Meio-dia!
Luz e calor em toda parte. Mas, contraditoriamente, algo em mim se recolhe,
algo em mim de mim se ausenta, escapa, se esvai, como se fosse tarde, bem mais
tarde, como se fosse a hora das melancolias e saudades. Mas é meio-dia
ainda, a hora em que as sombras não nos perseguem! Caminhos e possibilidades
infinitas, infinitas vidas a viver, inventar, mas parte de mim se paralisa,
permanece, estanca, parte de mim renega a lei fundamental da vida: o movimento,
e no auge da jornada se petrifica, se faz árvore, uma árvore outonal, sem copa,
sem frutos, parte de mim cala-se e deita-se, esperando... O quê? E assim
convida perigosamente as brumas das altas horas a se manifestarem, elas que
estão sempre no aguardo, sorrateiras...
Meio-dia!
Hora da colheita! E eu plantei tantas coisas; frutificarão? Será que o sonho
que sonhei não era meu? Será que o sonho que sonhei era vão? Será que tais
coisas sonhadas, docemente acalentadas, anos a fio, não tinham meu rosto, meu
sobrenome? Terei ficado com o ônus do esforço, sem o bônus da recompensa: o
pensamento, a arte, a beleza? Talvez o destino me tenha reservado uma seca
implacável, seca de gente, de êxito, de arrebatamento, seca que abre sulcos no meu rosto, faz evaporar minha coragem, torna estéreis as sementes plantadas.
Talvez seja como o destino me queira: árido, infértil, pedregoso, sem nada conceber...
Meio-dia!
Tempo de erigir os palácios, as pontes, as catedrais da vida. O que tenho erigido nestes
trinta e tantos anos? Será que se sustentarão os alicerces da minha arquitetura?
Também é a hora das definições! E ainda tenho tanta coisa a definir, a
decifrar, a entender, a aceitar... Faz alguns anos a solidão bateu à minha
porta e eu, desavisado, deixei-a entrar. Ela ainda está por aqui, seu vulto
cheio de desassossego! Também o medo apossou-se do meu coração e a dúvida vem
sussurrando palavras pequenas em meus ouvidos. É um meio-dia bem cinzento, para
falar a verdade, de nuvens carregadas, e, aliás, de corações carregados
também...
Mas
há esperanças! Se há luz e calor, há esperanças! Se as sombras dormem
preguiçosas, há esperanças! Vou conseguir colocar-me no exato caminho, o caminho
das flores, das alegrias, das transformações, dos resultados. Também posso fazer
do caminho que percorro o exato caminho, o tão sonhado e sempre aguardado
caminho das liberdades, conquistas e afetos, agindo com coragem, cultivando o
talento, rompendo o casulo, oferecendo-me ao mundo na forma de palavras e pensamentos. O que frutificar, irei colher, alegremente agradecido; encherei de
risos o silêncio, preencherei com abraços a solidão, partirei as correntes do
medo, expurgarei as feridas que a dúvida engendra e farei com que se ouça as agradáveis
melodias que componho no delirantemente onírico dia-a-dia da minha vida, a vida
com a qual sonhei e sempre quis construir, a vida que quero deixar de legado
para o mundo e às gerações futuras, cuja mensagem é: outras formas de viver são
possíveis!
Meio-dia!
Luz e calor em toda parte! Hora das iluminações!