e seus enleios
D
E U S A
A cútis branca, lençol de luz
Que a veste. O
púbis negro,
Inflama no ensejo, reluz
Na lascívia do meu
estro
O ventre, porcelana delicada
Templo de amores e
idílios
A vulva, olente e nacarada
Vertendo o licor dos
delírios
As melenas, noites encaracoladas
Escorrendo rio
sobre as espaldas
Afogando os seios, pequeninos seixos
As
curvas, inebriantes, nos eixos
Olhares vagos, dissimulados
Mil
e um amores transviados
VIDA (ou SOMBRA)
Informe,
aflita, errante apenas sombra
No ermo da alcova projetada do
incognoscível
É miragem a vida, de concretude impossível
Esfinge
cujo canto fatal assombra
Outra quimera a realidade, ilusão
sensitiva
Divindade nascida da nossa inconsciência e loucura
A
urgência infantil de semear luz na infinidade escura
Auto-engano
psíquico, superstição cognitiva
O poeta revela, ele sabe:
só existe o nada!
Raciocínio, sentimento, paixão: fraude
biológica
Que é trama cerebral a existência, é
mitológica
Entanto, fingi crer na mentira
inculcada
Introjetando o absurdo espetáculo, desconexo
Onde
tudo o que somos é vertigem e reflexo
A FERA
A
fera vem da sombra ancestral
E sua garganta a noite inteira
verte
Que a luz envolve e reveste
Bêbeda, regurgita o
Mal
Olhos incandescentes, labaredas queimando
De tanto
desejar a Morte, que a espreita
Para juntas pregar a guerra como
seita
Que é a constante do quando
Seu ódio asfixia a
inspiração da Paz
Forjando miríade de grilhões, de gládios
Que
fazem das épocas históricas plágios
O Inferno com suas mãos
pode. E faz!
Ela quem é, somos nós?
Nossa oculta face,
atroz?
DEUSA II
Porte aristocrático, olhares
altivos
Classificando com ares imperativos
Movimentos ligeiros,
de bailarina
Fibra de mulher, frescor de menina
O coração
semeando a saudade
Volúvel demais para a saciedade
O verbo é
um gládio, machucando
A fé cega dos que seguem
acreditando
Narizinho aspirando (a)o céu
As mechas da cor
do mel, véu
De estrelas refulgentes
Os olhos: sempiternos
verões
Ardendo em estrepitosas paixões
Opalas de fogo tão
quentes!
ONÍVORO II
Fome audaz, implacável,
soberba, profunda
Consciências devoro, civilizações,
universos
Regurgito tudo depois, em moldes reversos
E o que a
razão aplanava o caos aprofunda
Ó sede inconsciente,
primitiva, sede de morte
Minha sorte é o fim fomentar, e o
recomeço
Tudo fenece à minha volta, mas permaneço
Avesso
vivo; morro; e tudo pode nascer de novo
A culpa e o medo foram
assassinados pelo desejo
Absolva-o que ele é a força vital da
natureza
A outra face voraz divina infernal da Beleza
Fome,
sede, desejo põem-se a inventar o ensejo
Dê-me um segundo e faço
tremer a Eternidade!
Um punhal para cravar no coração da
Verdade!
REMEMORO A INFÂNCIA...
Rememoro a
infância... Deus, onde a guardou?
A criança que fui, repleta da
doce inocência, existiu?
Ou apenas miragem que na alcova do Tempo
dormiu
Entre as agônicas sombras que Ele sonhou?
Doce é
também a consciência que temos da morte
Porque bálsamo se faz
contra as dores do mundo
Ponte para um esquecimento sereno e
profundo
Visto que o perene é a matéria e só o crê o forte
No
instante que se esgota, coisas aos milhões desvanecem,
Consciências
e mundos. Deus quer que elas cessem
Apenas Ele, absoluto, comporta
outro sentido
Segue o humano, assim, sôfrego do tempo
presente –
Essa ilusão dos sentidos. Fingi crer, mas
pressente
Que não há glorioso destino que lhe devido
QUISERA
AMAR-TE
Quisera amar-te comedidamente
Com hora marcada
e a luz apagada
Cheio do casto pudor de antigamente
Sem
arroubos românticos
E copiosas lágrimas de
ciúme...
Amar-te mansamente, sem os carrosséis de
emoção
Dos aficionados em paixão
- essa convulsão
dos sentidos
Sem ramalhetes de rosas
As insinuações
dolorosas
E os pratos no chão partidos...
Amar-te
racionalmente
Como quem quase finge o que sente
Sem
poesia, sem saudade, sem plenilúnios à beira-mar
Sem acordes
de um violão...
Quisera amar-te
Como uma simples
troca de favores à meia-noite:
O mercantil romance
finissecular...
Mas tal amor, querida, eu nunca poderia
dar...
FRAGÍLIMA A ARQUITETURA DA MINHA
VIDA...
Fragílima a arquitetura da minha vida...
O
terraplenagem não fixou bases sólidas para a adequada edificação
e agora titubeio com suaves brisas cotidianas; nos terremotos da
vida, soçobro-me
A argamassa do meu ser orgânico e
psíquico é fraca e degenera em risco grave à saúde; tudo é
caótico, entrópico e a energia migra para outros universos
paralelos de mim mesmo, que desconheço
Sou construção
superfaturada cujo material é de qualidade duvidosa e a qualquer
momento pode ruir com todos os sonhos dentro
O Grande
Engenheiro furtou-se de esmiuçar os cálculos e as geometrias a uma
grande obra e agora as informações se contradizem e redundam em
estupor entre os empregados que devem erguê-la; meus próprios genes
levam-me ao paroxismo e à atimia
É uma falha conatural,
mutação gestada e prometida a mim nas labaredas da
descendência
Fragílima a arquitetura da minha
vida...
