a casa
parece enorme; a cada passo, se estendem os cômodos, se multiplicam os metros,
e os vazios se aceleram, como num universo particular; a solidão infinda-se, dilacerando-me
lentamente, humilhando minha humanidade; uma imensidão de impossibilidades de
afeto, diálogo, amor, esperança
falo
fingindo a presença de outra pessoa, falo para ouvir-me, para lembrar que sou
gente; a solidão é um sol que dá vida, expande as capacidades imanentes, abre os olhos para uma singular visão das coisas, mas, exagerada, entorpece e
exaure, resseca o coração, confunde a mente, limita o espírito
percorro um
milhão de quilômetros de pensamentos no espaço de um metro quadrado, quisera percorrer
um milhão de passos sem nada a pensar, fruindo o momento
solidão
tumular, silêncio cortante, pensamentos tortuosos
existo realmente
ou apenas vestígio de algo extinto, sombra do passado? eles existem ou são
reflexos de alguma coisa, não a coisa, o pó da coisa, o rastro fugidio da coisa?
e se existimos, o fato de que tudo será extinto e esquecido não nos faz mortos e
esquecidos desde já, como fantasmas errantes? alívio nada ficar registrado (que
assim permitam as leis da física)
bebo água,
sem água a gente morre, sem gente por perto morremos também, queria beber gente
todo dia, como se fosse água, queria respirar gente como se fosse ar,
respirar-se é bom, mas insuficiente, vai-nos intoxicando, precisamos de pontos
de vista diferentes, de dialética e oxitocina
entro em meu
quarto, meu palco e minha tumba, por onde andam meus sonhos e esperanças? murcharam
como eu através das décadas; de timidez ando perdendo a vida, me disseram, não
que a vida se importe, não que alguém se importe, eu deveria me importar, mas alquebrado
demais para me importar; ouvindo música baixinho, para não incomodar ninguém,
passando despercebido mais um dia, um alegre e festivo, talvez pela minha falta;
ouvindo música baixinho, e dançando com alguém imaginário, o amor dos meus 15
anos
a casa
parece enorme
uma ausência
de tudo
Nenhum comentário:
Postar um comentário