Quando
adentrou a sala de casa, muito bem vestido, o grupo já o aguardava
com certa ansiedade. Era o último guerreiro a juntar-se a ele.
Cumprimentaram-se fraternalmente, até docemente, eu diria. Quem os
visse ali, a deixar-se levar pela primeira impressão, logo
demonstraria simpatia pelos rapazes, tal a admiração produzida por
seus modos suaves, suas compleições saudáveis, a esmerada educação
recebida, traduzida numa certa sofisticação ao falar. Cientes
disso, se empavonavam, enchiam-se de uma discreta mas perceptível
arrogância.
Despediram-se
dos progenitores do mais velho do grupo, gente de ótima estirpe,
enorme influência na sociedade, e partiram fazendo troça uns com os
outros, gargalhando alto, como se nada houvera no mundo que eles
próprios. A boate Liberdade era o destino do grupo, a qual se
dirigiam em dois BMWs de centenas de milheres de reais. O Liberdade
era uma das boates mais elegantes da cidade, frequentada pela
endinheirada burguesia nacional e internacional. Além do
divertimento, visavam a traçar estratagemas para a operação
daquela madrugada, que esperavam tão excitante quanto às passadas.
Não
exageraram no álcool face à necessidade de agir com certa
prudência. Mas um deles disse: Dane-se a prudência, o dinheiro
resolve qualquer imprevisto! Este exagerou na bebida, e os outros
acabaram dando de ombros – em se tratando de Brasil, ele estava
certíssimo!
Lá
pelas duas da manhã relembravam animadamente de suas recentes
secretas aventuras, e moderaram um pouco o tom de voz. O jogo de luz
e sombras, os vapores dos charutos asfixiando o ambiente, o caráter
das personagens, lembrou-me a mim, narrador onisciente, um filme noir
americano dos anos 40 ou 50, este certamente impróprio para
menores...
Até
que finalmente deixaram o copo, e se dirigiram à administração da
boate. Apertaram um por um a mão de um antigo segurança, acenaram
com a cabeça ao gerente do estabelecimento e penetraram sem
cerimônia uma sala contígua à administração. O mais novo deles,
rapagão de 1,90, cientista da computação, já completamente íntimo
do ambiente, afastou um pesado móvel que escondia um alçapão.
Abriu-o e dele foi retirando um a um seu conteúdo e distribuindo com
seus bons camaradas. Todos se serviram à vontade, pareciam
satisfeitos, ninguém invejou ninguém.
O
dono da boate apareceu para falar-lhes, desejar-lhes boa sorte. Era
um empresário respeitadíssimo na cidade, conhecido até
nacionalmente por sua generosa fortuna pessoal. Depois de
cumprimentá-los, ele ficou lá, parado, com ar solene, assistindo ao
resto do evento em silêncio.
Os
cinco rapazes faziam seus últimos preparativos, checavam seus
brinquedos, arrumavam suas roupas, os cabelos. Havia naquele proceder
mecânico, silencioso, devotado, qualquer coisas semelhante à uma
liturgia religiosa.
Com
a voz um pouco embargada, o mais bem-nascido deles, herdeiro de
centenas de milhões de reais, exaltava as qualidades de cada um dos
presentes e incitava o grupo a grandes feitos em tempos de frouxidão
dos valores morais e tibieza da honra. Havia sem dúvida um toque
épico em seu eloquente e requintado discurso.
Lá
fora a chuva rala, deixando a cidade mais sombria e deserta, parecia
querer promover-lhes os propósitos.
Cristiano
interrogou calmamente:
-
O que vai ser hoje?
Henrique,
respeitado professor universitário, foi direto:
-
Travestis! Mataremos travestis!
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