PRESO
Preso
Ao Big-Bang
A
este universo
Às leis da física, química, biologia
Aos
acontecimentos fortuitos que deram origem à vida
À evolução
da vida e suas leis intrínsecas
Às particularidades da minha
espécie, da minha vida e seus determinantes orgânicos, mentais,
psíquicos
A um Deus que me invento e seus mandamentos
A
um Deus que se inventam e seus mandamentos
A este tempo, a
este pedaço de século, sua técnica, tecnologia, moral, ciência,
filosofia
A este sistema sócio-econômico e suas contradições
frementes
A esta pátria e língua
A este corpo e
mente
Aos genes dos meus avoengos e suas mutações
aleatórias
À cultura,
À personalidade
Aos
Fatos Sociais
Às variáveis estocásticas que me fizeram quem
não sou
Aos meus sonhos e medos, desejos e delírios,
fracassos e gloríolas
A estas pessoas, às prisões destas
pessoas, à loucura destas pessoas
A esta vertigem e a esta
dúvida metodicamente martelada: existimos, de fato?
Não
obstante, LIVRE! LIVRE para renunciar a tudo.
E até nisso,
preso: preso ao livre-arbítrio, dádiva (e castigo) de Deus aos
homens
Livre para renunciar a tudo!
TEU OLHAR
É teu olhar que lança ao frio e negro firmamento
A
energia, o ardor, a luz que o vão despertando
Nele, a infinita
amplidão cabe num momento
E, um ao outro, instante e eternidade
estão amando
Teu olhar é também uma súplica ao
vento
Sussurrada pelo exangue moribundo, quando
A Dama Negra
nele fixa seu olhar sedento
Teu olhar é também dor e mágoa
castigando
Teu olhar é a Paz (quase nunca o nosso
intento...)
Janela onde vemos o Cordeiro as virtudes alentando
E
extasiados de beleza olvidamos o destino violento
Teu olhar é uma
pungente dor secreta, lancinando
Que provoca multifárias
explosões de sentimento
Vendavais de poesia, ondas de paixão e
de tormento
BRASILIDADE
Nossas múltiplas
raízes, profundas e diversas
Que a longínquas plagas e tempos
remontam
Reminiscências ancestrais assim nos contam
Da cultura
de civilizações vivas e dispersas
As etnias ibéricas no
sangue amalgamadas
Seus credos e valores, nossa plástica moral
O
pecado primitivo e o paradoxo nacional:
Defeitos hediondos e
virtudes afamadas
Subsistem n´alma visões de um mítico
oriente
E de traços setentrionais longevas inspirações
A
galhardia negra e índia também é presente
Matriz das nossas
controvertidas paixões:
Fincadas no inconsciente, a ganância e a
luxúria;
E o Amor, da herança se opondo à parte
espúria
POEMA SÁFICO
Delicados afagos azuis,
teus olhares me aquecem,
Confortam; a ti descortino meus
multifários arcanos
Para que chores em silêncio comigo meus
desenganos
E te rias das alegres virtudes que me
convalescem
Suaves brisas cariciosas, tuas mãos me conhecem
A
toques tímidos; levam-me ao limiar de reluzentes anos
Onde teus
lábios noites viris me farão esquecer e seus danos:
O golpe dos
brutos, que até hoje meu corpo e alma adoecem
Teu corpo,
virgem enseada para aportar Titãs; entanto,
É divergente no
desejo; aspira por igual arquitetura:
Templo de prazer sem
contraste, só amena ternura
Teu espírito, diamante lapidado
com lumes de encanto
É poesia transbordando no seio de cada
sentimento
Uma que só o feminino pode ler com entendimento
O
TROCO
Fingir
Sujeição
Aspirando
No entanto
À
ação
A voz
Recolher
Humildemente
Pôr-se
calado
Até soar
O canhão
Na forma de
brado
Cogitabundo
Em sua aurora
Dizem-no triste
Mas
prepara
Entrementes
O domínio das mentes:
Mil argumentos em
riste
O corpo torturado
Não a alma: intemerata
Sem
cortes, sem sulcos, sem data
Quebrantado
Agora
Mas
forja-se
Na fornalha das horas
De sonhos
Fendido
O
peito
Mas segue multiplicando
A carne no leito
Dócil,
segue
Transigindo
Para que tudo se vá convergindo
À
revelação do segredo:
Não tem mais medo
E os
inimigos
Desapercebidos
Zás!!
Estarão mortalmente
feridos
AOS ESCRAVOS DE TODOS OS TEMPOS – I
Antes,
a corrente gravava na carne sua insígnia
Sabiam-se os algozes,
binária a lógica do mundo
E houve até escravo idealista que,
meditabundo
Sonhou e levantou-se para pôr fim a tanta
ignomínia
Mas fracassou... Hoje, o grilhão também é
ideal:
Com boa indumentária escravo há que se crê liberto
Não
é senão autômato que representa a cada gesto
Grotescas
personagens de um Espetáculo brutal
E os há ainda escravos
como na Idade Antiga
A pão e circo, eterna via-crúcis de
humilhações
Massa amorfa condicionada à miríade de
prisões
Qual símbolo, que face representa a hoste
inimiga?
Toda ideologia pulverizou-se: grito perdido no vento
E
todo idealismo resume-se a um ineficaz lamento...
