quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

UM CARA TORTO, por Tádzio Nanan


Sou um cara torto, todo errado, gauche. Nasci assim, assim vou morrer. É como me quiseram as forças superiores. É como me fizeram aqui embaixo. Pena que ainda não inventaram remédio contra a obliquidade...
Sou um cara torto, metafórica e literalmente falando. Por exemplo: não consigo pensar com acuidade. Meus pensamentos não penetram a fundo os mistérios da vida. Penso confusamente, me expresso confusamente, confusamente ajo. Não tenho método, roteiro, direção. Percorro uma trajetória impossível de ser prevista ou calculada, como uma pluma ao vento. Puro caos.
E meus sentimentos? Sombrios, conflituosos, carregados de tristeza com uma pitada de desespero. Tipo de coisa com a qual se nasce e não nos livramos nunca. Um açoite diário.
Torto, todo torto, torto deveras. Dentes tortos, pernas tortas, torta a coluna, o rosto torto (veja aí a qualidade dos genes que me legaram...).
Como se não bastasse a obliquidade generalizada, a boca miúda me tem na categoria de tolo, e acho que ela está certa, mesmo. Invisto em talentos insignificantes, publico pensamentos superficiais, baseio minha história em sonhos irrealistas... Uma vida desperdiçada? Aparentemente, sim!
Eu ando, ando, ando e não chego a lugar algum (estarei preso numa maldição a la mitologia grega?). Imagino uma miríada de coisas, mas não consigo realizá-las em qualquer grau. Passo horas estudando, e qual é a minha grande descoberta? O óbvio, claro! Perda de tempo? Aparentemente, sim!
Sou um cara torto, todo errado, gauche. É o que me dizem todas as pistas.
Mas alguém caridoso, próximo a mim e conhecedor de minha delicada situação, lembrou-me de um antigo ditado popular que diz: Deus escreve certo por linhas tortas. É verdade, inescrutáveis são os caminhos Dele...
Naquela noite até remocei, renovei as esperanças, dormi em paz, cheio de fé, pensando que, talvez, através da minha obliquidade, Ele esteja escrevendo uma grandíssima e singular obra!

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