Sou um cara
torto, todo errado, gauche. Nasci
assim, assim vou morrer. É como me quiseram as forças superiores. É como me
fizeram aqui embaixo. Pena que ainda não inventaram remédio contra a
obliquidade...
Sou um cara
torto, metafórica e literalmente falando. Por exemplo: não consigo pensar com
acuidade. Meus pensamentos não penetram a fundo os mistérios da vida. Penso
confusamente, me expresso confusamente, confusamente ajo. Não tenho método,
roteiro, direção. Percorro uma trajetória impossível de ser prevista ou
calculada, como uma pluma ao vento. Puro caos.
E meus
sentimentos? Sombrios, conflituosos, carregados de tristeza com uma pitada de
desespero. Tipo de coisa com a qual se nasce e não nos livramos nunca. Um açoite
diário.
Torto, todo
torto, torto deveras. Dentes tortos, pernas tortas, torta a coluna, o rosto
torto (veja aí a qualidade dos genes que me legaram...).
Como se não
bastasse a obliquidade generalizada, a boca miúda me tem na categoria de tolo, e acho que ela
está certa, mesmo. Invisto em talentos insignificantes, publico pensamentos
superficiais, baseio minha história em sonhos irrealistas... Uma vida desperdiçada?
Aparentemente, sim!
Eu ando,
ando, ando e não chego a lugar algum (estarei preso numa maldição a la mitologia grega?). Imagino uma
miríada de coisas, mas não consigo realizá-las em qualquer grau. Passo horas estudando,
e qual é a minha grande descoberta? O óbvio, claro! Perda de tempo?
Aparentemente, sim!
Sou um cara
torto, todo errado, gauche. É o que me
dizem todas as pistas.
Mas alguém
caridoso, próximo a mim e conhecedor de minha delicada situação, lembrou-me de um
antigo ditado popular que diz: Deus
escreve certo por linhas tortas. É verdade, inescrutáveis são os caminhos Dele...
Naquela
noite até remocei, renovei as esperanças, dormi em paz, cheio de fé, pensando
que, talvez, através da minha obliquidade, Ele esteja escrevendo uma grandíssima
e singular obra!
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