AOS
ESCRAVOS DE TODOS OS TEMPOS – II
No escravo, o fogo que
sublime e feroz fulgiria
Arrefece e é cinza ante o silêncio e o
medo
Carrascos que lhe impõem miserável degredo
O de si
mesmo; e ele acata quando subverteria...
Dê escravo ao seu
alquebrado coração um lenimento
Creia no sonho que lhe faz
humano e creia no desespero
Reúna as suas dores e delas ergue um
homem inteiro
E lute para ser livre, que é o único
sacramento
Diversa Roma se nos impõe (quantas ainda
sobrevirão?)
A de Enéas tremeu ante o braço viril da
escravidão:
Spartacus! Epopéia escrita em sangue, libelo
Contra
um mundo que flagela qual pesadelo
Sonho épico alastrando-se no
invisível do ar
Com a imorredoura canção da liberdade a
ecoar
B R A S I L
Pungente mosaico de
contradições não resolvidas
A pátria amada sonha o ideal da
justiça e da igualdade
Atormentada pelo passado, do porvir tem
saudade
Mas lá também suores de Hercúleas lidas
Hesitante
e trôpego, o colosso com passos vagos
Percorre a trilha de seu
histórico e cruel labirinto
Junto a si o povo que erra deserdado
e faminto
Ainda esperando a utopia e seus cariciosos
afagos
Civilização tropical portadora da áurea
promessa:
Inventar uma existência feliz, produtiva e sem
pressa
Todavia, tal primavera é apenas botão neste instante
Mas
que há de mudar em idílico jardim de doces frutos
Que este povo
heróico já não tolera o açoite dos brutos
E uma elite venal de
seus ideais dissonante
ESPÍRITO SUPERIOR
Para Ana
Carolina
Derradeiro limiar da História:
Culto, belo,
delicado, definitivo
Sopro suave detendo o fogo furtivo
Do Mal,
arejando-nos com a glória
Espírito luminar,
esclarecendo
Elogio da busca, amor à Verdade
Impoluta
sacerdotisa da Liberdade
Plúmbeos céus de ferro
alvorecendo
Afrodite mil primaveras espargindo
Com o
orvalho dos sorrisos cariciosos
Contra a torpe bruteza dos
impiedosos
Heroína organizando e reagindo
De vastos
distintos orbes reminiscências
Se lhe revelam. Berço das
múltiplas consciências
Vejam! Transluzindo arrebatada aos
ares!
Proferindo axiomas e intuições estelares!
SOBRE
UM TEMA DE TORQUATO NETO
Eu sou como eu sou
Poeta
Traduzindo
com a verve
A meta
Que o caos traçou pra mim
Por
todos os meios
Até meus fins...
Eu sou
como eu sou
Cobarde
Hei de abrandar o sol
À
tarde
Também à luta
Me visto
Agarro-me aos
sonhos
Que a mim mesmo imponho
E insisto...
Eu
sou como eu sou
Debalde
Não me corrói o
peito
Saudade
Deslizo nas vagas do
Vinho
Deliro
nos braços da noite
Sozinho...
Eu sou como
eu sou
Paladino
Dobrando o sino
Das
revoluções
Extemporâneas
Preparando nossos
corações
Para as guerras e para as manhãs
E
louco
Rouco de bradar veleidades
Porque pouco capaz de
saber
Das Verdades
E do Amanhã...
SEM DÓ,
A MORTE O HOMEM DESMASCARA!
Sem dó, a Morte o Homem
desmascara!
Olhai esta bela jovem, a se decompor
Ontem,
lânguida de desejo se entregara
Ardente e sussurrante ao deus
Amor
Sonhos puros, que nada ainda os maculava
Lembro de
seus olhos noturnos, amanhecendo
Num esplêndido dia, cujo fulgor
auxiliava
A humanidade a convalescer da hipocrisia
Seus
sentidos lançados aos pedaços
No silente enigma da física
atômica
A inteligência, de habilidosos laços
Tragada numa
vertigem astronômica
Espelho implacável, a Morte
revela
Nossa face de fragilidade e impotência
Agora, dai-me
licença, vou acender uma vela
Ajoelhar e chorar junto ao corpo
dela
ENERGIAS BRUTAIS
Fonte inesgotável: o
pensamento
Forças omnipotentes: à revolução
O porvir se
reescrevendo com a nossa mão
Que a história é o nosso
experimento!
Mover a Terra com um nobre sentimento
Que venha às
derrotas a reação
O que na vida sublima o coração
Não teme
o último momento!
Energias brutais semear no vento
Empresa dos
que clamam por igualdade
A morte vale à pena, se a chama
arde!
Humanos, erguei-vos com um puro alento:
Honrar o sonho e
o sangue dos que lutaram
Dos que tombaram ermos e
acreditaram!
