terça-feira, 12 de junho de 2012

DESPERTAR! - por Tádzio Nanan


Enfim, a manhã de uma vastíssima noite!
Lentamente, as mulheres se vão despertando
Seus olhos desvirginam-se ante o espetáculo da luz: formas mil, mil possibilidades
Os corações estão secos:
Ó sede!
As mentes estão ávidas:
Ó fome!
As almas sonham com a amplidão:
Ó calor!
Abrem os braços, ávidas do mundo inteiro: é um convite à Existência, deusa-mãe, para compartilhar com elas os mistérios profundos da vida
São desejos vorazes, forças fluindo livremente, revoluções em marcha
Mas ainda não se levantam. Por que não se levantam?
Porque também há muita confusão e dúvida
São um turbilhão de sentimentos, emoções, razões e desrazões
São os séculos que pesam insuportavelmente sobre seus ombros. A carga dos velhos dilemas e dos paradigmas depauperados
Têm de vencer suas sombras, transpor seus abismos
Têm de matar a si mesmas, para nascer inteiramente outras
Em breve, ágeis e destemidas, correrão atravessando os espaços e as horas. Mas não ainda, não ainda...
As mulheres, enfim, descobriram a história
Logo, logo a história também fará sua maior descoberta: a história das mulheres, o limiar da verdadeira História
Tornar-se-ão melhores reciprocamente? Sim!
Que transformações sucederão em ambas? Todas!
Algumas mulheres exigem do mundo uma indenização pela história ter sido o que foi
Paguem, vociferam, pela nossa doída plurissecular inexistência, por nosso amor castigado, por nosso corpo aviltado, ferido, vendido e comprado, por nossa delicadeza humilhada pela força, por nossa dignidade seqüestrada pelo dinheiro, por nossa inútil entrega aos bárbaros e aos brutos, por nossa inteligência castrada pelos covardes
As mulheres querem revanche!
As mulheres querem revanche?
Não. Somente aquelas que ainda não compreenderam a grandeza do momento, aferrando-se ao ontem, ao invés de imaginar e erguer o amanhã
É porque enquanto o novo não se impõe, o passado chora à sua porta e dói nos corpos como Roma doeu no corpo do Cristo
É porque ainda não se encontraram totalmente (enquanto os homens se têm perdido)
Estão no meio da travessia
É duro estar no meio da travessia
Caminham num labirinto escuro, não se enxerga um dia à frente
Caem de alturas infinitas
São arrebatadas por forças ignotas
Suas identidades tragadas em redemoinhos emocionais
Injetam miríade de delírios nas veias
Têm os corações explodidos
Têm as vulvas em brasa
E repercutem o grito de Munch
E enlouquecem como o pintor holandês
E desistem como os suicidas
E se envenenam lentamente (enquanto envenenam o mundo com a cicuta das feridas supuradas)
Olham-se no inexorável espelho da alma
E vêem o monstro de Frankenstein:
Um pesadelo composto de mil pedaços ainda não revelados
Não sabem quem são
E dói ignorar quem se é, o que se é, o que se quer
Partem em busca de si
Perseguem-se
Capturam-se
Confessarão?
A verdade pode doer. Não vão querer ferir seus ouvidos com a verdade...
Não! Querem sim saber da verdade, porque têm coragem
(A verdade é só para os que têm coragem)
Querem saber quem são
Querem decifrar este enigma
Traduzir os arcanos do feminino, plantados em seus corações desde tempos imemoriais
Mas ainda há muita ignorância. E o caos
Ainda sonham com a maternidade, ou preferem uma liberdade egocêntrica?
Trocariam uma vida de doçura e calma pela pantomima cínico-traiçoeira do poder, do dinheiro e da glória?
Anseiam por ter o respeito, quem sabe o temor dos homens, ter o mundo a seus pés? Ou preferem, humildes, ajoelhar-se e beijar os pés da Terra?
Um homem (o ideal)? Ou todos? Ou nenhum?
Ó sede!
Ó fome!
Ó calor!
Levantam-se
Tropeçam, caem, soerguem-se
E avançam
A marcha de um exército?
Um cortejo pacífico?
Aí vêm elas:
Sombra e objeto
Potência e ato
Sonho e labor
Escuridão e luz
Mas, desde já, livres de todo senhor e de toda cruz!

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