sábado, 24 de maio de 2014

MEIO-DIA!, por Tádzio Nanan


Meio-dia! Luz e calor em toda parte. Mas, contraditoriamente, algo em mim se recolhe, algo em mim de mim se ausenta, escapa, se esvai, como se fosse tarde, bem mais tarde, como se fosse a hora das melancolias e saudades. Mas é meio-dia ainda, a hora em que as sombras não nos perseguem! Caminhos e possibilidades infinitas, infinitas vidas a viver, inventar, mas parte de mim se paralisa, permanece, estanca, parte de mim renega a lei fundamental da vida: o movimento, e no auge da jornada se petrifica, se faz árvore, uma árvore outonal, sem copa, sem frutos, parte de mim cala-se e deita-se, esperando... O quê? E assim convida perigosamente as brumas das altas horas a se manifestarem, elas que estão sempre no aguardo, sorrateiras...
Meio-dia! Hora da colheita! E eu plantei tantas coisas; frutificarão? Será que o sonho que sonhei não era meu? Será que o sonho que sonhei era vão? Será que tais coisas sonhadas, docemente acalentadas, anos a fio, não tinham meu rosto, meu sobrenome? Terei ficado com o ônus do esforço, sem o bônus da recompensa: o pensamento, a arte, a beleza? Talvez o destino me tenha reservado uma seca implacável, seca de gente, de êxito, de arrebatamento, seca que abre sulcos no meu rosto, faz evaporar minha coragem, torna estéreis as sementes plantadas. Talvez seja como o destino me queira: árido, infértil, pedregoso, sem nada conceber...
Meio-dia! Tempo de erigir os palácios, as pontes, as catedrais da vida. O que tenho erigido nestes trinta e tantos anos? Será que se sustentarão os alicerces da minha arquitetura? Também é a hora das definições! E ainda tenho tanta coisa a definir, a decifrar, a entender, a aceitar... Faz alguns anos a solidão bateu à minha porta e eu, desavisado, deixei-a entrar. Ela ainda está por aqui, seu vulto cheio de desassossego! Também o medo apossou-se do meu coração e a dúvida vem sussurrando palavras pequenas em meus ouvidos. É um meio-dia bem cinzento, para falar a verdade, de nuvens carregadas, e, aliás, de corações carregados também...
Mas há esperanças! Se há luz e calor, há esperanças! Se as sombras dormem preguiçosas, há esperanças! Vou conseguir colocar-me no exato caminho, o caminho das flores, das alegrias, das transformações, dos resultados. Também posso fazer do caminho que percorro o exato caminho, o tão sonhado e sempre aguardado caminho das liberdades, conquistas e afetos, agindo com coragem, cultivando o talento, rompendo o casulo, oferecendo-me ao mundo na forma de palavras e pensamentos. O que frutificar, irei colher, alegremente agradecido; encherei de risos o silêncio, preencherei com abraços a solidão, partirei as correntes do medo, expurgarei as feridas que a dúvida engendra e farei com que se ouça as agradáveis melodias que componho no delirantemente onírico dia-a-dia da minha vida, a vida com a qual sonhei e sempre quis construir, a vida que quero deixar de legado para o mundo e às gerações futuras, cuja mensagem é: outras formas de viver são possíveis!
Meio-dia! Luz e calor em toda parte! Hora das iluminações!

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