DOIS POEMETOS
1)
Antes que
o sono venha
A romper a veia
Da memória
Visto-me
à vitória
Antes do crepúsculo
Treino o
músculo
E a mente tímida
Para desarranjar
lógicas
O frio antes de me gelar a veia
Embriago-me
do sol
E de sereias
Nos olhos, a urgência dos
tempos
E dias de enfrentamentos
2)
Ascende
o sol nas retinas
Repletas de amanhãs
E manhãs
cristalinas
Arde a flama olímpica
No
coração
Imaginar
Nova estação
O olor
inebriante
Das primaveras
Toma-me celeremente
À
alvorada da mente
As culpas, os medos
O medo da
morte
Fenecem
O que era silêncio
Transmuta-se
em melodias
Às vibrações de outros dias
Assim,
ouso o sonho
E como um pedreiro
Ergo a própria obra
E
a obra coletiva
Tudo que é sublime
Imprime-se
nos atos
De fé e ousadia
DOIS
POEMETOS
1)
Viver integralmente
A própria
finitude
Viver e morrer tudo
Dentro e fora de tudo
Ser
o suave e o rude
Perseguir a totalidade
Da
própria incompletude
Tudo nutrir e secar
Tudo sentir e
negar
Até a grande solidão
Ataúde
Morrer
Na
fugaz
Eternidade
Das horas
Renascer
Na
aurora
Do íntimo
Mistério
Ser mais
torto e reto
Amiúde
Sonhar
(-se)
Ensandecido
Esquecer (-se)
Ser
esquecido
2)
Só o silêncio a ser dito
Num
surdo e estático grito
Nada a viver, mas a
morte
Íntimo consorte
Desflorecer a aurora
No
insulamento da hora
Nada a urgir na
consciência
Castrar a concupiscência
Cultuar
humanos flagelos
Defenestrar ingentes anelos
Cingir-se
ao deletério
Leve
Repousar
Nas asas do
mistério
ÀS PUTAS
Saciado na ciência de um
leito multitudinário,
Esquivo-me da virgem presunçosa que me
pretende
E rio-me do pregador hipócrita que defende
A
supressão deste prazer consuetudinário
Porque menoscabar uma
multimilenária ocupação?
Acaso sabe a dama o que sabe a mulher
do arrabalde?
Acaso não nos deixam mui contentes, com saudade
E
revigoram os liames da mente e o coração?
Soporífero quanta
vez o regaço da jovem virtuosa
Melancólica pode ser a castidade,
acre e fatigosa
O que de infame haveria em amar com as
putas?
Também elas rezam, como nós, antes da labuta
Também
filhas de Deus, como a rainha da Inglaterra
Ora, e no fim não
vamos todos namorar com a terra?!
V I D A !
A
vida é o paradoxo do entendimento!
Vede! A beatitude e o horror
congraçados
Dialética e imortalmente irmanados
Artífices do
humano experimento
A hecatombe, o holocausto do
sentimento!
Delitos, perfídias, culpas nunca expiados
Sonhos e
paixões e ideais desvirtuados
Num turbilhão de incognoscível
movimento
Uns desfolhando os planos malogrados
No doído
escaninho do esquecimento
À cruz dos severamente castigados
Só
misérias, só padecimento
Outros, de casto lume
embriagados
No ingênuo, fútil, tolo alheamento
Das almas e
dos corpos saciados
Por graça de um vil sorteamento
ADMIRÁVEL
MUNDO NOVO
Deus e o diabo somos nós, irmãos humanos
Nossos
desejos viscerais, contraditórios
De resultados luminares e
proditórios
Imensuráveis amores e ódios levianos
Adiante,
no entanto, o além-do-humano
Quando toda miséria é mero
palpitar surdo
E a dúvida é extinta, que banido o absurdo
Da
Civilização, já liberta de todo engano
Mas lá, quando
traduzido o arcano derradeiro,
Que se imaginará? Todo pedaço
será inteiro?
A onisciente e estéril satisfação
tecnológica...
E impregnados da nova, pura e voraz
lógica
Nossos herdeiros, deuses inúteis, embriagados
Na
perfeição fastidiosa calarão, entediados...
PEQUENO
POEMA DE INSURREIÇÃO
Desfaz-se neste meridiano a
aurora
Remodela-se o homem ante uma diversa realidade
Já
vejo vir batalhas ardentes e fatais
Que só travam aqueles que
ouvem
A própria voz e ousam
Vitórias, derrotas...
Batalhas
A obra a compor
Nenhuns outros passos: ao
leste
A ausência cumprida
Sepulto-a às margens de
remotos rios:
Serenas lembranças da inocência
Nesta
hora, o aço! O golpe do braço!
Retomar a ponte
desfeita
Abrir portas para o mundo
A lida única que me
ensinaram os pais que tive
Capitulei, mas basta!
Ao
cume do Olimpo
Roubar o fogo divino
Outra vez
Sonhando
em fazer amanhãs
Com vocês
PEQUENO POEMA DE
SEPARAÇÃO
Corpos que não se entregam
Olhares
oblíquos ou indiferentes
Rostos lívidos de cansaço
Mãos
distantes, severas; o toque é acidental
O ninho de amor está
frio
Agora, só reminiscências, só saudades
A casa é
um relicário de imagens:
Fantasias sepultadas, filhos
proscritos
Aquelas viagens inesquecíveis nunca feitas...
No
leito do amor de outrora
Silêncio tumular entrecortado
Por
prantos ressentidos
E ásperos solilóquios
A vida
parece arrastar-se
A hora parece arrastar-se
Antes, o
tempo era regulamento conservador
Para os apetites da carne e
o encontro das almas
É a dúvida, que tudo devasta como fosse
procela
Que lacera como punhal
Tudo foi inutilmente?
A
cama compartilhada, os sonhos compartilhados,
O riso
compartilhado?
O espelho partido desfaz a vida em mil
pedaços
Lá fora, o mundo é o mesmo remoinho de
vidas
Entrechoque de gentes, ódio e carinho
Mas amanhã
é outro dia
E tudo pode recomeçar...
SONETO
DA ESPERANÇA PASSIVA
A esperança invade a veia do povo e o
embriaga,
Como uma noite que obscurecesse seu
entendimento.
Esperar?! O derradeiro, quiçá o fatal movimento
De
uma hoste que o medo arrefece e esmaga.
A eloqüência do
líder a alma do povo afaga.
Mas, que palavras realizaram que
sonhos?
Palavras são artifícios pueris e enfadonhos
Com os
quais fingimos mitigar nossa chaga!
É verdade que tua
hora sussurra na brisa, Sul-Americano.
Teu olhar, férrea
hematita, mira uma civilização tropical,
Onde a igualdade, áureo
sol, irradie todos os dias do ano.
Mas como? Se a sujeição
ao divino te faz prescindir do real;
Se crês ser teu líder
alguém infalível, sobre-humano;
E abdicas do próprio ideal, que
é cabal, sem engano...
LIVRE NASCESTE, MAS QUANTOS TE
ALMEJAM ACORRENTADO...
Livre nasceste, mas quantos te almejam
acorrentado!
Estupefato com o drama humano, abúlico,
inerte
Esquecido de que o sangue esquenta nas veias e ferve
E a
reação é legítima contra os que te têm açoitado
Resoluto
nasceste, mas quantos te querem claudicante!
Porque previsíveis
teus movimentos não surpreendam
E os pensamentos tímidos, pueris
não transcendam
A lógica inimiga; um débil, venal,
mendicante
Projeta o status quo curar-se das células
cancerosas
Para que tudo opere num certo intervalo de
confiança
Onde se evite súbitas sublevações morais
perigosas
Tua nova visão, supremo ideal, revolucionária
ânsia
É o câncer temido (embora estejas só, por
enquanto...)
Mas é fatal mudares teu choro em magnífico
canto!
T I T Ã
Céu e Terra certa vez, e com
ardor, se amaram.
O fruto, virtude celeste, força telúrica, é
Titã
Empenhadíssimo em conceber o amanhã
Com verdades que
milhões não decifraram...
Nas fibras do seu coração
vicejou inabalável afã:
Derramar luz em sendas que se
conspurcaram
Sanar as mentes que as trevas deturparam
Para a
existência brilhar lúcida, cabal, sã...
E os pusilânimes,
os ignaros dele duvidaram!!
Não sabiam que proviera de atemporal
clã
Cujos antepassados são deuses que sempre conquistaram?!
A
boca seca da invídia lhe disse: tua intenção é vã!
Como? Se
nela inteligência, força e ousadia se mesclaram
Produzindo
êxitos que a Céu e Terra já tanto orgulharam!
PARA
ARTHUR RIMBAUD
O desregrar-se: tua mira,
Alvo só por ti
subjugado.
Foste um recriar-se dia-a-dia,
Recriando-se te
fizeste mito raro.
Dos covardes acentuaste a
hipocrisia,
D´outros, a candente invídia temperaste.
Qual
ventre ornou-te de ousadias,
Mas descuidou-se dos excessos
aparar-te?
Anjo & Demônio, belo torto,
Bateau ivre
em amores puros e violentos.
Visionário do sol, em longes mares
absorto,
Precursor de ignotas estradas e alentos.
De
poder impossíveis, tu brincaste,
E os fez, avidamente,
timoneiro-mor.
Sobre os alvos pés a Poesia dobraste,
Que em
tua alma ébria foi maior.
Inda precoce imberbe (fugaz
fulgir),
Cansaste do vigor dos versos singulares,
Abandonando
órfã a Poesia, a desflorir.
Arte, pátria, amor, não eram mais
teus lares.
Urgia da ágil sina provar os mil sabores,
E
então andarilho, traficante, hippie pioneiro.
Perdeu-te o mundo,
perdeu-se alhures,
Dormindo para repousar no Olimpo,
altaneiro.
M U S A
Chamar-te no calor da
noite
Que a ausência é um açoite
Desvelar com afã
juvenil
Teu corpo primaveril
Amar-te nas chamas da
cama
O sol de quem ama
Devorar-te a carne na fome
Esse
desejo do homem
Beber-te toda na sede
Teu suor, tua
seiva, teu leite
Aquecer-me entre teus pólos
Alvorecer
em teu colo
M U S A - II
Na tua carnadura
Meu
desejo estaciona
Embriagado
Seja claro dia
Seja noite
escura
Jamais recordando
O passado
Navego-te
caravela
Nas tuas profundezas abissais da alma
Faço água,
transbordo a qualquer bordo de ti
E nunca mais tenho
calma
Tens-me na palma da mão
Periclitante falta de
precaução
Valha-me meu coração
Mas contigo também
gozo o cio das madrugadas
As exaustões mais cansadas
Até o
raiar das manhãs
Mas contigo também olvido o
estertor
Dos moribundos
O retinir das espadas
E as F l o r e
s M a l s ã s
O PASSAGEIRO DAS HORAS
O Homem
é consciência de si próprio.
Auto-caritativo, faz nascer do
vazio que lhe cerca os fantasmas sagrados de um Deus humanado e de um
Homem deificado. Tolamente, ignora, ou talvez apenas finja ignorar,
que o vazio que lhe cerca e que lhe oprime é o deus a venerar, a
beleza da sua humanidade, o sentido da sua hora, a poesia pungente da
sua vida.
O Homem é o único mistério (teoriza outros
para esquecer sua confusão e solitude).
Caminha, tropeça,
levanta-se. Resiste.
Bêbado no eterno embate entre a aceitação
dos fatos e sua negação.
Pergunta-se sem obter respostas e segue
carregado pela grande miragem das horas.
No cimo da jornada,
pranteia, saudoso do tempo ido, e mergulha outra vez no leito eterno,
que é o nada.
Nasce só, vive só, morre só.
Escravo
da sua inteligência,
Num golpe de auto-engano,
Elabora
respostas para seu enigma
Enquanto intoxica-se com todas as
ilusões que inventa:
Amor, dinheiro, poder, religião,
conhecimento...
Mas é simplesmente pó!
Olha-se
no espelho e, comovido,
Relembra a paz do útero materno,
E o
amor incondicional da tenra infância...
Sonhos passados, levados
pelas vagas do tempo...
A íntima dor humana é a
morte:
Pesadelo e angústia dos vivos
Abismo que nos espreita,
sorrateiro
Dor que confrange o peito
Hino que cantamos de
cor
Fado inexorável
O medo da morte é uma paixão
humana
A condição do Homem é um duplo:
Sopro de luz
e treva
Padecimentos e delícias
Fugas e enfrentamentos
Acaso
é a lei da vida
Acidente no percurso da matéria pelos espaços
inauditos
Fragmento infinitesimal do tempo, do espaço, do
universo
Devaneio baldadamente sonhado pela conflagrada Mente
Divina...
FRAGMENTOS POÉTICOS
Quem ama esquece a
vida
Refém da cruel desdita
A hora, o mundo, a
lida
Esquece-as. Todas malditas...
Quem ama só lembra
a ida
Ao Hades, resgatar Eurídice
Enquanto no mundo a
ferida
Gangrena, que alguém lhe disse...
O amante só
vê o vazio da cama
Entregue a seu sonho particular
Fazendo o
mundo esperar
Até conquistar quem ama...
O amante
enxerga o mundo em calma,
Sem contradições; nas teias da própria
trama
Se enlaça; só ouve os lamentos d´alma
Atordoado com
seu miserável drama...
FRAGMENTOS POÉTICOS
A
cólera do homem cairá
Cedo ou tarde sobre o homem
O
sonho humano intervirá
Cedo ou tarde na história
Sonho
e cólera, confundidos
No fim, homens para si
O homem
matará o homem
O homem salvará o homem
Encetará
outra história
Sem a mácula da lágrima dos
inocentes
Proscreverá as lutas fratricidas
O novo
homem a aflorar
O homem e seu sonho
Reviverão
A
ira humana espreita
Entre o caos e a perfídia
Tremei
homens-moeda
Rostos sem face
Urubus na nossa
arte
Temei
Da história esta a nossa
parte
FRAGMENTOS POÉTICOS
Para qual esfera
resvalou o instante,
Miragem fantasmagórica da
consciência?
Vindo do nada que houvera antes
Urdindo o
vazio da impermanência!
A fragilíssima contextura do
agora,
Sombra informe, delirante, acuada
Quando
irrompe, morre; implora,
Mas não poderá ser prolongada!
O
momento é néctar e veneno
A vida, sensações em
convulsão
Então, torna teu drama ameno
As coisas não
foram, nem serão!
ANTI-HERÓI
O anti-herói,
inebriado de lânguida preguiça
Nauseado com a futilidade da lide
ignominiosa
Permite-se não sucumbir à sina tão odiosa
E se
espalha no leito e grunhe e se espreguiça...
Acorda, sem
pôr-se de pé: é o peso da cotidiana azáfama
Mas que ninguém
lhe vá discursar sobre o labor urgente
Que sonha ser filosofia e
arte o nobre destino da gente
“Dinheiro pra quê ou poder?”,
prefere as coisas diáfanas...
Mal-reputado e falido, o
anti-herói parece em paz!?!
Que de muito errado haveria com ele?
Néscio? Louco?
Por que o tudo pra tantos pra ele é mísero e
pouco??
Não está no script desdenhar assim de paradigmas
assaz
Consagrados! Mas vejam: mãos dadas com o Zé Ninguém,
Meu
Deus, parece-me ver a Verdade indo com ele também!
A
DESCENDÊNCIA DE ADÃO (OS EXCLUÍDOS DO PARAÍSO)
Inspira o
império dos sentidos, expira delírios
Sonha, pensa, age, teima
ter nas mãos sua sina
Inda crê na sucessão da esfera telúrica
a uma divina:
Remissão das culpas, compensação dos
martírios
Abandona-se ao cio das prostitutas beleza e
vitória
Sorvendo seus corpos e almas com insopitável luxúria
E
violenta a verdade e a honra com beligerante fúria
Depois, brinda
à morte com o sangue venal da glória
É libertino,
mau-caráter, implacável, fereza bruta
Desde que o mundo é mundo
e o homem, gente
Profusão de talentos, mas flagelo de cobiça
ingente
É o crucificado também pregando o que ninguém
escuta...
Psíquico, moral e genético mosaico de recônditas
partes
Dia e noite confrontando-se em épico-fatais fins de
tarde...
É UM MECANISMO DE DEFESA HUMANO...
A
vida dói sobre os ombros
Pesa insuportavelmente sobre os sonhos,
sufocando-os
Degenerando-os em pungentes exercícios de
imaginação: o que teria sido e não foi...
Também as horas
desfazem nossos corpos e mentes
Tornando-os horrendas caricaturas
de si mesmos...
De lágrima em lágrima a dor e a decepção
corroem nossa orgânica estrutura
A fé a perdemos ante o
inexplicável do caminho
A calma, a dignidade as vendemos ao
mercado pela subsistência ou por 15 minutos de fama...
Entretanto
(é contraditório, é paradoxal, eu sei)
Cada centelha de tempo
que se apaga
Cada suspiro que nos escapa aos lábios
Cada dor
secreta que violenta nossa frágil alegria
Correspondem a um
ânimo, a uma vibração que se vão acumulando em nossas asas
imaginárias, sim, nas descomunais e vigorosas asas que nos
inventamos
E assim, quanto mais o inferno puxa-nos para suas
profundezas mais o céu abre-se para nós como nossa verdadeira
moradia
É um mecanismo de defesa humano...
Cada
vez que a vida apunhala-nos no peito e o tempo sufoca-nos a garganta
e o mundo ata-nos os membros
Simplesmente renascemos, ressurgimos
maiores, melhores, mais gloriosos
Abrimos nossas asas e planamos
feito águias altaneiras
Feito anjos: exatos, puros,
incólumes
Mais distantes da mediocridade terrenal
E assim
vencemos a dor, o cansaço, a doença
Como uma mágica de cunho
filosófico, existencial; uma mágica simples e perfeita; se
preferir, pode chamar de a maior alquimia humana, que transforma
raiva, medo, frustração em arte, renovação, solidariedade
Quanto
mais a vida quer dobrar-nos no chão
Mais alto, mais longe alçamos
vôos na amplidão
É um mecanismo de defesa
humano...
FÉ!
Qualquer coisa sobrevirá a
nós
O que é, esvaecerá (terá sido?)
Dos silêncios
atemporais à voz
Da consciência, daí ao
desconhecido...
Qualquer nascente descansa em foz
Indo, o
rio consome, é consumido
As civilizações estão sempre a
sós
Plantando o que outras terão colhido
Mas alguma coisa
humana quedará
Inoculada nas trilhas do Tempo-Espaço
(como o
solo, que marca a força do passo)
O que será? A fé! Que
percorrerá
Múltiplos e amplos Nadas do universo
A
arrebatar-lhes o Tudo submerso!
A PAZ
Sereníssima
imagem da justiça e candura.
Anjo adorado que sob suas cálidas
asas
Dar-nos-ia abrigo e desfaria as mágoas,
Dirimindo a
vontade cruel e mais dura.
Perseguida, porém, agoniza em sua
cela,
Por escravos do ouro e da guerra golpeada.
E os Arautos
do Apocalipse, em cavalgada
Avançando contra a idéia humana mais
bela.
Cordeiro humilhado, arrastado à cruz
Por implacáveis
soldados da morte: panteras
De sépticas garras, que infeccionam
as eras,
Erguendo urbes sem alma e templos sem luz.
Trabalho
de Sísifo, das Danaides.
Paixão volúvel, fantasia
romanesca.
Fruta que estragou antes de fresca
No estéril
jardim da Humanidade!
ENTRE OS OPOSTOS EXISTE UM
ELO...
Entre os opostos existe um elo:
Ímã pondo a
convergir suas essências
E um recíproco e apaixonado
anelo:
Entre si exaurir suas potências
Mas entre eles
também existe o regelo
Da dessemelhança, cego às mutuas
querenças
Um insubsistente e sempre olvidado zelo
Refém de
ódios erguidos de ignorantes crenças
Já entre os iguais
cristaliza-se o flagelo
De tabus imemoriais,
empedernidos:
Resquícios de tempos já consumidos
Mas
entre eles também resplende o belo
Fundamentado na glória dos
ideais atingidos
E numa paz perpétua, sem vencedor ou
vencidos
E P I T Á F I O
Os últimos suspiros
de uma era!
Tudo é sombrio, ainda amalgamado
Mas, um pútrido
odor na atmosfera
Nos dá a antever o triste fado...
Já
caduco, o paradigma degenera
Demora, mas se exauri; tombará
calado
Como o velho, sabendo o que o espera:
O inexorável
instante, sempre evitado...
A evolução impõe sua lógica; é
fera
Cuja fome tão cedo se terá saciado.
Sua vítima, o
humano, desespera...
“E a consciência, seu ideal tão
elevado?”
Pudéssemos permanecer... Ó quem dera!!
Mas,
vestígios de um império soçobrado...
REFLEXÕES
METAFÍSICAS
Quem é aquele que vinte e tantos anos após a
estréia no insólito, plangente e jocoso palco mundano, ainda
duvida, ainda duvida bastante, ainda duvida de tudo: de si, dos
outros, da realidade, dos fatos, dos livros (e por isso mesmo
desconfia que nada é verdadeiramente importante porquanto nada é
verdadeiramente real)?
Quem é aquele que tempos depois de
romper o hímen da consciência, duvida da sua própria, das alheias,
estejam aqui ou algures (melhor mesmo seria usar o termo nenhures,
porque só habitamos nossa própria mente!), e olhando as pessoas vê
apenas a noite que as aguarda, paciente e resolutamente; e ouvindo as
pessoas, ouve, sobretudo, o sonoro silêncio que as envolve e engole,
tão profundo, doce e calmo que até as embala (e dançam magicamente
com sua própria morte!)
Quem é aquele que tocando as pessoas
desconhece seus corpos, seus desejos, suas necessidades, porque está
para além deles, olha, sente, ouve e fala para além deles, para
algo e alguém que está além deles. Quem é o infeliz agraciado com
este dom noctífero?
Quem é aquele que antes da pequena morte
do sono, mirando as trevas, como um Hamlet sem a poesia, questiona:
Existo? Existem? Existimos? E se existo, e se exisitimos, o que é o
existir, o que é a existência? Um fato concreto, num dado momento
da dialética relação Espaço-Tempo? uma idéia, um ideal inoculado
em nossas mentes; o dogma de alguma mitologia senil; um preconceito
espurco; uma sensação fugaz; um desejo ardente; um abscesso; um
estupor; uma vertigem; ou simplesmente uma mentira ordinária na qual
acreditamos porque é bom e fácil de acreditar? É uma causa, uma
conseqüência, um meio, um fim, um mistério insondável, insolúvel,
ou talvez o óbvio ululante ou qualquer coisa desimportante (então,
meus questionamentos seriam inúteis)? Há, além disso, alguma
importância superior no fato de existirmos?
Quem é aquele
que se faz tantas perguntas, e prossegue: pode a existência ser uma
equação matemática? Ou seria a existência o que a mente traduz do
mundo que nos é exterior, e que apreendemos pelos sentidos, e
descodificamos pela razão? Ou a mente inventa o mundo exterior, do
qual supostamente fazemos parte, e depois de inventá-lo nos faz
acreditar nele? E se isso for verdadeiro, se minha mente inventa
tudo, então somente eu existo? Os outros são miragens, no deserto
da minha existência? Mas aí todos os demais poderiam pensar a mesma
coisa: apenas eles existem, enquanto indivíduos de carne e osso,
enquanto indivíduos que riem e pranteiam; os outros são fantoches,
coadjuvantes atuando no filme de suas vidas... Conseqüentemente, a
humanidade seria um vastíssimo conjunto de alienados vivendo em
universos paralelos, separados, próprios a cada um. Idéia
terrivelmente fantasmagórica!
Há outra possibilidade: e se
todos formos sombras de um mesmo objeto multifário-incognoscível
(assumir esta hipótese o torna cognoscível?); existimos todos,
existi tudo num amplíssimo conjunto onde cabem infinitos
subconjuntos, que se re-combinam ad infinitum, às vezes
aleatoriamente, às vezes premeditadamente; existimos num lugar onde
tudo é possível e onde as coisas todas e suas antíteses
co-existem, existem simultaneamente; existimos eternamente (não
importa que morramos, neste exato momento somos eternos); enfim,
existimos em Deus (eu sei que o vocábulo Deus está deveras
desgastado, mas foi o melhor termo que encontrei para expressar essa
intuição). Deus não é um problema metafísico, de fé, de medo,
de justiça, de uma moral universal ou de vida após a morte. Deus é
uma questão lógica (e, obviamente, as religiões são um erro que
já perdura por tempo demais, um delírio estúpido). Deus é,
simplesmente, o INFINITO DE POSSIBILIDADE DAS COISAS ou AS COISAS E
SUAS POSSIBILIDADES INFINITAS.
Deus existe e fazemos parte
dele, assim como os vírus e as bactérias fazem parte da natureza e
a estupidez tão ativamente faz parte da humana natureza.
E o
mais sensacional: não há nada de extraordinário em tudo isso!
Ou
há?
NORMINHA
(para minha amada mãe)
Nossos
momentos: suaves encantos, com tua presença
Acolhidos em ti,
revigoramos na beatífica luz dos teus círios
És rara: a que
transfigura em sonhos douradouros martírios
Fortalece o corpo e a
alma e ajuda a debelar a doença
Difícil nos é decantar tuas
virtudes condignamente
Já a Graça Divina, de forma cabal o fará,
no infinito
Porque és discípula fiel daquele que fez do amor o
seu grito
Com Ele tendo o bem aprendido, que fazes
silenciosamente
Tua suavidade é fortaleza e teu silêncio,
congraçamento
A empatia te guia na heróica missão das almas
caritativas:
Adentrar as celas em que as pessoas padecem
cativas
e, como um Héracles a libertar Prometeu, dar-lhes
alento
Erguer-se como diante do mundo sem tua coragem
Que
nos sustenta com profundas lições de fé e amor?
Não é o
elixir das tuas palavras, ensinando o destemor,
Que nos tem
salvaguardado nas intempéries desta viagem?
Nosso anjo da
guarda! Cálida morada de luz e ternura!
Perenal sol que nos impõe
continuar florescendo,
Cujo calor impede nosso ânimo de ir
decrescendo
E nos levanta para desafiar e vencer a
amargura!
FRAGMENTOS POÉTICOS
*
sim,
meus amigos
é verdade
cansei-me de mim
cansei-me de
mim
irremediavelmente
também, se me permitis
cansei-me
de vós
daquelas cenas banais
que representávamos
cotidiana
e desafortunadamente
sim, meus amigos
cansei-me de
vós
irremediavelmente
decrépita a antiga face
cegos os
velhos olhos
muda a boca senil
superados os temas da remota
personagem
sepulto-os num cemitério de memórias
a
exaustão também chegou às vossas partes
cenas que cumpristes
sempre diligentemente
e que cumpris ainda
mortificados
de
quando em quando
mundo, gente, é urgente sermos outros
viver a
mesma vida cansa
mudança é a constante na matemática do
tempo
o que me é posto agora é renascer
glória
efêmera
profundo mistério
e sentido da nossa natureza
do
pó ressurjo, mitológico
avançando no curso ontológico
desse
rio
*
viver cansa
decerto / deserto
mas
não há o descanso eterno?!
O mundo é triste, às vezes
mas
recolher-se entre quatro paredes?!
Gira o
mundo
pressuroso
obsidional
remoinho antropofágico...
mas
o sonho humano é imortal
e mágico!
As pernas
doem?
Entonteces?
Agarra-te ao fugaz momento!
Entorna a
urna de Baco!
As coisas farão sentido a seu tempo...
E se
ficares sozinho
Restarão as memórias
E se te derrubarem
ao chão
Restarão os braços de levantar
Lembra-te do
resto:
O resto é silêncio. . .
*
POEMA
CIENTÍFICO
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